domingo, 19 de julho de 2009

Ahhhh..maluquices ciclísticas



Sou ciclista e fundista, isto é, esportista amadora que faz longas distâncias. Em minhas andanças pela Porto Alegre Rural, tenho muito tempo pra pensar, muita paisagem para adentrar e muita idéia maluca pra trocar com alguém, ou simplesmente para tê-las como fonte, pra qualquer coisa, até pra escrever.

Depois de horas em estradinha de chão batido, o clima bucólico da paisagem começa a me deixar leve – na realidade mais do que eu gostaria – risonha, sem grandes motivos, neurônios esvoaçantes e o corpo todo se movimentando não deixando nem um feixe de músculo de fora dessa dor, morro acima e abaixo.

O movimento rural tem um tempo de contar horas muito próprio e as feições circulantes, parecem todas iguais, de uma tal masmorrice que é de assombrar. A conversa dos peões é tão arrastada que se confunde com o zumbido de muitos insetos da mata. O ritmo e a energia que ali pulsa com certeza é 220 wolts.

O filmezinho não pára e as pernas obedecem a cadência do esforço dobrado em meio a buracos, areias e pedras. Velhos Chevetes inacreditáveis, ao passar, levantam leve poeira que me envolve em fina camada vermelha, brilhando ao sol de inverno que me olha de esguelha.

As rodas da bike com seu ruído característico, chiam, reclamam e rebolam na terra fôfa, mas vão em frente. Meus pensamentos, bom, meus pensamentos não existem mais. Apenas delírios envolvidos na endorfina, arquitetando sonhos entre as taperas bem formadas do caminho, e outras, nem tanto.

Me dou conta, afinal, que não sei onde vai dar esta estrada. Entrei nela sem querer, pensando em aventurar, em mudar a rotina. As taperas abandonadas cobertas de hera, com seus telhados cheios de brotos de coloridas flores silvestres se confundem com o campo de tanto tempo que ali estão. Acho que a parada no tempo as fez se enterrarem ali para viver.

É um convite.

sábado, 18 de julho de 2009

O telefonema


O celular não é mais um produto eletrônico. Ele é uma das nossas – muitas – entranhas. Ele faz parte do nosso cérebro, ousaria dizer. Está tão incluso nas masmorras da nossa mente que, inclusive, faz parte das nossas falas diárias sem que a gente perceba. Ao atender uma ligação quase, quase sempre, ocorre uma conversa inusitada que para explicar só mesmo um neurocientista, do futuro, é claro.

A mais célebre e surreal conversa é sempre da esposa ligando pro marido. Já presenciei várias delas e é de tirar o fôlego!!!!!!! Confiram a fala do marido, porque a da esposa..ahhhhhhhhhhhhhh, esta nem vou imaginar!

MARIDO atende o celular!
- Oi
- Hã?
- E aí?
- Porquê?
- Quando?
- Ta...

Bum! Se foi a ligação...Podem acreditar?

Aí, euzinha, coitada, inerte do lado do esposo da outra que acaba de encerrar uma conversa. Nossa, penso, à um esposo tem que se ter muita consideração, pois é artigo raro. Para quem gosta de raridades.

E como pensadora fico trocando orelha sobre este diálogo que durou 30 segundos e que pelo que me parece é de grande importância. Acho que é de supremo valor porque a mulher é quem manda. Manda ver do outro lado do neurôno capilar, chamado celular, e chama à chincha o esposo/amado para quaisquer perdições de compromissos e agenda familiar. Não tem porem.

E, por pior que possa parecer os telefonemas se sucedem quase que indefinidamente, num–oi? –hã?-mas porquê?– báh-to trabalhando – hummm-ta......

E o semblante do coitado se aperta, se esvai pro outro lado, tentando voltar o raciocínio ao agora e se desvincular da máquina eletrônica implantada em seu cérebro e na sua vida.

Eu, incansável na pesquisa das novas formas de comunicação via ar/atmosfera/sei lá, fico me perguntando onde esta senhora esposa estará locada. Talvez em casa, na cozinha pós-moderna ou em seu escritório residencial com aparatos eletrônicos dignos de inveja a qualquer home-office. Ou, certamente no escritório da empresa, não menos singular, de onde consegue monitorar as ondas de sua família e de seu trabalho.

Ondas da internet, nosso amigo e inimigo com certeza

O contido

Pessoas contidas, são uma graça. Mesmo na farra não perdem a empáfia ao restringir-se em demonstrar seus sentimentos.

O contido tem passos leves e diáfanos e ao ingressarem em um ambiente o fazem quase de costas, tentando confundir os outros e deixar em dúvida sua presença. O riso é sempre de canto, irônico ainda por cima. O tom de voz é baixo, quase sussurrado, eu diria inaudível, porém, sempre se fazem ouvir. São tão charmosos que todos estão sempre atentos à sua fala. Seu grunhido.

Inteligentes, com olhar biônico atravessam o corpo e a alma do interlocutor. A presença é leve e marcante. Consegue atrair a atenção sem falar. Apenas olhando. Sedutores, porém tímidos. Seu olhar nunca é direto, vaga no entorno aumentando seu mistério, funcionando como um ímã atraindo personalidades. Este é o charme ou a desgraça porque poderá suscitar reações que o engrandecerão e deixarão você em maus lençóis. Melhor não se meter. Melhor ir com cuidado.

Os contidos são o pecado das almas desavisadas que piram tentando chamar a atenção de um tipóide destes. Imaginar que o dito cujo se envolverá nas tuas falas é desconsiderar o poder do calado.

Eu penso que o contido se diverte muito só analisando, escutando e rindo pra dentro. Ele vive como se fosse uma caixa de pandora que só é aberta no seu mais recôndito esconderijo. Sua alma.

Alma branca e transparente, mais ou menos como ele gostaria de ser. Mas não consegue.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Consultores...ahhh...consultores !




Profissionais consultores metem medo. Já vou enfrentando a figura olhando de lado, porque, podes ter certeza, olhos de lince e língua afiada não vão faltar.

Para enfrentar um cara desses, melhor ir de sangue doce e certa de todos os gestos e palavras e nem pensar em duvidar de si ou gaguejar.

Se estás na informalidade de uma conversa somente ou na alegria de um grupo, é bom pegar lápis e papel porque há de vir sutis dicas de como se deve fazer. O certo, obviamente.

É difícil imaginar que uma pessoa pode em qualquer palavra trocada acertar em cheio teus erros, ou, se não são erros, vai mostrar certamente como é melhor fazer. Nunca estamos certos frente ao consultor. Olhar que se apequena e esmiúça tua alma mansamente descobrindo teus segredos. Um riso solto no final, para fazer de conta que não te percebeu. Ou que não percebeste.

E uma após outra rolam palavras de como se deve fazer o bolo da vida, da profissão e das finanças e isso tudo viram letrinhas embaralhadas que te enchem as mãos! Nem ao pensamento chegaram ainda... Como agora junto tudo isso? E as minhas letrinhas?? Saíram da cabeça e caíram de sola na mente do consultor que ávido, analisa, afrouxa a gravata, respira fundo, sorri amarelo esticado e te devolve em letras garrafais, o tamanho da tua falta de noção...

E aí, acontece o inesperado. Ficamos refém do consultor que parece saber tudo mesmo. Aliás, fica ciente da tua vida que sem querer vais soltando, porque afinal a pessoa é do agrado. Se não, não seria consultor.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

A graça da morte

Meu avô João Pedro morreu dormindo. Velho, ainda forte, viveu o domingo como todo mundo fala que é pra viver: como se fosse o último.

Eu, zanzinava na balbúrdia de choros e lamentações, pensando nesta morte serena e percebi em mim mesma um suave sorriso..de inveja. Tem graça maior ??? O corpo cessa de produzir seus fluídos e o leve arfar do velho já não existe.

Pensei no dia do meu avô, com a rotina domingueira cumprida à risca, chinelos arrastando e seu pensamento voando nas senilidades habituais.

A casa toda, agora me lembro, parecia obedecer um ritmo diferente, com leve cadência de quem tem toda vida pela frente e não precisa se apressar. Eu acho que minha avó Araci pressentiu, porque com um olhar e risinho de canto, sorria e abanava a cabeça ao observá-lo com curiosidade, neste dia.

Tão acostumada em lhe seguir os passos, foi velar o sono do meu avô, por um instante, e sentiu, mais do que percebeu, que ele não respirava. A sua tez, morena, forte, sem rugas, estava desanuviada de qualquer de pensamento. A boca, descansava frouxa, um pouco entreaberta. Suas mãos, outrora fortes e vigorosas, restavam murchas, ao longo do corpo. A respiração se fora, a vida abandonava a matéria, mansamente.

Delicada, sorrindo um pouco, meneou a cabeça bem junto do morto e disse: velho safado.

Talco sempre lembra criança ou velho

O talco já foi vedete de perfumaria anos atrás, com direito a muitos rótulos suaves, em embalagens cilíndricas de latão que vendiam pele macia e aveludada se usássemos o produto. Fragrância de orquídeas, de rosas e alfazema, um luxo. E o talco do nenê, com perfume tão característico que até hoje se diz: “tem cheiro de bebê”..Veio daí, do talco.

As partículas diáfanas se misturavam com o vapor do chuveiro quente e os bebês saiam envoltos em suas fraldas de tecido cheias de bichinhos e as vovós com seus vestidinhos floridos de verão. O talco iluminava a pele de velhos e jovens. Sem distinção e sem vergonha.

Nem sei bem porque o talco ficou fora de moda. E foi para uma moda nada bacana, por exemplo, para evitar frieiras. Pó Pelotense..quem não conhece??

De qualquer forma a fama do produto caiu e eu fico pensando que pode ser porque o clima está virado, nossas peles se ressecam com tudo, com o vento, com a chuva, com o frio, com o calor, com o suor em demasia! Enfim, as intempéries do mundo moderno acabaram com a magia de se polvilhar os corpos maduros ou tenros com talco.

E veio a era do creme, sepultando para sempre, no meu entender, o Talco.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...