Não dá mais para correr porque ele nos pegou
em primeira mão. O final do ano nos alcança e na partida para o término não deixamos
de olhar para trás, para ver retrospectivas, para fazer um balanço geral, para
colocar as brigas no reformatório, para olhar no entorno do mundo - e também
mais perto - tendo a certeza de que muito mal foi feito, a vida perdeu certo
sentido de leveza e graça porque neste estancada geral e visão do balanço, a
conta não fecha.
Melhor sentar um pouco, logo ali na virada
final para ver o que estamos trazendo dentro do alforje. Este umbral do Ano
Velho para o Ano Novo pode ter algum ponto sem nó, pode haver também uma magia
secreta escondida junto à nossa bagagem de boas intenções. Vai que alguns ou
todos os males feitos do mundo no ano passado acharam por bem pegar uma carona
em nossas costas, se enfiaram na trama da mochila, se disfarçaram como do bem
dentro de nossa bagagem mais pesada. A intuição falou mais alto e assim, antes
de avançar no novo caminho, deixamos estes equipamentos mais doídos para trás.
Então fica decidido que levaremos apenas a
bagagem de mão e que assim mais leves, sem a curva da coluna vertebral vergada
de tanta desgraceira que tivemos que transportar, terá a chance de visualizar
um ano que vem melhor, mais leve. A conferência do conteúdo da pequena maleta
que na corrida e de última hora lembramos de enjambrar vai surpreendendo à
medida que se faz a conferência dos itens. A surpresa se contabilizou porque
dali nada havia de utilidade, nada de bens materiais, objetos úteis e inúteis,
coleções supérfluas, bloco rabiscado, livro de cabeceira, porta retrato, fita
ou laço, um grampo, uma carteira, um óculo, uma chave, um dinheiro, nada.
O que fluiu de dentro desta bolsa simplória,
arranjada às pressas porque o trem do tempo não aguarda, foi, em primeiro lugar,
um perfume não identificado no dia a dia, uma essência que ao ser inspirada
encheu os pulmões de uma brisa que imediatamente oxigenou todas as fibras do
cérebro, causando assim uma reação em cascata. A lida continuou surpreendendo
porque o próximo embrulho tinha uma bela embalagem que de certo modo não podia
ser vista a olho nu, porque eram palavras que se desenhavam no ar formando
frases de solidariedade, de amor, de incentivo, de ajuda, de socorro, de
alegria e de esperança. E deste jeito o alforje se projeta como sendo um saco
de sentimentos, de desejos bons, de possibilidades de se fazer outro caminho, individual
e coletivo para este Novo Ano que começa.