terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A agenda


Era um tempo em que acordar significava uma dúvida sobre seguir em frente, amornar as ideias um pouco mais e deixar-se ir aos devaneios, ao etéreo da vida, afastar-se de preocupações irrelevantes que povoam a agenda que, diga-se de passagem, ficou tão exígua naquele minúsculo caderno que se apresenta ali apenas como intenção.

Não se faz mais urgência em anotações pelo simples motivo que o andar da carruagem não tem mais premência e o tempo que rege as atividades tem outra contagem, outro perfil e uma garantia que as histórias que serão contadas daqui para frente terão proveito real e não, especificamente, serão escritas em folhas de papel marcadas.

De agora em diante ficam as lembranças do caderno vasto, mapeado em cima da mesa com todos os dias da semana, rabiscados, riscados, apagados e garatujados com tanta frequência que mais parecia um diário de vida. Uma prova de vida ou de morte e se esta fizesse uma visita certeira os familiares conheceriam com absoluta garantia os últimos passos do defunto, e de quebra, poderiam medir seu prestigio, se havia segredos ocultos, se gozava de boa saúde, se possuía muitos amores ou nenhum ou, se apenas andava com uma rotina desumana e por esta causa foi parar do outro lado.

A marcação da biografia neste mundo que tenta dominar papel e rotina é realizada a partir de dispositivos em que a mão do seu autor não marca presença autoral, porque os esquisitos sensitivos vão monitorando as atividades e assim assinalando em seu apócrifo digital o que mais favorece ao sujeito. A partir daí, a agenda sub-autoral vai acrescentando datas que desconhecemos, adiciona personalidades incógnitas ao rol de amizades, marca festas que jamais frequentaríamos, apresenta empresas sem relevância e conteúdo, sugere amizades irrelevantes ao nosso perfil, expõe o dia a dia de gente de somenos interesse, apresenta artistas que em nada se adequa ao nosso gosto musical e artístico e por ai vai a inundação supersônica desta agenda digital, que em muitos casos, vem para substituir o caderninho. Ah, aquele simplório artefato que pequeno ou grande faz de nossa vida um tabloide de grande utilidade para nossos familiares e para nossa própria revisão. Vai que ano que vem tudo muda.

O verão


O verão chega colorido sempre e mesmo que o sol não nos brinde todos os dias como desejamos a chuva, o vento, a neblina e a maresia fazem por si mesmos uma festa de cores, saindo do prateado e assim vai tingindo com todos os matizes nossos dias. Os dias nascem embrulhados, mas sempre vão dar os costados na rua do comércio, pujante nesta época seja qual for a praia escolhida. E assim nas calçadas se perfilam verdadeiras cavernas de multicoisas, todas com serventia absoluta fazendo com que enxerguemos as nossas necessidades com clareza.

Interessantemente, a visão do conjunto nos remete aquela eterna lista que se perde e se acha das tantas e tais coisas que precisamos fazer para temporada de praia que chega. Na casa, na cozinha, na varanda, na churrasqueira, na piscina, no gramado, nos portões. Estão todos ali na lista mofada e que foi feita – mas esquecida - no final do verão passado e agora foi descoberta, largada no fundo da gaveta do armário da copa.

E assim se inicia a maratona para cumprir à risca o que aquele papel veio declarar e assim, de cara, é já na calçada que vamos riscando a lista com afoiteza porque vamos recolhendo a cadeira de praia, a canga, o caniço e o anzol, a cadeirinha de criança e a cama do cachorro, não faltando o indefectível guarda-sol que de tanto apanhar do vento se negou a ter suas varetas abertas, se fechando em copas e por este rompante foi acordar na lixeira.

Mas é nos corredores super coloridos que a lista ao invés de diminuir, só aumenta. E assim, passo a passo, os produtos se jogam sobre nós com a absoluta certeza que a eles deve ser dada a maior atenção, porque estão no tamanho perfeito, porque se enfileiram a partir da serventia, porque combina com a cortina, porque o seu igual de casa já era.

Os olhos se vão para baixo e para cima nas prateleiras brilhando de satisfação porque desta feita será cumprida a agenda anterior e muitos outros itens serão adicionados.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A Massa


Parecia diferente, mas, olhando bem era igual aos outros apenas realçando a mancha escarlate que jogava, assim, a esmo, com uma intenção de levar a vida de um jeito diferente, tomando para si as chances de modificar-se vez ou outra, escolher outra exterioridade e firmar-se com autoridade de quem sabe o que faz sendo fiel a si mesmo, mesmo pertencendo à turba.  Aliás, um aglomerado digno de maior observação uma vez que seus pares resolveram se unir em uma cor para apesar de não ser, parecerem iguais.

O existir aglomerado impõe um estilo único onde pensar fora da caixa é impossível, afinal nem dá tempo, porque a missão diária é sempre olhar com o rabo do olho quem está caminhando junto a si e, atento, conferir se anda tudo igual como deve ser. Comparar-se é a regra, mesmo que desconfiem que aquele uniforme não lhe assente bem, a estrutura não lhe favorece as atividades, a cor o deixa desanimado, as costuras são apertadas, os saltos são demasiadamente altos, a gravata esgoela a garganta, o paletó ferve as entranhas, a maleta de couro fino pesa, a parafernália eletrônica enlouquece. Tudo isso e muito mais fica sem retrato. Sem consideração. Sem percepção. Junto a isso existem aqueles impulsos todos de se apoderar de tudo o que anda sendo garganteado como “up-to-date” e que, claro, a turminha que congrega tudo junto misturado não pode em hipótese nenhuma dispensar.

E assim a cor solar destoante ilumina com tons de sangue aquele ponto dando para ver a graça do recorte no fundo de seus pares olhudos, se contornando com vivacidade porque preferiu pegar outro caminho, livre para olhar por sobre os ombros, por cima, para os lados, para trás e para baixo. E o resultado da iniciativa reverte para então se pensar que os tons da palheta podem colorir vidas que se propuseram a ter outro destino que não seja serem os iguais.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Saudade


Assim um pouco do nada, mas depois pude confirmar que tem procedência, uma falta aguda se inicia a ferir os meus dias, e mesmo que eu não perceba de pronto, posso notar que a minha rotina está sendo acometida de intensos lances que muito sorrateiramente se acomodam erraticamente. Não dá para levar muito em conta porque a caminhada sempre tem percalços, rola um acontecimento desigual de todos e se não tem, a gente procura, porque a orientação é de se fazer tudo diferente a cada dia. Triste sina porque o tanto de prazer de um passo após o outro é justamente se dar conta da atenção que se tem aos detalhes, sejam eles de rotina, sejam eles sorteados na hora sejam inventados aos saltos.

E deste modo automático, vai-se arrastando os pedaços descosturados sem muita atenção porque a faina de olhar em frente não tem tempo de perceber nada em volta, o que anda atrasando o sorriso, o que está deixando à deriva os desejos, o que não anda se enroscando em nós como deveria o que este fantasma busca em todos os minutos.

E, em um anoitecer simplório quando a alma tem um encontro com relativo silêncio, o corpo esfria cansado, os olhos se tornam chamas turvas, as mãos cansadas se retraem e de certo modo a ossada completa relaxa, aparece em grande algaravia as faltas, essas, que não nos detemos a prestar atenção porque o sino bate em outros ritmos e a cantata tem que seguir firme.

Percebe-se que há um tempo bem longo o modo de passar as atividades tem sido alterada sem ninguém perguntar se aquelas alterações terão bom uso e, de maneira singular a rota é modificada causando desaviso. Na sequencia, os caminhos costumeiros figuram diferentemente, sendo agora mais difícil cumprir determinados rituais, o silêncio obsequioso da vizinhança não brinda o jardim, não abre um sorriso ao invés da conversa, não presenteia a manhã preguiçosa com a delicadeza de não se ouvir nada além da natureza. E assim fico eu sentindo muita saudade do que eu tinha e não sabia.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Um sopro


Não parecia que tudo estava revirado a primeira vista porque com os olhos bem abertos tudo está no lugar certo, modificando talvez um pouco as cores do dia que nunca amanhece igual porque o olhar sempre procura o mesmo, para se certificar que ali está mais um tempo. Mas, não é somente mais um dia, pode ser apenas mais uma brisa, mais uma flor, mais uma pedra junto de outras tantas e num segundo desce uma neblina densa que esconde o que estamos acostumados a ver.

Cegos por não enxergar o de sempre vamos tateando na experiência que apenas vem soletrar certo bê-á-bá que poderá trazer tudo novo do tal desarranjo e com esta nova escuridão o medo se instala pelo desconhecimento de andar em lugares que dão outra visão do que já existe.

A vista baixa no cinza da vida se submetendo ao bater do coração em marcha lenta, que de certa feita não aprecia alcançar o improvável, olhando para trás com frequência, duvidando do que vem pela frente, espiando aos lados por sobre os seus ombros e os de outrem, a incerteza que se iniciou já cedo deste dia.

O incômodo se adequa a singeleza desta parada que parece obrigatória porque prende os pés no chão, desequilibra o corpo que não consegue se desvencilhar destas amarras invisíveis que faz o ambiente mais denso, como querendo se manifestar contrário ao inusitado, ao já determinado, ao previsto.

Os braços inertes não conseguem alcançar o próximo para o abraço, para nadar em mais uma onda, para apontar o caminho, para se apoiar no cansaço ou mesmo para se expandir em gestos de interpretação tão usuais e tão diferentes entre todos acompanhando as falas mais brandas e as mais corajosas. A cabeça meneia o desacordo sintomático e tenta entender em que se transformou esta data, ou o que este tempo simplório quer dizer.

E assim como veio se foi, liberando a simplicidade da vida de mais complicações, ensolarando as ideias, desamarrando os desejos e possibilitando tudo por mais um tempo. A vida é um sopro.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Veraneio


Não foi difícil achar o caminho da água que acenava de longe em um convite sedutor, parecendo que da janela o alvo a ser atingido em poucos passos prometia alegria refrescante neste dia de calor senegalês. E assim, deste jeito improvisado, foi aceito o convite do mar e iniciada a caminhada. Mas foi somente colocar os pés na calçada para perceber que nada era como parecia, e deste jeito, ingressar na via estreita, feita para pedestres, mais parecia uma  trilha com alta dificuldade.

Olhar para os dois lados antes de aderir ao estreito caminho é uma boa idéia, porque se pode facilmente ser atropelado pela guia de três ou mais cachorros com os seus respectivos donos puxando cada um para um lado os dogs, gerando um enroscamento de guias e coleiras, tudo, obviamente embalado pela sinfonia de latidos, os mais diversos.

Passada esta dificuldade e pensando que agora vai, surge a carreata dos carrinhos de praia que vem empilhando tudo o que é bugiganga, e claro, acompanhados de um cortejo familiar praiano de ocasião e não de fato. Embalando a lenta caminhada as conversas fofoqueiras típicas de praia, de casa lotada, não esquecendo que junto do bolo de gente sempre tem alguém tropeçando porque caminha sem olhar por onde anda, com o celular na mão, e outro ainda falando em alta voz assunto que não interessa a ninguém, a não ser o seu interlocutor do outro lado da linha, mas de repente nem a este.


Aparentemente pista livre, então melhor passar sebo nas canelas e tentar chegar a beira do mar que não para de fazer convites, os mais honrosos. Finalmente a chegada nos areais do sul acontece mas quando o olhar se ergue para ver o mar infinito em sua cor cinza litoral norte, a camada que antecede as águas bem feitoras está totalmente lotada de multicoloridos guarda-sóis e não somente isso. Verdadeiras tendas se proliferam nas areias e assim, ziguezagueando entre pés e pernas estendidas, pazinhas de plástico, baldinho, piscininha de plástico, enormes sacolas que transportam o amargo para que na garganta se tenha a mesma temperatura do clima, e mais um sem numero de isopores com conteúdo os mais diversos. Chegada com sucesso na beira do mar! Alerta para mar com buracos, correnteza forte que na superfície não dá pinta e mães d’água por todo o lado. Elas, como todo mundo adoram mar limpo e quente. Meia volta.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O tempo


O tempo contado com sofreguidão desperta a pressa em atravessar a vida que fica dizendo baixinho que se andem a par e passo, que não se pule etapas, que é sempre bom darem uma boa olhada no entorno para se certificar, que se estanque com desenvoltura os pés no chão e observe. E deste modo, de tanto em tanto, se obriga a derrubar o que vê pela frente na tentativa de fazer parar o que, de repente, não precisa cursar e, mesmo assim, tudo isso não é visto a olho nu, não acontece de uma maneira só, não opera em modo automático nem proporciona bem estar natural.

Os recados são dissonantes e muitas vezes a sutileza desta teia bordada ponto a ponto com orientação temporal vai sendo entrelaçada na pressa e assim não dá para sentir que por ali muito nó cego está sendo pendurado nas pontas de lança que marcam o tempo. E deste jeito corre-se atrás do que não se vê, busca-se o indisponível, alcança-se o indesejado e se deixa para trás o que lhe vinha ao encontro, dentro da sabedoria do momento que a natureza dita soberana. E assim vai-se topando com as variantes sem ter a percepção exata do próximo ponto que se entrelaça nas amarras do período.

Tudo isso vai acontecendo enquanto os ponteiros daquele relógio avançam cumprindo o seu destino de encarcerar os acontecimentos que são previstos e os que nem tanto acabam sendo pressionados nos exíguos espaços entre os marcados. O olhar se prende ao tarefeiro em muda conivência tendo na cabeça uma perseguição resoluta para determinar a história.

Apartou-se a muito da consideração dos céus para que se concretizem nossas decisões, como, ao observar os ventos percebe-se que este fato vem demonstrar que é para mudar a direção, que a chuva abundante se derrama avisando ao jardineiro que seus planos para hoje terão que ser mudados, que o sol se escondeu para proteger a massa que protesta, que o mar se agigantou porque hoje é dia de faxina no fundo mar, que as areias estão correndo a toda velocidade para cima das dunas para que estas se fortaleçam após seus areais terem sido vítimas do arrasta pés de beira de praia. E enfim, a lua surge no céu para contar que a noite está chegando, essa sim, soberana que esfacela um pedaço desta geringonça que insiste em contar o tempo em ponteiros.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

As ruas da praia


Caminhei a esmo para ter certeza que eu agora podia me permitir a fazer isso sempre que quisesse, uma vez que resolvi o meu destino de forma mais condizente com o meu avançar no mundo, na vida, no sofrimento, nos anos enfim. E assim eu fui encontrando tudo um pouco igual e parecido somente com outras cores, outros cheiros e matizes.

Naquele espaço onde todas as ferramentas para tornar uma pessoa mais asseada, mais bonita fisicamente, atraente e com seus pontos fortes valorizados, parecia mesmo o templo do belo. Ali não havia espaço para o não tratado, o desfeito, o inadequado e acompanhando o perfil do negócio a conversa anda na perfeição com um conhecimento detalhado das clientes. O entra e sai é dinâmico e o dia parece ser bem movimentado. Que sorte. O varejo dá vida as ruas, enriquece os relacionamentos, deixa calçadas varridas, ruas repletas de carros, de gente, de um lufa lufa e entre e sai que dá gosto de ver.

Sigo a rua aonde vou encontrando lojas mais inusitadas onde tudo é vendido por um único preço, qualquer coisa, maiores e menores. Reflete uma cobiça de aquisição que nem posso imaginar, afinal, os objetos, seja de que natureza for tem o seu valor marcado como uma peça, mas para cada comprador ele tem um preço mais particular, para mais ou para menos ou até quem sabe, não tem preço. Os olhos brilham e vagam de peça em peça, excitadíssimos ao perceber a oportunidade de adquirir tanto, ou tão variado, por tão pouco.

Não contente com esta surpresa encontro outra loja onde as roupas custam muito pouco, para homens, mulheres e crianças. Tenho a convicção que qualquer pessoa pode entrar nua no estabelecimento e sair vestido e quentinho se for frio e serelepe e leve como uma brisa de verão. Isto tudo por um punhado de moedas.

Continuo a caminhada cujo compromisso mora na observação, no fortuito desejo de encontrar o que ninguém vê, de perceber o mistério do comercio de rua que existe com espaços vizinhos um do outro separados apenas por uma parede de tijolos, por perfis de compra e venda diferentes mas que possuem a única vertente cobiçada que transita com ou sem propósito, pelas calçadas bem cuidadas.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Minha alma


Fiquei ali de cantinho, tentando me esconder do tumultuado entorno que praticamente me rouba a alma e assim, com requinte de crueldade extrema a levam por ai, com a clara tentativa de torná-la de melhor serventia social ou quem sabe escraviza-la para os fins que ainda serão deliberados, pois o tempo quente é de fazer tudo ao contrário. Dei-me por conta que, de certa maneira, possam eles me considerar uma ameaça para a rotina alheia, porque em mim de corpo e alma pulsam outros desejos, outros caminhos, outras metas, outros pensamentos e, mais do que tudo, outras necessidades.

Apesar do meu esforço, não consegui brecar a turba ignara de ocasião que fez de refém o meu espirito e vai daí que me perdi de tal maneira que não sei direito quais os meus horários, meus hábitos bagunçaram de tal forma que levanto de madrugada para que, por alguns instantes, eu possa pensar que estou inteira e sã. E assim, fria, eu consiga alisar a camisola para ter certeza que meu corpo ainda está ali, que meus pés pisem no chão gelado para confirmar que sou corpo físico, que meus olhos se integrem ao negror da noite sem estrelas e deste jeito eu não me sinta tão tragada pela temporada. 

E assim, com este toque destrambelhado, vou antagonizando meus algozes pregando-lhe peças, fazendo apostas de esconde-esconde onde meu espírito livre passa a perna na realidade sempre com o objetivo de voltar para o lugar de onde nunca deveria ter se evadido. Muito menos à força.

Sigo no encalço da minha alma roubada pelos quadrilheiros e vez ou outra, quando consigo lhe colocar a mão vejo o quão inócua se faz minha atitude, porque lá se vai ela para tantos outros convescotes, parecendo um palhaço mambembe que de tão colorido fura os olhos.

Acabei ficando com pena desta minha alma aprisionada pelos outros e que me pertence e, assim, em um momento de fraqueza, decidi juntar-me a ela, afinal, são tão poucos dias para assistir a loucura desta gente que talvez seja de muito bom tom não me apartar. Quiçá, com estes algozes de plantão terei um manancial de argumentos para realizar uma grande fogueira das vaidades imaginária, na beira do mar, e deste modo ovacionar a chegada do fim dos tempos ruins.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Ambulantes


E assim vai se contornando o tempo quente de soldar os pés, de fritar os miolos, do despir-se sem pudor, do rir-se por nada, do beber além da conta, de alargar o cinto assim como preferir aquelas roupas do fundo do armário de verão, que aguardam vicejar no sol pela milésima vez. As novidades vêm alcançadas pelo interesse em rever as rotinas do litoral norte retomar seu valor.

Na beira do mar, toda a fauna que deitou e rolou donos do pedaço até agora se evadiu para os cômoros ou bem longe no fundo do mar. Os inquilinos de agora se apegam a toda sorte de comercio empurrando seus carrinhos lotados de bugigangas, os apitos com sonoridade estridente acordam os bêbados da noite anterior e a gritaria das crianças torna mais agudo o caos.

O arrasta pé de mercadorias consome o tempo e o olhar dos veranistas que se atraem como se fosse por mandinga, e não desgrudam das opções que se apresentam multicoloridas, com muitas texturas de linhas e fios, todos ali dispostos para que todos os contornos corporais possam usufruir.

Deste jeito maroto o guarda roupas com os modelitos surrados vão dando lugar a vestidos mais curtos que normalmente se usaria, saídas de praia artesanais que mãos habilidosas trançaram tantos pontos vazados que não escondem nada do manequim e muito menos estanca o frio e o vento. O festival de vestidos mais longos e a variedade de estampas deixam tontas as mulheres que não conseguem manter a abstinência do consumo por nada no mundo, parecendo, de repente, que toda a indumentária praiana se reúne na carroça dos ambulantes.

E na carroça mais a frente outro suarento apresenta um cem numero de biquínis, de cangas, de chapéus, de óculos e o que mais necessitar. A orgia da beira da praia passa sempre por estes corajosos que empurram com a barriga mais um verão ambulante.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Valor


Era um dia como tantos outros onde todos os minutos se apresentavam fazendo certa reverência, talvez imaginando como serão tratados neste novo amanhecer. Açoitados no day by day da vida de todos, assim que recomeça a recontagem surgem eles com o coração na mão, implorando piedade para todas as bocas que os consideram meros contadores de período. É da natureza deles fazerem a serventia do tempo com o critério que a si foi concedido, mas com certeza fazem parte deste universo doador que permeia nossas vidas e que somente olhares atentos conseguem vislumbrar o valor.

Apartei-me deste assunto porque neste vagar de horas terei apenas para mim tudo o que se pode consolidar como sendo benesses e comecei a minha lista pelo sol que surgiu supertímido no horizonte, mas depois se acendeu em chamas multidirecionadas seus vergões de fogo. Desta feita ele abrasa o mundo, revolve a terra em brotos, agiliza a construção dos ninhos,  autoriza o sol na maré e abraça com esplendor todos aqueles que se deitam ao seu dispor. De repente, assim de cantinho, percebi que ao pular da cama neste dia bendito por viva estar, toda esta maravilha não me custou tostões na algibeira.

Seguindo neste dia perplexo iniciei a rodada de bike pelos novos caminhos que se apresentam, todos os dias, com os mesmos personagens que desfilam airosos, e deste jeito aberto vou abarcando todos os sorrisos que variam uma vez ou outra para mais ou para menos, mas sempre estão lá, a me mimosear e então, mais uma vez recebo um free, com valor calórico absurdo que nutre meu coração de proteínas e carboidratos que me empurram a surfar nas dificuldades do dia que recém começou, e que promete.

Não menos atenta me estabeleço na rotina deste tempo não contado, que somente me solicita que eu dê bons dias ao meu entorno, humanos que sejam e outros nem tanto, que recebam com fervor a claridade e os ventos da ocasião em minhas flores, que a chuva de surpresa regue minha horta clandestina, que uma vizinhança bata a minha porta para me entregar uma carta de um amor antigo, largada por engano em outra morada. E assim, neste anoitecer em que fui tão premiada dei-me conta de que não houve exigência monetária em nenhum momento.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Avesso


Naquele dia acordei e percebi algo errado, antes mesmo de abrir os olhos, pois não me entrava nos ouvidos os sons peculiares de minha morada, o mar não me enviava seus bons dias começando surdamente e se intensificando se eu demorasse a ir lhe cumprimentar ou, ainda melhor fazendo, correr de pés descalços a lhe fotografar, o que o fazia ficar orgulhoso que só vendo.

A nossa rotina de encontros da manhã era sempre combinada com as variantes, então, para finalizar o conjunto da obra retratada se pedia que o vento parasse um bocadinho, que as nuvens se ajeitassem no horizonte para que o sol se filtrasse com maestria por entre elas, se cochichava com os cardumes para saltarem bem na hora do meu flash, se implorava ao mar que alisasse as areias para que o rei melhor se refletisse. A rotina do despertar dos praianos quase não muda, apenas fica à mercê do tempo, que adora se fazer de rogado e brincar vez ou outra de ficar mais sem graça, mais feioso, revoltoso. E deste jeito paciencioso e lhe conhecendo os humores, em todo o recomeço ouso eu também brincar de esconde letras, esquecendo as melhores palavras ou fazendo de conta que naquele dia a folha em branco se eternizou em minha frente e assim vamos nós, brincando a vida.

Nesta data, porém, nossas regras não escritas tomaram um chá de sumiço e ao abrir os olhos o mundo havia mudado se apresentando com outro figurino, travestido de grande coisa, como se nestes tempos de parcos calores e de folgada agenda, tudo se permitisse.

O vento se calou e os sons da natureza foram substituídos pelo estrondo do mundo, o rugir do mar se recolheu dando ouvidos a maratona de carros, os pássaros fugiram dos seus ninhos e por ora estão em paragens mais silentes, os areais da beira do mar recrudesceram, os mariscos se contorceram em pontas se internando em desabalada carreira para os confins da terra, assim como os tatuíras seguiram no mesmo destino. Para completar, a revolta da natureza licenciada pelos moradores assistiram os caranguejos se infiltrando nas dunas com a justa intenção de passar a temporada fora da linha de tiro. A paisagem se desfigura como uma tormenta que chega com o proposito de desacomodar tudo o que anda nos trilhos e, deste jeito o pacato lugar aguarda que o avesso instalado dê o fora. 

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...