domingo, 29 de julho de 2012

Cartas para minha neta


Desde bem pequena eu tinha meu canto de estudos, de leitura e de escuta.

Escutava os sons da casa, variados em lamentos e ordens, em tic-tac de tesouras podando sei lá o quê no jardim e mais a algazarra da natureza. Dava para ouvir os bichos cabeludos se ondulando pela grama quando era  época de se aventurarem  por ali. Coitados, seifados em seguida pelas mãos exímias de nosso jardineiro.

Também havia a música doce da voz da minha avó me chamando para café da tarde. De frente para minha janela de delírios, ela me aparecia com seus cabelos azuis. Eu também irei tê-los, um dia. A presença dela nas minhas tardes em meio a número e letras  e uma solidão voluntária, soava como o sinal do horário da Rádio Guaíba – que não existe mais, infelizmente: pontual. Ansiada pelo chamado e folga nas letras, voava para a casa dela adentrando a cozinha decorada em quadriculado branco e azul. Eu não lembro de falar nada..só de sentir os cheiros de leite quente com café – eu já adorava café preto, mais as torradas com margarina derretida. Minha avó era moderna, pois apesar de ser Presidente de uma fábrica de banha, dizia que a margarina fazia bem à saúde.  No mais, ficava por ali ouvindo aquele diálogo caseiro e gentil que me encantava. Pra variar, eu não dizia nada. Só sentia.

Não tenho, infelizmente, esta proximidade com minha neta que mora longe, e, que,  às vezes, ao estar aqui por perto não dá tempo de  lhe oferecer arroz com ovo que ambas adoramos, dormir juntas, ler gibis e alguns livros e conversar conversas de criança e avó.

Mas a vida anda e graças a Deus ela já está familiarizada desde muito, com a escrita e leituras, então, desta vez prometi escrever cartas em papéis coloridos, letras desenhadas com emoção e conteúdo de amor, certamente. Ela sorriu um riso azul que lhe é tão peculiar.


Eu vou escrever para ela, que estou aqui, cravando letra por letra e imaginando o quanto ela poderá entender da minha escrita. Talvez pouco ou nada. Talvez tudo.

Vou contar que fui ao mar, e minhas passadas foram recebidas pelas tatuíras que sobem e descem por entre meus dedos, lépidas, talvez medrosas, ou quem sabe, divertidas. Afinal aqui é o sul, e só faz calor poucos dias do ano. As tatuíras se divertem com os humanos, quando eles não estão a caçá-las para tê-las como isca.

Vou dizer que as ondas me trouxeram os peixes “pampinhas” tão ágeis e felizes que praticamente voam nas ondas e na espuma.

O relato seguirá na perseguição dos sons de sapos coaxando tendo ao fundo os gritos dos Quero-Queros e as marcas dos caracóis nas calçadas refletindo a luz da lua.

Nas falas escritas direi que todo dia vejo um gatinho muito lindo saltitando nos canteiros floridos perseguindo os pássaros, que as borboletas coloridas correm por entre as flores e que pequenas joaninhas desfilam suas cores delicadas nas capas dos meus livros e jornais deixados no chão, enquanto fico ao sol.

E assim escreverei histórias reais e inventadas, para chegar bem perto da minha neta.

O carteiro será nosso cúmplice.

domingo, 22 de julho de 2012

Distração

Andar distraída, sempre olhando alhures, enxergando o que não existe ou elocubrando pensamentos muitas vezes distorcidos da realidade, mais porque não se tem como perguntar do que de fato se é assim mesmo, vez ou outra.

E vai daí que ser presa fácil é quase imperativo, mesmo sendo conseqüência da desatenção. Falta de enxergar melhor, de abrir os olhos, de tirar da visão aquela pasmaceira insensata que deixa o olhar parado e a boca aberta, parecendo que realmente não estás ali.

E é no contrapé que vão te acertar. Como se andasses sempre em frente sem olhar para trás, cuidando da vida agora e dela ali um pouco adiante, mas não muito, é que a surpresa te pega.

Bem feito.

E entra em campo a valorosa turminha dos sem noção composta por todos aqueles que não sabem em que lugar do seu grande armário está guardada a  elegância de gestos e palavras. No gavetão de roupas de inverno se encontram enroladas as discussões pró-ativas e no fundão, bem escondida, a falta de humanidade. Na caixa de sapatos, aquela botina velha que anda pisando em caminhos não autorizados. De dentro da porcelana antiga, muito bem acondicionada no velho guarda-louças saltam as expressões contrárias e  as referências sem sentido, manchando a tradição e traindo o bom gosto.

Está na hora de pegar aquela armadura que por um momento apenas, ficou no esquecimento.
Não dá para cochilar!

sábado, 7 de julho de 2012

A Bangu



Cabeceando atordoada, resolvi que não seria essa a hora de me deixar ficar para trás e fosse o que fosse eu me sairia bem. Lembrei do clima que ora nos presenteia ora nos açoita, ficando a sensação de impotência como uma leve bruma enlaçando nossos pensamentos, nos amarrando em camisa de força   e afundando nosso dia a dia na desesperança.

Me iludi com as conversas triviais, os sorrisos e os abanos alegres de quase todo dia. Me enganei com a atenção que me foi dada para qualquer assunto e sempre prestigiada acabei me achando uma pessoa legal.

Ser para o outro. Um perigo, uma vez que julgamos ser o que o outro pensa de nós.

Intrincada neste cabedal fui levantada num pontapé que me serviu para ficar mais atenta. Me deu a luz na cabeça que era bem feito porque abri a minha guarda. Esta, que sempre me acompanha e com vagar vai me ladeando para não atravessar as fronteiras.

Não faz meu feitio ficar a Bangu.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...