sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Entrelaçados


Todos os dias eles passam de mãos dadas em direção à beira da praia, as mãos, entrelaçadas, possuem um movimento quase infantil jogando-se assim, grudadas, para frente e para trás que a mim me parece embalar o tempo deles. As mãos calosas e afinadas em si movimentam-se perfeitas em seu encaixe de tantos anos, retratando uma atitude automática nesta procura de um emaranhado que  surge bem antes da primeira passada, como se houvesse ali uma suspeição de falta de equilíbrio, necessidade de sentir o apoio como se eterno fosse  e de quebra sentir o calor da pele e a muda conversa que rola nesta aproximação para seguir lado a lado e em frente.

Esta caminhada diária, ao alvorecer, serve para impulsionar as conversas do dia. Dias iguais a todos mas que se diferenciam pela surpresa da vida que de tão longa a todo amanhecer se reinicia, como uma agulha que volta ao começo no disco com teimosia. A imagem que me passa é de uma certeza de conhecimento de um e outro onde nem será preciso se olhar, ou se o olhar acontecer de pronto terá sido feito em uma linguagem cifrada que há muito foi aprendida.

Os diálogos imaginados versam sobre pueris assuntos como momentos de abelhudos comentários da vizinhança, da critica a coleta do lixo do município que não funcionou, da empregada que decidiu ter uma folga sem avisar, do cachorro que de tão velho anda rabugento e desobediente e para completar, o gato que sumiu na noite anterior para depois,  agorinha cedo da manhã, voltar a casa todo estropiado de suas maluquices sexuais com a gatiada do entorno.

Tem a hora do silêncio, que talvez apenas esteja reverberando uma desavença tola de ciúmes de um ou outro que torceu o pescoço na admiração de algum corpito sarado que trespassou a matinal caminhada. Talvez haja, em conluio com um dia não tão resplandecente, um mau humor instalado por conta do atraso na refeição ou outra porcaria de assunto qualquer que não emplacou. A mudez peremptória dá o seu recado vez ou outra, mas não desenlaça as mãos que mesmo em um dia em que o fígado dita os pensamentos, não se largam.

Nunca falta nas manhãs corriqueiras uma conversa, às vezes bem azeda da conjunção familiar uma vez que aqueles dois se encontram apartados do cotidiano dos seus jovens por força da evolução das famílias, e, assim, as análises se confrontam sempre com o antigo porque na ausência de tantos restam a eles murmúrios, suposições e dúvidas. Deste jeito o jargão “no meu tempo” está sempre na ponta da língua uma vez que  o desconhecimento das rotinas é a única forma de apaziguar a distância e as mudanças neste jogo da vida jogado  sem regras pré-definidas.

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