terça-feira, 29 de novembro de 2016

O amanhã


Mirei em cima do poste naquela manhã e não deu outra, aqueles dois estavam iniciando a faina da construção bem no topo onde, para um lado eles miram a serra com seus contornos chapados no céu e para outro, o mar, aquele sujeito temperamental que a cada dia manifesta seus humores de maneira totalmente imprevista. Um pouco mais abaixo um córrego trôpego com a lama necessária e o esterco de mais um e outro que vai servir em seus voos rasantes para que a casinha se faça de fato. Pelas beiradas, como um brinde, palhas, galhos secos diversos, penas de pássaros despossuídos e o mais que se possa utilizar para cimentar a casa entrincheirada e bem colada em um lugar privilegiado.

O olhar, ao contrario da passarada, que está sempre de sobreaviso nos quadrantes, voa para o horizonte pensando sempre no que virá depois de agora e não propriamente na tentativa – pelo menos – de se acercar de todas as ferramentas que a vida dispõe para construção dela mesma. Assim vão salteando as tarefas no afã de dobrar a próxima esquina e se deparar com mais uma oportunidade, um desafio, mais uma chance de nada saber, porém é para lá que aponta um destino.

Uma contumaz cegueira nos endurece o pescoço que nem se dá conta que a vista não passeia pelo entorno com calma, para absorver os recados da natureza, neste dia especifico, que nunca mais será o mesmo. Não se agacha para analisar o solo que pode conter elementos de beleza ímpar, alguns com brotos à mostra e outros na secura do fim da vida. Na caminhada sôfrega as pedras do caminho não se agigantam para dar seu recado e sim se recolhem ao solo com a esperança de que pousemos o olhar na trilha apontada que se mostra promissora e simples.

E assim vai o dia a dia, antecipando o fim antes que o começo se instale, aproveitando a fartura passageira esquecendo que a penúria existe, olhando tanto para o fim da estrada que se esquece de que a passagem deve ser agora e assim, de tanto pensar no amanhã não vê o dia findar.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Impermanência


Era para ser antes e não depois, era para vir na frente e não atrás, era para servir de apoio e não de algoz, era para melhorar a vida, não piorar, era para acrescentar e não diminuir era para qualquer coisa, mas não para o que veio. E assim se faz a preparação para receber o dia a dia.

Amanhece sendo um dia lindo, porém as botas de chuva estão na soleira da porta, porque assim se anunciou de véspera e deste jeito o clima é mais um a trair sua fala e então se desfaz uma arrumação e o que era uma certeza vira uma dúvida que se aniquila com a própria realidade.

E com o jeito que as coisas estão nada para por aí, o mar que foi dormir quase vazio de tão liquido amanhece tão alto que se suas ondas estivessem próximas lamberiam seus pés com certa audácia, os andadores de ondas se assustariam, os peixes ficariam desacorçoados de tanto movimento em águas e as areias mudariam de lugar corridas pelo vento que anteriormente havia se colocado como ausente.

O sol se pôs prometendo mundos e fundos para o dia seguinte aos praianos de sempre e aos de vez em quando, e é com essa sina que se acorda bem cedo e vai ver o tempo prometido e que não foi entregue. Grossas nuvens pairam por sobre todas as cabeças e deste jeito dá para ver com certeza que o Deus Clima acordou de maus humores e voltou atrás no prometido. Vai ver que os ciclones e seus amigos se reuniram no extremo sul e resolveram ver desfeitas as expectativas simplórias dos moradores da costa que nem bem abriram os olhos e lá estão fresteando a natureza, mãe de todas as suas horas.

Talvez os nossos olhos que ao se mostrarem ávidos por mais paz se veem em conluio com nossa mente que ao entardecer suspira por ventos mais fracos, chuvas que apenas borrifem as gramas, que o céu não arrombe nossos ouvidos já um tanto moucos e que nosso sorriso de toda manhã bordeje nossos lábios sempre. São apenas desejos que a impermanência de tudo contesta vez ou outra.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sonho


Um dia a gente acorda e o sonho está ao lado da nossa cama, personificando um atendente que aparentemente naquele dia fará todas as nossas vontades por mais esdrúxulas que possam parecer aos mortais comuns. Mas não para nós, não naquele dia.

Começa o ritual com o levantar preguiçoso na procura das pantufas – ainda é friozinho de manhã – e o primeiro pensamento é saber para que lado as atiramos antes de cairmos duras de pedra nos braços do Morfeu, este, outro personagem que habita nosso quarto todas as noites. Mas antes de completarmos o pensamento as avistamos, lado a lado, somente esperando nossos pés.

As passadas arrastadas e ainda sonolentas nos leva até a cozinha que exala um perfeito cheiro de café passado agorinha e com a xícara servida! Ao levantar o olhar a mesa posta com os alimentos que nem é nosso habito de todo dia ingerir, porque fazemos um rodizio, mas nesta mesa completa desta manhã idílica de pensamentos, é só sentar!

Arregalamos os olhos na certeza que são apenas miragens de uma noite bem dormida, porém o que segue é ainda mais intrigante. Ao retornar ao quarto de dormir, a cama está já feita, o computador está ligado e no portal preferido, o celular já carregou e está ao lado do teclado, seu lugar de honra, a agenda repousa em frente e está aberta com o calendário atual, só que nela nada tem escrito. À bem da verdade é força do hábito nesta nova vida, deixar a agenda, assim, de prontidão. Ás vezes surge algo a ser anotado e então com letras desenhadas no capricho o compromisso toma vida própria na hora e lugar certo.

A outra surpresa é a roupa parafernálica para o treino de bike diário. Toda arrumada em cima da cama, incluindo capacete, luvas, pochete e os tênis. A garrafa de água no lugar também e o odômetro zerado, esperando pela performance do dia. Rapidamente a fantasia é vestida e a realidade do dia começa ali.

Ledo engano, ao voltar do circuito o chuveiro se liga automaticamente já na entrada do recinto, a toalha repousa bem dobrada em frente e a roupa novamente está escolhida com apuro em cima da cama. Surpreendendo, a rouparia inclui o bikini, o chapéu e a canga, desvelando deste feita que sonhar acordado é o primeiro passo para se vir morar na praia!

domingo, 20 de novembro de 2016

Sombra


Foi numa manhã comum que acordei virada do avesso e tudo o que me vinha à cabeça era o contrário do que eu pensaria em um dia corriqueiro e, assim, fui me aquietando para tomar pé da situação e verificar como eu poderia voltar ao normal deste caminho que me apontou o alvorecer. Segui firme na maratona deletada porque ali se apresentava o desconhecido e a falta de lembrança de quem eu era parecia apenas um detalhe.

Minha cabeça não doía, porém eu sentia que ela estava em um vácuo, uma lerdeza como se eu estivesse em um ambiente amornado e quieto. Nenhum pensamento dos que normalmente me perseguem desumanamente, e assim fui me dando conta que em muitos outros aspectos havia ausências. Meu olhar não se movia para quase nada, meu corpo se movimentava tão lentamente que parecia que estava flutuando e assim acompanhava o ritmo meus braços, pernas e pés.

Fui me procurar no espelho e não me encontrei, então baixei os “flaps” à espera de tentar enxergar o que poderia vir pela frente porque me parece, assim de pronto, que hoje minha missão é fazer tudo o que não está escrito no meu gibi. Virada em fantasma de mim iniciei a imaginar como será este dia em que eu não existo.

Para começar vou fazer jejum porque comer dá trabalho e sempre me perco entre panelas e deste jeito a cozinha encontrou a minha falta e do meu arremedo de cheff. A história de pular direto da cama para cima da bike e pedalar alucinadamente contra o vento, o frio e a maresia fica sendo uma hipótese totalmente afastada. Optarei, sim, por pular da cama e chegar à beirinha da praia, de pés descalços e pijamas para fotografar o sempre inédito nascer do dia.

Depois disto também achei que não devia chegar perto de eletroeletrônicos nem com os olhos, nem com as mãos e assim me ausentei da vida que hoje se traveste como sendo ela através da parafernália. Percebi que não tinha mais para onde ir neste estado e foi ai que eu tive a lembrança de me tornar uma sombra, que vagaria por entre tantos, surripiando conversas, sendo abelhuda, pairaria em meio às multidões tão translúcida como eu estava me imaginando. Passei em frente ao espelho para ver se eu havia voltado e lá estava minha sombra em nova silhueta. 

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Reflexo


Peguei a banda debaixo para não atrapalhar a vista uma vez que as ruas estão tomadas pelo inverno e tudo por ali fica diferente. Meu foco são as pessoas que transitam pelas calçadas e para mim, cada uma delas está contando a sua estória. Começo o Raio X pela vestimenta num geral, passo para a cabeça, cabelos e sapatos, mas sempre me vejo curiosa em seus rostos. Quero saber o que estão sentindo, pensando, querendo.

Mirei no vai e vem em frente ao banco mais popular e não me surpreendi ao identificar pernas mais enfraquecidas, olhar mais desbotado, uma completa lerdeza nos movimentos que denuncia a parte da população que pendurou as chuteiras da vida, que vestiu o pijama e a janela para a rua é sua distração. Alguns escutam radio, outros leem o jornal o dia inteiro. O mesmo jornal.

As vestes denunciam a falta de vontade de quase tudo, os movimentos parecem estar tracionados para que não falte energia para dizer o mínimo. O totem tecnológico para a retirada dos proventos já não é mais tão assustador, porém os dedos que já não são ágeis se enganam, cancelam o que era para corrigir, apagam o que diz para continuar. A luta é quase inglória, mas no fim a criatura recolhe as meias patacas e se arrasta para a porta, que além de pesada muitas vezes é largada de qualquer jeito e haja destreza para segurar. Enfim, na rua. Se houver companhia na casa será possível ter um assunto. Se não houver, capitulo encerrado.

O que me atrai em todos os rostos, de ricos e pobres, de farrapos aos nem tanto e alguns nenhum, é imaginar ou perfazer um traço a partir da transparência que todo ser humano tem ao desvelar o que lhe vai por dentro. A vida passada está fotografada nas rugas, linhas e sinais de nascença que se tornam pontos tão destacados que confunde vislumbrar a cara completa. Emaranhando isto tudo, se forma o mapa da alma cogitada. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Desvio


Via-se com clareza que o volume de informação já havia se esgotado, que a pá absurda e cheia não possuía mais força para buscar no fundo o que ninguém mais se importava. As formas da cangalha se amontoavam ladeando aquele caminho que ninguém mais queria trilhar, ora porque estava cansado das repetições, ora porque nem enxergava o que lhe vinha pela frente, ou pior ainda, nem se importava.

Desmerecia-se o argumento dando como regra que a relevância não prescinde de apoios, que ninguém espera o movimento que contraria muitos, que não viceja em solo fértil tais fatos que de tão contraditórios se extinguem por si só.

Recapados de valor a assertividade enfrenta os obstáculos de sempre, dia após dia, se mesclando com todas as iniciativas não tão ferrenhas, não tão aptas a serem verdadeiras. A presença de tantos pormenores confundem as estórias sem alma, sem sotaque, sem pele e ossos, eternizando todas as  alternâncias, as duvidas, as dividas com Deus, os descalabros da vida.

E de tão pouco ser, esvai-se a intenção, retira-se do quórum a pauta, amealha-se desta feita a falta de tudo, dá-se um jeito de relevar, de desfazer, de afundar a questão. E assim, desfeitos os nós, afigura-se a simples presença do ser em si. Todos os argumentos estão desencapados de valor, as oportunidades nem percebidas são, o esforço passou por um desconhecimento de alvo e assim se fez o vazio e este vácuo dá a chance de treinar um desvio.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Portraits


A contemplação desta manhã nevoenta tem como protagonista a maresia que embaçou meus olhos, e mesmo assim resolvi agradecer porque de tanto buscar um olhar nítido me sinto cansada pela invasão do que não desejo enxergar. Melhor acomodar minha vista e me valer desta temporária lente distorcida que por momentos vai disfarçar a vida em uma grande angular que não se mostra a olho nu.

Posso aproveitar esta falta de foco de hoje para deixar de lado formalidades, empurrar para debaixo do tapete poeiras que insistem em se jogar por todo canto mesmo que eu dê um fim a elas criteriosamente. Também vou colocar embaixo do travesseiro meus episódios de terror noturno para que façam companhia aos ácaros, porque, certamente se merecem. Ando achando que seria de muito bom tom ignorar uns e outros que tem os olhos bem abertos para espiar as vidas sem enxergar seu próprio território que carece de manutenção.

E assim vou ao encontro de tudo o que não está em minha frente e com esta visão comprometida posso enxergar o que me der na telha começando por eliminar o que de nada me adianta, o que me esvazia por dentro, o que me deixa sem ação, o que me mostra que selecionar faz parte da vida e que a premissa de hoje é pintar com outras tintas o que se apresenta. Borradas com certeza, mas com a chance de se ter tudo em outro prisma.

E deste jeito, assim amanhecido, direcionei meu foco para assuntos que se estabeleceram diante de mim como de somenos importância, e que eu, na corrida, não lhes dei valor intrínseco. Com certa surpresa me deparei com conversas que somadas todas as letras não valeram o esforço do pulmão em se aprontar na resposta.


Do mesmo jeito, todo o esforço em dar serventia a determinados episódios se mostraram em vão, simplesmente provando que um olhar fora de foco descobre o que fatos falsamente translúcidos não evidenciam no momento em que acontecem, porque a vida é feita de lindos “portraits” que nos alcançam todo dia para montar o álbum que o entorno escreveu para nós.

domingo, 6 de novembro de 2016

Zunindo


Nem bem despertou o dia, nem o sol se agigantou no horizonte marítimo quando o soberano dos pampas, o nordestão, passou zunindo na minha janela e dali não saiu mais, inútil pedir para falar baixinho porque eu quero dormir um pouco mais, desnecessário soldar portas e janelas para deixa-lo de fora. De jeito nenhum, ele vasculha cada canto ou fresta e vai passando assim sorridente, fazendo mil estripulias pela casa toda, que ora se fecha e se morre de calor, ora se abre e tudo voa.  

A paisagem, as ruas e a natureza estão todas nas mãos do vento e a beira do mar é onde ele mais se diverte. Primeiro, arribando todas as ondas que sempre tão poderosas e donas de si se enfarpelam e passam o dia se desencontrando, batendo nos cascos de navios errados, esvaziando as redes de pesca, revirando o mar trazendo à tona o entulho insuspeito, enfunando as velas ao contrário, trazendo certo caos à rotina da beira da praia tão cheia de suspiros e desejos. Estes, os mais variados.

A traquinagem não para por aí, porque antes do airoso chegar já se espalhava pela praia tantos guarda-sóis quanto coubessem no estreito, tantas cangas jogadas pelo chão além da impagável cuia de chimarrão recém-feito com erva caprichada e bem fininha bordeando os beiços. Todo o aparato do domingo de sol se desfaz nas mãos da natureza que hoje resolveu radicalizar e tornar os cornos de todos com menos arroubo para um dia de sol.

Os guarda-sóis são os primeiros a se digladiar com ele, tentando manter a dignidade e se estabelecer como aparador do sol de seus donos, mas tudo em vão, são arrastados para todo canto se ferindo ao quebrar seus aros, rasgando suas vestes criadas com os mais esdrúxulos temas da moda.

Não somente eles entram na brincadeira do voa-voa, porque seguindo no propósito de vergastar o que lhe vem pela frente, descabela as melenas das moçoilas, arranca o chapéu dos mais prevenidos, esburaca o chimarrão acrescentando a areia como se fosse chá na bebida preferida das imensas turmas que se acotovelam para curtir um dia, um dia!!!! de praia. Como uma cartada final, a ventania evolui em redemoinhos enchendo de areia os olhos dos que se deliciam em apreciar tantos corpos que circulam seminus. 

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Fim do mundo


Fim do mundo é o melhor lugar para se estar uma vez que se encontra sempre no fim da fila das opções, que podem ter sido muitas para uns e para outros nem tanto. Um lugar fincado no chão com uma fundação tão bem feita que nenhum furacão consegue retirar fiapo de madeira dali e assim vai passando o tempo, as estruturas se consolidando com um ar de segurança tão premente como a força da gravidade.

Muitas passagens repletas de conteúdo relevante que direcionam a energia para o mundo vibrante que se apresenta, sempre novo em folha. Parece uma situação de musical com violino perfeito que vem a todo o momento lembrar que no diapasão, cordas esturricadas é que dão o tom adequado.

Passeando sem rumo vamos dando de cara com muitas escolhas se apresentando e talvez um pouco por acaso e sorte ou por ansiedade de serem assertivas as opções vão sendo feitas a toque de caixa, porque é a melhor hora de se fazer, porque tem que aproveitar a oportunidade, porque não vejo outro caminho ou porque simplesmente não há tempo para pensar.

De novo o obrigatório pede uma dança, e aquele salão parecia mesmo refulgente, uníssono e por demais glamoroso e para quem pedisse passagem à senha era serventia da casa na entrada, não havendo nenhuma chance ou hipótese de se voltar atrás. Parece então que deste jeito a coisa anda, no cabresto e no arresto, sempre no sentido da mão, colocando um pé atrás do outro para não desequilibrar e desta feita se configura mais um local.

E então, quando menos se espera, o Fim do Mundo vem dar o ar da sua graça com jeito de quem não vai embora. Para reconhecer sua chegada é bom afinar o ouvido, apurar o olfato, lavar os olhos e buscar aquele sorriso antigo em algum lugar. Nesta banda não há urgência de nada porque tudo acontece no tempo divino, da essência recuperada, do assombro de se ver como se achava que se era, de descobrir todo dia um pedaço de si esquecido, porém agora juntado.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...