domingo, 24 de janeiro de 2010

Natureza


Ele sempre surge dentre o verde. Parece que nasceu por ali, que forjou sua vida entre o sol, a chuva, flores e folhas, tendo-as em sua composição. O ambiente natural lhe cai muito bem porque é desta simplicidade da natureza que sua alma foi feita.

Passo acelerado, cabeça baixa, pensamentos cerrados no que está por vir em seguida. Sempre tem vento a balançar seus cabelos brancos e a brisa forte também o faz franzir o nariz, característica tão peculiar desde sempre em sua feição. Os olhos vão ao longe e voltam ao chão, na espreita ansiosa.

Na boca, um esgar nervoso. E na mente uma interlocução adoidada de si para si, falta-lhe o ar e sufoca-lhe a garganta.

Na fantasia, a emoção de mais um encontro em que muitas e tantas palavras serão ditas e tantos pensamentos saltearão. Ele sabe, porém, que após dizê-las nem em mil anos serão todas faladas. E compreendidas.

No atropelo, tenta pensar direito no que lhe vai no coração volteando argumentos e revelações que transbordam atrapalhadas, desconexas, e em meio a tanto esforço recomeça a pensação. É preciso chegar logo. O resgate desta loucura está próximo e a redenção virá.

As passadas são curtas e rápidas com olhar focado no caminho.

Levanta os olhos ao chegar.

E então, a mente relaxa, o sangue começa a fluir normalmente, o coração se acalma, as mãos param de tremer.

Sorrindo, ele a abraça.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Cartas para minha neta


Desde bem pequena eu tinha meu canto de estudos, de leitura e de escuta.

Ouvia os sons da casa, variados em lamentos e ordens, em tic-tac de tesouras podando sei lá o quê no jardim e mais a algazarra da natureza. Dava para sentir os "bichos cabeludos" ondularem pela grama quando era época de se aventurarem por ali. Coitados, seifados em seguida pelas mãos exímias de nosso jardineiro.

Também havia a música doce da voz da minha avó me chamando para café da tarde. De frente para minha janela de delírios, ela me aparecia com seus cabelos azuis. Eu também irei tê-los, um dia.

A presença dela nas minhas tardes em meio a número e letras e uma solidão voluntária, soava como o sinal do horário da Rádio Guaíba – que não existe mais, infelizmente: pontual. Ansiada pelo chamado e folga nos alfarrábios, voava para a casa dela invadindo a cozinha decorada em quadriculado branco e azul. Eu não lembro de falar nada..só de sentir os cheiros de leite quente com café – eu já adorava café preto, mais as torradas com margarina derretida. Minha avó era moderna, pois apesar de ser Presidente de uma fábrica de banha, dizia que a margarina fazia bem à saúde. No mais, ficava por ali ouvindo aquele diálogo caseiro e gentil que me encantava. Pra variar, eu não dizia nada. Só experimentava gostos e sons.

Não tenho, infelizmente, esta proximidade com minha neta que mora longe, e que, às vezes, ao estar aqui por perto não dá tempo de lhe oferecer arroz com ovo que ambas adoramos, dormir juntas, ler gibis e alguns livros e conversar conversas de criança e avó.

Mas a vida anda e graças a Deus ela já está familiarizada desde muito, com a escrita e leituras, então, desta vez prometi escrever cartas em papéis coloridos, letras desenhadas com emoção e conteúdo de amor, certamente.

Ela sorriu um riso azul que lhe é tão peculiar.

Eu vou escrever para ela, que estou aqui, cravando letra por letra e imaginando o quanto ela poderá entender da minha escrita. Talvez pouco ou nada. Talvez tudo.

Vou contar que fui ao mar, e minhas passadas foram recebidas pelas tatuíras que sobem e descem por entre meus dedos, lépidas, talvez medrosas, ou quem sabe, divertidas. Afinal aqui é o sul, e só faz calor poucos dias do ano. As tatuíras se divertem com os humanos, quando eles não estão a caçá-las para tê-las como isca.

Vou dizer que as ondas me trouxeram os peixes “pampinhas” tão ágeis e felizes que praticamente voam nas ondas e na espuma.

O relato seguirá na perseguição dos sons de sapos coaxando tendo ao fundo os gritos dos Quero-Queros e as marcas dos caracóis nas calçadas refletindo a luz da lua.

Nas falas escritas direi que todo dia vejo um gatinho muito lindo saltitando nos canteiros floridos perseguindo os pássaros, que as borboletas coloridas correm por entre as flores e que pequenas joaninhas desfilam suas cores delicadas nas capas dos meus livros e jornais deixados no chão, enquanto fico ao sol.

E assim escreverei histórias reais e inventadas, para chegar bem perto da minha neta.

O carteiro será nosso cúmplice.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Não importa


Não importa que o sol não tenha aparecido para alegrar e iluminar todas as coisas. A falta dele te coloca na perspectiva do preto e branco e da sombra, quando enxergamos tudo diferente. Igual a nossa rotina em fotos, muitas “estouradas”, outras em sofisticada e pálida nuance avisando que nossa passagem pode ser do jeito que quisermos. Basta ter o olhar certo.

Não importa a partida se a chegada encheu teu coração de alegria e iluminou, mesmo que por tão pouco tempo,e, muitas vezes falsamente, teus dias. A chegada sempre trás ilusões que te faz muito feliz. Esta felicidade não se esvai mesmo que a ausência te deixe com o coração aos pedaços. Afinal, presenças, muitas vezes, são apenas ilusões fraternas e de amor. A realidade se consolida no momento da partida.

Não importa a ofensa recebida numa hora incerta, em que estavas distraída para reagir. A fraqueza está em todos nós mas o insulto é inerente aos covardes. Então, não te deixes ofender por quem não tem o privilégio de privar da tua companhia.

Não importa se aquele amor veio para te trazer um sentido na vida. Ninguém nos dá sentido a nada. Não permitas a invasão ilusória.

Não importa se você não está preparado para um novo amor. O encontro casual poderá encher de graça os dias sombrios, iluminar teus olhos de graça, suavizar dias trabalhosos, clarear a alma e acalmar o sofrimento.

Na memória recente, aquele encontro no mar.

Arrivals


É sempre a mesma coisa ao chegar. O ar, denso, pesado de sal e maresia parecem querer te avisar que é chegada a hora do tempo bom. É o momento para dar asas à imaginação, deixar rolar a vida e docemente esquecer tudo.

Tudo mesmo. O bom e o ruim, porque com a mente vazia, enxergamos o que está na nossa frente. As cores diferentes da paisagem, o desconhecido a desfilar insistentemente te provocando como a te avisar que agora vai. Vai andar o tempo certo das coisas. A cadência e o calor são teus sócios na empreitada.

Assim é a chegada diante do mar. Inquieto na espera de lamber todos os pés e molhar todos os corpos. Ardentes ou não. Cansados ou cheios de energia.

A combinação do ar e do clima são drogas pra lá de sedutoras para deixar qualquer um feliz no encontro de si e da natureza. E por dentro de nós não encontramos nada, somente o vazio da chegada e a espera de surpresas.

Afinal, recomeçar exige preparação e abandono do antigo.

As coisas podem acontecer a partir de um dia de sol, ou de chuva, pois todo dia de folga é dia de celebrar.

Talvez alguma conversa sem a menor importância e sentido bafeje teu silêncio voluntário, contaminando as idéias que estão sensatamente a descansar.

As palavras adormecem no regaço do cérebro porque o paraíso solicita.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sinal de fumaça


Reunir-se em muitos, às vezes, é surreal porque a situação pode trazer em seu bojo armadilhas da linguagem e da atitude que parecem impossíveis de acontecer. Mas acontecem. Bagagens reunidas no absurdo geram interlocução nem sempre claras.

Tudo pode acontecer no paralelo da comunicação de quem não tem coragem de enfrentar a realidade e vai se esquivando dos adventos e arrancadas das nossas relações fraternas e de amor.

A palavra em alta voz fere como dardos se assim o quisermos. E calam tão fundo que jamais vamos esquecer da “imagem” falada. Da palavra dita por acaso com toda intenção de ofender, com todo cuidado de bafejar a falta de educação espalhando a maledicência.

A palavra, sublime, tem dois lados. Famigerado o que as utiliza para o sinistro.

A palavra escrita fere a fogo quem dela não souber se servir. No conjunto então...Ai meu Deus. Nos diálogos a compreensão não é prova concreta de entendimento comum. Cada um entende os fonemas de uma forma e a expectativa da grafia é maravilhosa por tantos estilos e formas de expressão existentes. Despejar a ira ou o amor em frases alonga teu prazer ou tua fúria. Relatar a realidade – sonho e fantasia - é uma arapuca que quase todos nos metemos.

Praticamente todos os dias.

A palavra não vista quase sempre abriga a mágoa, e, o destino da mesma, é ferir o outro. Parecer supérflua e vacilante, levemente indiferente, a atitude se consolida através da rejeição programada milimetricamente. Tão definitivas e inaudíveis que põe em choque a quem se referem. Quase sempre conquistam seu objetivo que é demonstrar desprezo.

Mas, preste atenção: ninguém destrói quem tem sensibilidade para perceber, esquecer e perdoar.

De repente, fico pensando que em tantas palavras, fiquei eu com saudade do tempo que não vivi: “o sinal de fumaça” dos índios...

Chamativo, silencioso, atencioso, objetivo e muito esclarecedor!

Socorro sem palavras!!!!

domingo, 3 de janeiro de 2010

Enganos


Pela enésima vez fui ao chão.

Mesmo sabendo que olhar para baixo não é o caminho, aquele deslize acontece.
Eu sei há muito tempo, que não é por ali que devo ir, mas o caminho surge convidativo e com bons augúrios.

Como podemos nos enganar sempre é uma incógnita porque se soubéssemos a verdade sobre todas as calçadas, não as quereríamos trilhar.

É garantido que chegaremos a algum lugar mesmo quando nos distraímos de nós mesmos e não enxergamos a emboscada.

Nossas leis mais íntimas às vezes ficam fora de ordem e a consciência não encontra a melhor solução. O carrasco vai à forra porque é da sua natureza torturar.

E o tropeço vem.

O susto do imprevisto nos faz pensar que talvez estejamos do lado errado e vamos pensando que...

O problema foi a mão estendida fora de hora.

O sorriso ao invés do olhar duro.

Ficar ao invés de ir embora.

Aceitar na hora de rejeitar.

Abandonar quando a companhia não lhe convém.

Passar a mão na cabeça ao invés de estapear.

Paralisar na hora da ofensa.

Enfim, não há correção de rumos.

Há mudança de comportamento.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...