Aquela porta entreaberta chamava para si a
curiosidade, mais pela busca de um bom
motivo para tudo ou nada, ou para constatar alguma coisa, virando as costas
depois e acelerando os processos que vem à cabeça enquanto o vazio dos dias são
preenchidos apenas por conjeturas e devaneios.
A porta da residência, localizada em rua
carente de vida humana nesta estação, me chamava em altos brados e assim me
aproximei abelhuda. Empurrei o caixilho pesado que rangendo abriu-se para um
ambiente muito bem decorado, com ares inóspitos e sinistros na arrumação como se por ali não existisse ar para respirar.
Igualmente as entradas de luz serpenteavam em claridade tão tênue dando a
impressão que fosse se dissipar ao menor sopro de vento.
Passando o olhar no amplo recinto fui
percebendo que havia um pó muito fino e brilhante lavrando todas as
reentrâncias da decoração, dos móveis, do caprichado ladrilho vermelho antigo, dos
tapetes, das flores artificiais, das cortinas translúcidas, dos objetos de
decoração praiana que mantinham agora um ar assustado e com colorido irreal,
como se fossem espectros de si e não uma cópia da natureza.
O silêncio me acompanhava fiel e solícito
como sempre e, deste jeito, fui percebendo que no chão ainda havia rastros de chinelos
de praia rebordados pela fuligem dourada, demonstrando que havia se arrastado
por ali, ladeado por pegadas de criança e bichos de estimação complementando o
cortejo. Entrando em outros ambientes intuí que mesas e cadeiras, copos, pratos
talheres e outros artefatos estavam desarticulados dando-me a impressão de
certa sutileza na intenção.
Nos outros cômodos a mesma coisa, uma ponta
da colcha levemente dobrada para cima, um travesseiro esquecido no canto da
cama, uma camisola jogada no espaldar da
poltrona de vime, uma porta do roupeiro entreaberta, chinelas de verão embaixo
da cama. Em tudo ali naquele lugar sinalizava a expectativa de vida na casa
assim percebida pelos mil detalhes deixados no afastamento.
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