sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Lembranças




Ela se apresentava sempre majestosa com a cumieira devidamente estrelada, com todos os coadjuvantes milimetricamente dispostos em seus lugares de origem, seus penduricalhos vibrantes cintilavam todo ano, do mesmo jeito, com aquela simplicidade de ter de ser sempre tudo igual. O verde escuro e a seiva da natureza colaboravam para que se formasse o símbolo perfeito, entrava ano saía ano.

Ninguém percebia que ali havia espinhos uma vez que tudo se encontrava tão bem disposto e ninguém se atreveria a buscar algum defeito. Também passava despercebido que as raízes arrancadas do solo úmido iniciavam sua rota para o fim, encetando com vagar por sua profundeza, a secura do ambiente e o inicio do seu fenecimento.

No animo inicial os olhos de todos não se detinham em quase nada especificamente e a vista era, além de superficial, descurada de detalhes. Não ficava claro, por exemplo, que muito sumariamente, as pontas airadas no espaço ressecavam e se dobravam à falta da seiva da terra que lhe deu vida por tanto tempo. Mais exatamente até aquele momento em que foi arrancada para virar um símbolo. Dizia-se que era um privilégio se destacar nesta data tão importante, para união de todos. A ousadia de duvidar ficou a encargo do tempo que viria cobrar sal assertiva.

Parece que a algazarra compromete o olhar, os brindes se sobrepõem ao pisca-pisca de luzes, a euforia dos encontros que por natureza, às vezes se desencontram são mais fortes do que a vista alcança. Tudo se confunde e se multiplica em uma grande arruaça que aprisiona quem deseja fugir dali e diverte quem supõe que para agregar é necessário obrigar. O desmonte era esperado e com ele veio a realidade.


O tempo, que faz deixar para traz tudo o que é bom e mau, assume o comando esclarecendo ao pé do ouvido que a parentalha se desfez do grupo ruidoso, mostrando de verdade a sua cara. Como mágica, cada um rola para seu quadrado demonstrando que importar-se já não faz parte da cantoria, que o pensar no outro só surge no dia seguinte assim como os ausentes nem notados são. É o fim da lembrança que como todo revival se esconde na penumbra de uma alma em paz.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Dá no mesmo


Não tem jeito de eu me conformar com o que se apresenta e tenho para mim que talvez seja uma revolta inconsciente em relação ao tempo que avança e deixa para trás meus cabelos fartos e loiros, minha pele viçosa, minhas pernas fortes, minha cintura, meus braços soltos em abraços e minha mente leve e tranquila como folha ao vento. Só pode ser isso.

Todo dia, toda hora, todo acontecimento, lá estou eu novamente lutando para não ter esse olhar do cotidiano mais tradicional e que me faz lembrar minha mãe, minhas avós, e, de certa maneira, viver e corresponder o que não vale mais, aparentemente. Para todos os lados a minha desdita somente se fortalece.

Ando dando de cara muito assiduamente com um descontrole quase inimaginável de aspectos que deveriam ser tratados como um fator de linha mais dura, digamos assim. Navegamos no mar das incertezas em comportamento, não sabendo nunca o que vamos encontrar ao lado ou em frente e eu penso, que por este motivo, o passado tem vindo me assaltar para que eu não perca as estribeiras. Deve ser isso que o avanço nos anos faz. Para frente e para trás para não perder o rumo. Boa essa.

Agora nas rodas de conversas, nos encontros de muitos, na presença de tantos desconhecidos, entro de lado, tipo sorrateira, desconfiada, com cara de paisagem torcendo para não ser percebida. Não desejo mais correr para o abraço no vácuo que me recebe, uma vez que eu considero que os pares se importam. Dei adeus a minha crença gratuita e despreocupada porque não existe garantia de ser bem recebida, mesmo que tudo tenha iniciado bem.

Ninguém me convence que o trato com o semelhante tenha que mudar de forma radical ao se deparar com um imprevisto, uma situação que foge do controle e precisa ser administrada. O foguetório sem noção é disparado sem controle e com este novo formato tudo parece efêmero como uma brisa e sem o menor sentido.


Esta percepção da perdição dos bons modos se completa na mania perversa de que se deve estar conectado o tempo todo, com a roda de cada um refletida em si. Tudo e nada dá no mesmo.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Cartilha


Em um primeiro momento eu contei certo que aquele assunto teria de ser enfrentado com astúcia e paciência e quase me imolei em sacrifício, uma vez que eu não tenho estas qualidades. Mas, “não está fácil para ninguém” jargão da hora de uns e outros e então resolvi que eu seria minimamente inteligente e tranquila, mais duas coisas de que sinto muita falta em mim quando o caldo entorna.

Mas se eu não as tenho neste exato momento de premência, terei que pedir emprestado e ao meu redor todos do alvo viraram a cara ao meu esforço. A bola nas costas rola solta no meu campinho e na continuação do contexto lembrei que nestas ocasiões fechar a cara e ser firme funciona. Negue um sorriso e verá que a energia que está rolando contra você dá uma baqueada geral e recua. Então foi o que eu fiz.

Mas fiquei triste por não poder intercalar na roda da conversa nada animadora, diga-se de passagem, a benção de uma gracinha, a facilidade que o bom humor proporciona mesmo em assuntos mais espinhosos. Levantou-se no ar certa mágoa por ter de passar por este momento sem merecer a ousadia do descrédito e ter de ouvir apartes fora de controle e de propósito para o momento. Neguei meu sorriso e leveza no trato com o outro e isso doeu mais em mim, certamente. Mas seguir em frente sorrindo se aparentava totalmente impossível, por isso sucumbi.

Existe uma crise no ar, uma piora de atitudes que antes serviam de norte para todos, jovens e velhos. Era um tipo de cartilha dos bons modos que todos recebiam ao nascer antes mesmo de abrir os olhos. As famílias honravam estes mandamentos e os passava de pai para filho para que sempre que houvesse discórdia, discussão ou ideias diferentes lembrasse-se de seguir o rito.


A cartilha jaz sem serventia neste século, onde grassa o império da falta de educação e respeito ao próximo. Mas eu ainda penso que abrir um sorriso seria uma ótima solução. Antes de ler a cartilha, é claro.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...