sábado, 14 de junho de 2008

Caminhão de mudança


A mudança de endereço é uma prática comum nos dias de hoje com gente indo pra lá e pra cá em busca da casa própria, do conforto, da felicidade, do espaço prometido, da terra do nunca e da segurança e não sei mais que tantas mil outras necessidades.

Me surpreendo toda vez que alguém sai do meu prédio...Eu falei alguma vez com esta pessoa? Quem é esse individuo que arregaça meus portões e descarrega em um caminhão toda sua tralha e posses deixando os corredores com tantos sons e um apartamento vazio, coitado, chorando a ausência dos donos?

Este espaço agora tem pela frente que sofrer a partida e se recompor para receber novos moradores. Vão respeitar suas paredes? Seus cantos e recantos? Suas estruturas? Irão rasgá-lo com reformas? Vão feri-lo com pregos imensos para pendurar objetos insólitos?

Mas nunca pensei na surpresa da saída de um vizinho de mais de 23 anos. É isso assim mesmo. Porta a porta vendo seus filhos nascerem e crescerem sem nunca privar da intimidade da família. Coisa da raça alemã. Conversas ocasionais de corredor, o tempo, o condomínio, não querendo ninguém se aproximar e assim correram todos estes anos. Numa manhã este vizinho vai embora sem uma palavra, sem um bilhete, sem um telefonema .Mais de vinte anos e fico achando que ninguém é normal.
Na verdade este episódio foi o start para que me me encorajasse a escrever...Tem dois anos. Nunca é tarde

As novas ruas engolindo as emoções

As ruas do meu bairro mudam de aspecto mais rapidamente do que eu possa acompanhar. Residências desaparecem e espigões se lançam aos céus numa velocidade voraz.

Nas minhas andanças vejo casas caírem lentamente sobre o martelo de operários que insensíveis destroem tijolo por tijolo o lugar, deixando desnudas as emoções que permearam anos de vida de uma família. Quantas conversas nos corredores, discussões do dia a dia, amores compartilhados, cheiros das estações do tempo e da comida diária. Cheiro da família, chinelos se arrastando, gente rindo e tossindo, familiares partindo.

Acompanho atônita como se fosse um filme todas estas energias pulsantes que pairam sobre este lugar que agora não é mais nada. Vagam no entorno se perdendo, e para onde esta gente foi esta fase talvez não os acompanhe.

Sem nenhum pudor a intimidade da morada é deixada à mostra e descoberto os azulejos daquele velho banheiro que viu tantos corpos nus, gelados, quentinhos, jovens, velhos e desolados talvez. Lágrimas escondidas num espaço que é privado e santuário para muitos. E me aperta o coração.

O carvão da velha churrasqueira no jardim ainda cheira e ouço risadas de uma reunião de domingo. No abandono, uma banheira de porcelana cheia de inço, ridícula e bela na sua falta de propósito depositada naquele charco e não em seu lugar de origem com velhos azulejos e vapores fumegantes de uma sala de banho antiga.

E as paredes vêm abaixo sem dó com a história desta família se desfazendo no chão junto aos últimos cacos de tijolo, argamassa e azulejo picado mil vezes. Renascem novas em outro lugar, ou não.

E o meu coração se aperta e choro.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Trilha do boi




Sempre que ouço falar em trilha me vem à mente, mata fechada, subidas, terra molhada, escorregadia, espinhos, insetos, aranhas, galhos e raízes a te assaltarem sem cerimônia com a soberania de quem faz o caminho.

Até ser convidada a fazer a Trilha do Boi, no Itaimbezinho, era esse meu pensamento.

Diante de mim um caminho descomunal de pedras. Uma trilha construída pela força da chuva que atravessa implacável os cânions, arrastando tudo consigo sem levar em conta o lamentar da natureza viva. As pedras rolam e se repartem em muitas deixando à mostra suas entranhas e, finalmente, se organizam em novas formas e cores no leito do rio, banhadas mansamente pela água, agora, cristalina.

Este caminho, para mim, pode-se comparar a nossa vida que por tantas vezes sofre avalanches que embaralham nosso dia, deixando um rastro de mágoas, ressentimentos e sofrimento. Estes mesmos eventos vão se acomodar no fundo da nossa alma para nos fazer ressurgir mais maduros e fortes para enfrentar o crescimento emocional que todos precisamos ter para melhorar nossas vidas e a dos que nos rodeiam.

Não desista da trilha da vida....

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O homem da lata



Praia deserta nestes dias invernais com cheiro peculiar de marisco, de ressaca do mar cor de chocolate. E de repente, um homem sentado numa cadeirinha de praia na solidão da areia molhada e esquisita, de pés descalços no frio de 10 graus e ventinho gelado.

O que faz este homem debruçado ao chão recortando uma grande lata quadrada com um alicate e outras ferramentas bem masculinas...Passei ao largo cumprimentando o desconhecido com meio sorriso receoso, tentando entender o que ele queria com aquilo, neste local tão inusitado. Repassando, rodeando, indaguei o que fazia ele com aquela lata..recortando-a. A resposta foi evasiva, indireta, quase nada. Disse-me ele que estava Inventando algo para distrair e não podia fazer barulho no apartamento...

Legal, recortar lata na praia, com barulhinho para espantar mergulhões, garças e quero-queros...Afinal ! O silêncio não é para todos, assim como a solidão.

Para mim o silêncio é imperativo e ensurdecedor se é que dá para entender isso. Ao longe o rugir do mar e os meus pensamentos ora gritantes, ora calmos, ora sem eles, que às vezes é bem bom. Esquisita eu, esquisito o homem da lata...rodeando seu invento e fazendo barulho no silêncio,

Deixo para trás esta praia cor de chocolate com visual indescritível para quem só conhece a praia lotada de corpos bronzeados, guarda-sóis e cheirando a protetor solar. Esta paisagem é quase selvagem de tão solitária e mágica. E paro de pensar no homem que recorta lata na beira do mar...

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...