terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Mundo físico

Acordei animada, acredito que embalada por muitos sonhos bons que me deixaram de certo modo pairando fora da realidade, fora de contexto, fora da vida que por aqui não anda, mas corre no modo “fast”, passando como nuvem ligeira depois da tempestade e muito condescendente com a paisagem e o jogo de luz e sombra que busca sempre pintar o dia. Percebi que era chegada a hora de juntar o que eu havia espalhado pela casa sem saber direito onde guardar e ao começar a tarefa me dei conta que não estavam bagunçando nem atrapalhando o espaço, uma vez que não pertenciam ao mundo físico. 

Surpresa e atrapalhada, me enchei de coragem e paciência e comecei a rodar pelos cômodos e fui encontrando em cada um deles algumas considerações soltas. 

No quarto de dormir encontrei na prateleira uma pilha de livros dispostos por prioridade para serem apanhados na leitura, mas visivelmente amarelados pelo tempo e com um pó brilhante e fino a lhe conceder certa aura de mistério disposta inteligentemente pelo tempo para, talvez, me chamar à atenção. Corri e refiz o meu descaso colocando aleatoriamente nova arrumação, sem prioridade, para que o acaso me pegue de surpresa e me provoque. 

A sala me surpreendeu mais ainda porque ali enxerguei nitidamente risos antigos estacionados pelos cantos, cantorias e música alegre dentro de caixas de coleção, passos de dança marcados no tapete, luz do sol brincando de se esconder e a luz da lua prateando os móveis que abrigavam as alegorias que estavam esquecidas, mas que aguardavam ansiosas o toque de mágica do correr do tempo em outro ritmo para se encherem de vida e som. 

A cozinha se encontrava repleta de sabores e aromas enfileirados aguardando a sua vez de se libertarem na produção de manjares caprichados que se estendessem aquela mesa de jantar. 

Por fim, a vista para o mar foi o recanto da casa que mais me surpreendeu nesta intenção de trazer de volta as emoções da morada porque ali encontrei sorriso aberto e olhos arregalados que se surpreendem todo dia com o nascer do sol, com o casamento do dia com a noite e com a surpresa diária dos milagres da natureza que se perfilam sem jamais repetirem seu encanto.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Não tenho tempo

 

Estou sozinha agora porque o tempo que estava por aqui, marcando de cima cada passo, parece ter se esvaído de si mesmo e ficado em seu lugar um saco vazio de propósitos parecendo aguardar que alguém tivesse a consideração mínima de vir preenchê-lo e já se sabe que na pressa indômita da vida ali irão se amontoar a traquitana da rotina que tem por meta entupir o ralo do período e, assim está criado o caos invisível do querer fazer. Talvez um ensaio deliberado para poder descartar um a um com uma pertinácia insolente. 

Espio para todos os lados e não vejo nenhuma menção de preencher a sacola esquecida do período que murcha de propósito, olha para todos os lados em busca da tarefa relevante sem, no entanto, encontrar algo admirável que mereça ocupar o lugar deste espaço jogado sem destino. 

Talvez as coisas não estejam conseguindo aportar em nenhum rumo por carecerem de justificativa que dê vida a elas, que as empurre para frente, que faça sentido em si mesma, que diga a que veio e se sustente como alternativa à outra, dando uma pinta de existir ali um reles ensaio de intenção sem, no entanto, se formar completamente. 

Assim vai se apresentando o rol de coisas e loisas que pretende encher o saco vazio impaciente que o tal do momento deliberou deixar à disposição sem se importar com o que ou com quem vai preencher seu conteúdo, afinal, no dia a dia da contação de minutos quem vem sempre à frente é o “não tenho tempo”, um mantra conjugado em todas as bocas do mundo.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...