sábado, 28 de novembro de 2020

O grupo


 Surgiu como tantas outras coisas que aparecem neste mundão sem esquina causando certa surpresa para quem, como eu, esvaziei o alforje de coisas e loisas indo embora sem olhar para trás deixando mais ou menos de tudo um pouco para os que ficaram. De certo que a ausência provocou um vácuo que jamais será preenchido se não houver um olhar acurado do ficante e deste jeito bem humano as lembranças vão se apagando e fugindo do dia a dia, até desaparecerem por completo e já não se existe mais para o outro. 

Com estes sinais que de imediato percebi chegando até mim, dei de ombros e me fui porta afora ocupar o meu vazio voluntário sem expectativas que me aborrecessem e me deixassem refém de algo ou de alguém ou até da galera circundante. Dei um basta e encerrei. 

Deste modo, alegre e descompromissado, passei a fazer parte do mundo das telas múltiplas que me perseguem pela casa enchendo-a de som e imagem apesar de eu haver determinado parcimônia de assistência porque não quero ser subtraída pelo fugaz de estar ali dia sim e outro também. Precisava me cercar de presenças de valor e por este motivo resolvi não me vender para qualquer reclame fantasiado. 

E assim dei-me de cara com o dito cujo cidadão do mundo e alquimista de mesa farta ou pobre abrindo uma porta e chamando alguns para entrar. Lembro que não entrei e sim me joguei sala adentro olhando para os lados e me dando conta que era ali mesmo, neste espaço virtual que eu encontraria as falas que eu procurava mesmo sem saber, as risadas escassas nestes tempos bicudos, as historias bem contadas, as realidades singelas, as opiniões semelhantes, o humor diário, as diversas idades e, mais do que tudo, entregar-se com simplicidade ao desconhecido da face mas não das convicções.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

70 anos

70 anos é uma marca, mas não pensei bem o que fazer com este numero que se apresentou a mim com tanta pompa e circunstância hoje, ao abrir os olhos. Refletindo um pouco mais percebi que agora ele a mim pertence e não é mais um futuro, ele se consagra como de minha propriedade e deste modo eu usarei sua estética e seu valor intrínseco – como a idade – para o meu deleite e serventia. 

Ao encarar este numero de frente achei que a boniteza lhe antecedia o passo se mostrando com clareza, design limpo, bem construído e assim me veio a saudade por todos os motivos da juventude, da casa e seus jardins, dos amigos e primos, das musicas, meu amor pela natureza e o silêncio e ouso, também, salientar sem reserva que existia em mim uma determinada simplicidade sobre tudo. O tornar-se moça demorou muito a chegar e a fase de brincar de boneca e usar carpim branco foi se esvaindo de mim lentamente e com certo pudor. 

Eu não sabia que chegaria tão longe e muito menos carregando tantas vidas em uma, o que parece libertador, porque os personagens que precisaram entrar em cena usurparam da minha essência e, em muitos casos posso lembrar-me, o roteiro, as falas e a encenação que se apresentaram não combinava muito comigo, com o tempo ou com a situação, obrigando minha alma com uma sabedoria atávica registrar como sendo apenas um ensaio. 

Os papéis foram se alternando e agora, pelo visto, me foi dada a benção de sentar e olhar para trás e deixar passar o longa metragem da minha vida, muitas vezes com a película em preto branco, outras se avermelhando  na cor de sangue  e agora me autorizando a perceber que a palheta de cores que pintou e bordou a minha existência se encontra na cor sépia, amenizando com muito carinho a realidade da lembrança. Mas agora não tem importância, meus 70 anos são da cor do mar.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A ferida

 


Ela está sempre ai, oculta, incógnita e traiçoeira sobrevivendo nos cantos da vida, nos recônditos mais escondidos os quais, no mais das vezes não conseguimos perceber pelo simples motivo de, cansados, o olhar mira o horizonte em busca da esperança na certeza de que o sol irá aparecer mesmo entre nuvens, a brisa irá soprar garantindo a respiração, medrosa e ofegante por vezes. A danada se faz de vitima porque se fosse autêntica se apresentava imediatamente ao comando de quem lhe leva nas costas para dizer a que veio.

Sorrateira, invade nosso corpo nas internas e sem alarde parecendo se sentir muito à vontade o tanto quanto possa ficar imperceptível ate o momento em que decide, por pura maldade, dar a cara à tapa e surgir plena de vigor causando estrago ferrenho porque se sabe que seu surgimento vai causar incômodo. 

Muito maldosa em sua essência domina o corpo físico e muito mais o espírito, objetivo que parece ser sua especialidade porque de certo começa por um e segue para o outro, em um jogo macabro com uma intenção de fragilizar o invisível, o etéreo, o imperceptível, o mudo do sentir. 

Muita ingenuidade da praga porque ao surgir não imagina o quão poderosas são as armas que existem com o poder de extirpar as feridas que se apresentam incontinenti. Vale uma faca afiada de um instrutor bem treinado até uma conversa no balcão da cachaça onde surge o ensejo de encerrar o estertor da praga que assola o espirito atormentado. Ferida cicatrizada

sábado, 14 de novembro de 2020

E agora

Achei uma desculpa espetacular para cumular, mais uma vez, meu desejo de desocupar os atrapalhamentos que insistem em se atravessar perante mim não aprendendo neste tempo todo que não sou de lides múltiplas, não pertenço ao coletivo nem à massa circundante. Sempre me restabeleço onde o nada consta como única alternativa e, palmilhar os caminhos abandonados são sempre a primeira opção, colocando em minha frente apenas o que pode me surpreender. 

Desdobro-me em empurrar o vazio e o silêncio imperativo para frente para que eu tenha a possibilidade de preenchê-lo com as minhas esquisitices, com as minhas práticas maniáticas, com a ausência da fala, com o cansaço do externo exposto como ferida e com mórbida alegria por brindar com uma indiferença monumental o que não merece de mim um aceno. 

Um olhar rápido vai determinar que estrada é esta que se apresenta onde o sorriso parece ter sido esquecido em alguma calçada qualquer parecendo uma alegoria ou uma brincadeira do arvoredo que entra em cena deixando voejar sem destino seus pedaços que se postam por aí como alternativa ou como deboche. 

Percebi que a ausência de um semblante completo nesta metáfora vem bem a calhar, porque me enche de esperança de fazer um novo desenho na caveira ora imposta, quem sabe com uma cor e leveza no olhar nunca visto, uma capacidade para perceber e selecionar com capricho os odores importantes e mais disciplina na seleção do ouvir tornando o inusitado dos dias em mantra.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

48 horas

Eu tenho certeza que sai por alguns instantes, não mais que isso, porém, o contador das horas diz que foi mais, a realidade afirma que foi menos e minha percepção foi de um tempo que não acabava mais, tal os sinais que eu recebia de todas as partes, do meu corpo, do meu coração, da minha respiração. O entorno não deixou por menos e se afeiou o tanto quanto pode me deixando surpresa de mim, do que via, ouvia e percebia. 

Achei por bem relevar tudo o que se apresentava uma vez que comecei a pensar que havia aportado em outro lugar e não naquele ao qual havia me dirigido. De pronto forcei o meu sorriso que sem plateia se retraiu voltando-se para dentro de mim e foi como sentir a alegria se esvaindo na distribuição de bons augúrios ao ambiente em que ia passando. Percebi que ele foi sumido por um trapo escolhido por qualquer um na clara tentativa de apagar o sol com a peneira além de surripiar o ar livre que respiro. 

O arfar me deixou com a impressão que as horas estavam se estabelecendo diante de mim como intermináveis e a vida resolveu cambiar de lado destravando a cancela do efêmero como se não se importasse com as expectativas e os sonhos que não possuem barreira na realidade sempre presente do pós-imaginário. 

Como se não houvesse amanhã se apresentou a mim as nuances do lado negro outro branco, o alegre outro triste, o doente outro sadio, o falante outro calado, um perto outro distante, um furioso outro calmo, um crente outro pessimista, um limpo outro sujo, de tal sorte, que me enredei nos pensamentos demorando um tempo para colocar a minha cabeça no rumo que me pertence, esta direção que se perdeu e se ampliou para tantos outros além de mim.

Pensei que é chegada a hora de puxar o freio, fazer uma parada estratégica,  e voltar um pouco no tempo com o coração aberto, mesmo que por ora, o arrevesado contador de minutos pareça contrário.

sábado, 7 de novembro de 2020

Vou ficar

Resolvi me aquerenciar na minha imaginação e assim subi para este lugar lúdico, com a beleza das nuvens a me rodear porque me parece premente neste momento forçar uma parada estratégica para olhar de cima, deixar o coração flutuar na vida, fechar um pouco os olhos e diminuir a contemplação ao que se procede no andar de baixo da existência, parecendo, inclusive, que momentaneamente, está situada dentro de uma zona que flutua entre o descabimento da razão e o perigo de toda a ordem. 

Desqualificadas as horas que se amontoam uma por sobre as outras como se soterrasse os fios da esperança que liga o vivente mais obtuso e simplório em seu entendimento diário ao que de mais estranho possa nos parecer por hora: o abuso da capacidade Imoral que se impregnou em uns e outros que traz no arrasto os muitos e vários que seguem estonteados na caminhada deste roteiro que leva a todos aos confins da terra. 

As chances de que haja um norte seguro, uma trilha palmilhada com pedras arredondadas que se unem para assoalhar a passagem do ingênuo, do apavorado, do velho, do novo do saudável e do doente foge aos olhos dos simples mortais que descalços de compreensão seguem perdidos de si e dos outros.


Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...