sábado, 18 de novembro de 2017

Por sobre as ondas


Meus olhos não desgrudam do mar, talvez porque eu deseje do fundo do meu coração que ele me entenda que me acolha neste exílio, que converse comigo como se fosse um compadre, como se fosse todos os meus amigos que ficaram para trás, como se fosse um cliente das antigas satisfeito com o meu trabalho, como se fosse uma amiga íntima a qual eu possa abrir meu coração e que ela, no mesmo instante, vai se solidarizar comigo e com todas as asneiras que eu pulverizar o ar da nossa conversa.

Eu queria que ele, em sua grandeza, se apequenasse só para me fazer companhia nos dias em que me arrasto pelas horas buscando a inspiração que não quer bater de jeito nenhum na minha porta mesmo que ela sempre esteja encostada, que se nega a entrar pela janela ou pela ventarola, não se importando com o meu pensamento escravo de mim e que não arreda pé do compromisso que eu mesma me impus.

Na outra ponta do meu olhar eu enxergo que talvez fosse muito legal ter tantos parentes como ele os tem. A fauna e a flora marítima, o vento, o sol, a lua e a areia e assim este lote fica de cantinho, como uma emergência ou quando lhe falte os pescadores que, de certo modo, supre suas conversas de sobrevivência. Uma alternativa perfeita, mas, posso entender que esta matemática não serve para os que habitam o rés do chão. Assim, inexistem opções e as que se apresentam às vezes pode ser ruim para uns, péssima para outros e um vazio para tantos. Há muitos suspiros neste mar com ondas intermitentes.

Decidida, fui-lhe ao encontro porque me pareceu, de longe, que ele estava aquietado, com uma cor cinzenta confundindo-se com o horizonte de um céu anuviado e um quebra-mar perfeito. Caminhei resoluta por entre suas entranhas como se fosse ter com ele um para sempre me sentindo heroica ao rebater suas ondas que me quebravam no peito. Minha energia aflorada foi derrubada pela primeira onda espumosa que passou por cima de mim. Depois desta recepção de todos os seus parentes, este mar, que me vem pela frente todos os dias, me ninou em suas ondas.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Oração


Ando querendo interpretar tudo o que passa pela frente com certa fome de entender, com certo deleite em chafurdar no desconhecido sem ter vergonha do que poderá surgir. É assim quando nos dias de hoje o trinado que me acorda todas as manhãs não é mais aquele berreiro destemperado com dois ou três bicos querendo ser o que tem mais força. O sol que vai alumiando com vagareza o mar e os arrulhos dos passarinhos estão em meio tom, parecendo até que desejam um pouco de silêncio. Ouso interpretar que a natureza, assim como os praianos de carteirinha estão sob a forte ilusão de que se pode armazenar a tranquilidade, que se pode alimentar o desejo de ficar um pouco mais escondido no meio da temporada de flores, que pode talvez atrasar o relógio ou alterar as passadas do tempo inexorável.

Nas esquinas as conversas são quase boca a boca, sem, no entanto, vazar que possa ser um cochicho ou uma maledicência. No ar existe uma conspiração para que o tempo não ande, uma reza para que os ventos não parem, uma oração à beira do mar para que se revolte e se achocolate um pouquinho só, que os cômoros avancem sem trégua para tomar seu lugar de origem.

Tento decifrar a lerdeza no varrer das calçadas, a modorra da caminhada até a beira do mar com um arresto dos pés como se ali fosse depositar um último pedido, uma prece para que tudo fique do jeito que está.

Não me iludo com minha interpretação porque sei que apenas pertencem à mim, ao meu propósito de escolher a vastidão da terra como meu eterno pano de fundo, que minhas janelas jamais se abram para a multidão, que minhas cortinas possam filtrar o que não desejo enxergar e que finalmente, quando o verão chegar eu já tenha tido tempo para guardar em pequenas caixas todas as recordações do outono, do inverno e da primavera que me fizeram tanta companhia e que agora se recolhem para deixar entrar o tempo quente em todos os sentidos.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Declaração


O dia amanheceu como qualquer outro com o meu corpo sentindo suas limitações habituais, com a minha cabeça querendo ficar vazia, com o espaço aprumado em suas lembranças, mas era certo que algo havia em mim com um tom diferente que, de cara, não consegui identificar. Nem queria, é certo, ando cheia de viver olhando para dentro, escarafunchando meus sentimentos e cada milímetro do que fiz, do que faço e do que vem pela frente a fazer.

Parece mesmo uma sina que, ao mudar de ares, que ao encher os pulmões com o vazio, que deslumbrar a vista em imensidões faça um desarranjo na alma, desacomodando o passado e aí tenho que assistir o desfile de antigas prioridades se apresentando travestidas de novas, mesmo estas a quem eu já havia dado cabo de conservar muito bem guardadas.

Julguei necessário então colocar um basta neste ferrolho sem proveito, neste momento que está acabando com as minhas propostas de renovação. Vou encarar este acervo embolado e destrinchar o que aparentemente quer me sufocar com tanta insistência. Parece-me que ando dando um passo à frente e dois para trás como se fosse sugada por uma força maior, por um aporte de causos que me trouxe até aqui, pelo mar de duvidas que campeava minha juventude, pela dor das perdas, pela sublevação dos ganhos e pela vontade férrea de não fazer sangrar a vida.

Neste momento eu recebi um sinal, um oi que não era um cumprimento qualquer, uma saudação desconhecida que eu pudesse ignorar ou uma reação desmedida com o proposito de me tirar do serio ou da zona de conforto. Veio de longe, num tom soturno, acarinhada por um tímido desabafo e com uma gentileza que me obrigou a relembrar.

Prestei atenção a esta memória enferrujada que se abriu sem esforço na leitura, contando de certo modo tardio, um segredo que pelo jeito virou pó no passado. E foi assim, arrevesado, que a mim chegou a alternativa de ler nos bastidores um carinho, um amor e uma amizade que outrora me haviam escapado.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...