sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Descarte



Existe no imaginário dos amantes de faixas litorâneas aquela crença de que assim que os pés tocarem as águas geladas do Atlântico tudo irá se transformar como num passe de mágica, que o cotidiano de paz e liberdade com um clima menos traiçoeiro será benfazejo e todas as coisinhas chatas da vida singrarão mar afora como demonstra tantos atos de fé e reza forte nesta época. Junte-se a isso em cada esquina um “despacho” mirando uma graça, um pedido de perdão ou uma ameaça.

As longas caminhadas solitárias com boa – ou má – companhia se tornam consultórios a céu aberto enchendo ouvidos alheios das mazelas que parecem brotar do chão arenoso, não dando nenhum escape para os anjos que fazem plantão maciço nesta época correndo de cima abaixo para dar conta da demanda espiritual.

A sina curativa da praia recebe a massa ignara e não a abandona de modo algum porque se sabe que a brisa do oceano recolhe com prazer todos os pedidos seja de quem for. Não existe pessimismo que resista a imensidão marítima que todo dia está diferente sendo por este motivo uma dádiva sublime. É só manter as narinas ao vento captando a maresia forte de dias calmos e os ouvidos atentos aos sons da natureza, no arrulho das garças e quero-queros.

Assim o povo veranista vai palmilhando cada recanto da praia com suas conversas recolhidas com parcimônia por quem em volta permanece. Descartar mazelas ao vento não é o mesmo que deixar para trás pertences efêmeros parecendo, às vezes, aquela clássica caminhada sem olhar para trás, mas, que após ter sido empreendida necessita uma paradinha estratégica para recolher o que não pertence às ruas. Bom veraneio!

A passarela de longe



Os olhos vão longe, mirando a praia sempre sublime, com uma faixa de areia que possui chamariz para se deitar ao sol, tomar um mate, inventar historias bobas, falar de nada e de tudo sendo sempre mais interessante calar-se frente à majestade do oceano que se interna na nossa vida sem aviso nenhum. Chega e pronto. A vista se estende de lado a lado sem ressalvas engolindo tudo o que se passa pela frente tendo o cuidado de tudo absorver e não foi diferente o encontro visual com aquela passarela.

Ela se atravessava na paisagem dando a impressão de ser um convite, uma deferência para que alguns pudessem ter acesso ao mar com facilidade e assim foi feito. Por ali se iniciou o desfile de beldades que recorrem ao sol para ter a pele bronzeada e sedutora, outros para absorver o que o Rei Sol pode proporcionar sem danos, outros ainda bengalando com certa dificuldade se vão areia afora para um banho de mar, para delicia de ter seus pés na areia morna sem grandes riscos, nestes dias amanhecidos prematuramente. Nem sempre a natureza é pródiga em seus passadiços.

A passagem veio dar uma chance ao trânsito maroto de toda a traquitana praieira sem grandes problemas, facilitando o andar mais lento, apoiando quem nem sapatos querem usar nesta temporada e protegendo da quentura senegalesa do chão. A estrutura se posiciona estrategicamente como uma concessão da beira de praia a quem vem usufruir da sua companhia. É por pouco tempo, então melhor que a maré não interfira que lhe deixe pousada por mais um instantinho, afinal, o melhor do veraneio – para os praieiros - é quando acaba. Porem, nem todos os olhos enxergam o óbvio e com uma névoa que empana o acerto e um longo suspiro de tristeza brotando do peito, vê-se a travessia ser abduzida do bem coletivo.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Vislumbre



Andando por ai com os pés descalços para sentir as dores do caminho - as da alma já dei um jeito de liberar uma vez que não me acrescentam mais – fui conhecendo cada ponta de pedra e também os caramujos, que deixados na passagem por seus habitantes, foram recolhidos como troféus que a natureza me disponibilizou graciosamente.

Fiquei pensando para onde foram os moluscos tão interessantes ao olhar acurado de quem frequenta a beira de praia, o porquê de deixarem suas casas com tanta rapidez. Jogaram-se ao mar para não virar almoço de gourmet, isca de pescador ou de matança da fome de um e outro. Algum predador veio em sua janela lhe ameaçar, ou talvez, com tanta pisada de humano achou por bem tirar a própria vida e saiu rumo ao oceano, enlouquecido, sem sua carcaça protetora.

Curiosa e condoída, fui recolhendo um a um dispondo-os dentro de um vidro transparente me sentindo um pouco culpada por encerrar todos juntos em uma carapaça da qual agora, eles, simples adereços de colecionador não podem se rebelar. Achei que assim eu poderia ter um olhar mais profundo sobre a sua natureza e encontrar segredos que a mim fossem uteis. As formas e cores podem muito bem dar a dica de como me comportar neste mundo de hoje. Quem sabe eu aprendo a envergar vestes semelhantes e terei assim meus adversários contumazes controlados em qualquer ocasião desta vida que em todo alvorecer vem me dizer: menos um. Não lhe faço caso.

Achei interessante que suas cores beiram o monocromático certamente para que, em seu ambiente natural confundir-se propositadamente com quem não lhe tem tanto apreço e deste modo passar incólume pela inspeção e sobreviver. A sua forma diverge de cada um deles, mesmo sendo da mesma espécie. Pelo jeito as travessias não são fáceis e uma ponta não se choca com a outra permitindo então o livre transito por entre areias, beira e fundo de mar. As arestas também são pontudas em alguns extremos e amigáveis em outros.

Terminei minha caminhada com os pés sangrando porque a cada passo fui me dando conta de que a caminhada do lado de cá não é feita de arestas arredondadas, monocromia, escapes estratégicos e muito menos de design amigáveis.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O encontro



Desta feita vou me assentar porque sei que a espera será longa e não é ao corpo físico que me refiro, mas sim a minha alma, esta daí que vez ou outra resolve me atormentar por mais que eu a rechace, por mais que eu a ignore, por mais que eu dê um chega para lá nela dizendo peremptoriamente que passou o tempo da “importância”. Passou aquela era em que curvada, andava com a mão estendida e junto a este gesto minhas emoções se embaralhavam, de certa maneira acompanhando o que parecia ser o super adequado, o correto e assim a imposição do subterfúgio surgia soberana como se não houvesse no mundo outra alternativa.

Decidi com esta postura dar uma virada, não no fato, porque, parece mentira, o dito cujo se repete mesmo tantos anos depois, parecendo um disco de vinil com faixa rompida por conta própria e, estropiada, fica repetindo a estrofe. Neste caso somente um gesto milimétrico para que a musica continue. É bem assim que me sinto ao analisar o encontro próximo que em idos do tempo se assemelham em tudo, mas este, um tiquinho pior, parecendo que algumas coisas o tempo releva, porém em outras, ele só faz andar para trás traindo a alma que busca a compreensão.

Por todos estes revezes na minha intenção, enfraqueço quando me instam ao pódio me desafiando com a audácia da injustiça genética bagunçando a minha índole antiga de entregar o meu coração para que seja pisoteado. Pelo jeito os ares litorâneos resolveram se imiscuir no comportamento atávico que me levava ao precipício e desta vez achou por bem dar um basta. E foi assim, que liberta como a brisa marítima que sopra todo dia nas minhas ventas, irei ao encontro sem contas a receber e muito menos a pagar. Aleluia!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

De frente com o Praieiro



O sol nem saiu para dar o ar da graça e a maresia se adianta e vai fuçar  narinas dos saudáveis em ponto máximo, que despertam ao som do rugir do mar, da brisa que pode ser implacável e do sol que vem aquecer o coração e o esqueleto. Vale para todo mundo as dádivas da natureza que resolveram - conscientemente ou não – seguir a trilha da saúde optando de bom grado a realizar com satisfação o melhor para si.

Assim se cumpre todo o dia a rotina do Neri Costa, 77 anos, que ao saltar da cama vislumbra com olhos brilhantes o que anda aprontando a natureza marítima, como bom praieiro “da gema”. Não é necessário muito foco no tempo para sair porta afora, porque se pensar muito já atrapalha o motivo. A hora da largada é breve e o corpo para lá de acostumado se entrega à corrida assim como o dia se entrega à noite.

O sol já vai alto e o mar já anda dando as regras do dia o que só aumenta o entusiasmo de quem preza a natureza e o lugar onde resolveu se aquerenciar. A mesa posta do café da manhã é frugal, como convém aos atletas da vida.

A interação social acontece na segunda hora do dia com a caminhada na beira da praia. Um alô aqui e outro ali, se abrindo para as conversas de todos os tipos, cuidando para deixar os incômodos fora de hora de lado. Não há mais tempo para assunto ruim, afinal o grande filtro – o mar – acaba deletando dos olhos mais sagazes o que nefasto possa aparecer. Ouvir até se ouve, mas gravar, com certeza não. Tudo que for de menos valia são levados pela maré. Benção do praieiro Neri que guarda dentro do coração os melhores sentimentos.

O sol já anda dando sinais de fraqueza parecendo que o pisca-pisca entre nuvens anda avançando para seu final e, aproveitando a réstia de luz que vai adentrando pela serra às janelas lado sul, toca o sino do final do dia e inicia a o bate-pronto dos amigos de bocha. Vários “rounds” depois o sono vem dar alô ao Neri que, graciosamente, cede aos seus encantos. Até mais.

sábado, 12 de janeiro de 2019

Quem se importa



Esta foi por pouco, pensei eu, porque entre tentativa e erro difícil acertar, por este motivo achei por bem ficar na corda bamba, ou pendular docemente por entre os fatos sempre com a alma voltada para o bem, seja qual for o dissabor que venha ao redor por pura falta de sorte ou por desejo alheio. As balas quase sempre são certeiras e andei por ai pensando que estou parecendo um ser à prova de balas. Adotei alguns mantras e também uma reza forte blindando meu coração. A alma protegida fica imune e os bons pensamentos e a generosidade afloram com doçura, ainda mais neste tempo que anda encurtando a cada dia que passa.

Com a couraça que a vida me ofertou, e eu aceitei, o mal feito só se frustra, porque não o deixo entrar, porém lhe dou o lado uma vez que não me parece correto não lhe dar nenhuma atenção. Oferecida a alternativa de não me atingir, sigo no passo me aconchegando com as coisas mais simples que consigo vislumbrar e por ali vou passando os assuntos, buscando opções para colocar luz onde a escuridão pretende se instalar.

Uma pitada de indiferença é fundamental para o equilíbrio das contas fraternais cobradas alhures, algumas, de tão antigas, nem vagam mais na lembrança recente e somente com esforço podem voltar à baila. Decidida, me dou o desfrute de fazer uma análise aprofundada, mas nem bem comecei a remontar o causo e já o percebo totalmente fora de hora e também fora de contexto, uma vez que o tempo passou e aquilo lá detrás não faz mais o menor sentido. Pelo menos para mim. Então melhor esquecer o dardo porque o veneno contido já se esfumou. Bambolear entre antigas feridas é um aprendizado que vai ladrilhando a caminhada ao finito como deve ser.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os relógios



Acabei distribuindo por ai as minhas horas, achei que as tinha guardado por tempo em demasia e carecia, no meu entender, de terem mais liberdade, de talvez, quem sabe, terem certa autonomia para se regulamentar, tomar para si a prerrogativa de decidir o que quer que seja sem consulta, sem perguntar se é o tempo, sem achar que os minutos estão ou são finitos. Enfim, joguei e assim os deixei ficar. Vamos ver ate aonde vão estas horas com vida própria agora.

De propósito ocultei alguns na areia da praia, talvez com a intenção fugidia de que aqueles ponteiros não me alcançassem, porque justamente agora que tenho tempo para tudo ele parece me escapar por entre os dedos, me deixando com aquela sensação de estar sempre atrasada. Vai ver que é verdade, às vezes acordo depois do amanhecer perdendo assim a hora em que a natureza me chama, ou, vez ou outra, me adianto no compromisso parecendo que não tenho coisa melhor para fazer e talvez, fatalmente, no dia em questão, levanto com um sentido de finitude achando por bem ficar atenta até os últimos detalhes. Ao comungar todos os dias com a natureza na borda da vida, melhor não distrair.

Achei de bom tom, nesta altura, esconder na beira mar alguns visores faltando ponteiro para que assim eu consiga apenas imaginar o tempo passando e não enxergar o que acontece de fato, deste modo o tic-tac emudece por um tempo me dando a chance de fazer caminhos alternativos, de ir e voltar na lembrança como se esta fosse uma passarela que me mostrasse a vida toda e que eu não pensasse em lágrimas o que foi feito.

Entre todos estes mostradores jogados ao léu me surpreendeu aquele que leva em si uma abertura dando vazão ao outro lado, parecendo que este quer relatar que o outro lado da vida pode estar na espreita, como um caleidoscópio, e ele, sem ponteiros e sem estrutura completa vem avisar que o tempo pode cair, do nada, em um detalhe não programado.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...