terça-feira, 28 de julho de 2020

Medo



Meus ouvidos já andam escasseando na sua reserva de escuta e por enquanto, se ouço o barulho do mar, para mim, está de bom tamanho. Demais assuntos eu deixo que o vento determine se vai levar o som para longe ou se eu mereço ouvir o que esta se falando em alta voz sendo ele muito digno e pródigo comigo parecendo que já entendeu que faço cara de poucos amigos para escutar o que eu acho que sequer eu preciso, quanto mais mereço.

Gosto de ouvir calada porque é exatamente com este comportamento que vou me enriquecer por dentro e lutar as minhas próprias batalhas, reservando munição. Faço isto com muito gosto porque preciso das teclas mudas esperando meus dardos invisíveis que serão disparados, quando necessário, a torto e a direita e atingirá o inimigo sem que ele perceba, neutralizando o mal com a sutileza de um “ninja”.

Percebo que a cada dia as perguntas vão parar no fim da várzea, pois interlocutores se acham escassos e os que estão disponíveis se encontram em um impedimento contraditório, havendo certa timidez em externar o que vai pela cabeça, surgindo então um muro invisível para o entrosamento profícuo e que gere uma boa conversa. Boas falas é o alimento verbal que advém de perguntas interessantes e assim se desdobram os termos com bom sentido e lá se vai (ou se ia) a prosa a galope.

O vácuo promovido por um alerta geral que entubou as conversas mais profícuas, relevantes e variadas nos faz andar de lado uma vez que não se olha ninguém de frente, a boca esta escondida, o sorriso sumiu do ar e se pudéssemos nem respiraríamos. Estamos presos em uma rede invisível e com um caluda de respeito a nos encarar de frente.

domingo, 26 de julho de 2020

Minhas avós



Minhas avós tinham convivência bem próxima comigo, meus irmãos e meus primos o que deixava a vida movimentada porque em sendo as duas a conviver, as semelhanças e diferenças se misturavam sem nem a gente perceber. Na verdade o amor e o respeito por elas se adiantava em tudo o que a gente quisesse ousar fazer ou dizer. As casas eram distantes e por isso mesmo sempre uma aventura deliciosa se lançar à visita daquela que ficava mais longe.

A minha avó paterna era moderna, altiva e elegante. Dominava o clã com maestria. Morávamos em casas lado a lado com portões dos jardins que davam acesso aos meus primos. Quando lembro destes jardins impecáveis parece-me que vivi um conto de fadas, tal o vai e vem que durava o dia inteiro, nossa grande ocupação afora os estudos. Em cada casa havia uma história e ritos diferentes porem semelhantes. Da minha sala de estudos eu tinha a janela que me dava a oportunidade de ver minha avó me chamar para o café da tarde o que fazia de um salto. A cozinha, grande, com decoração absolutamente combinada de móveis, utensílios de cozinha e que tais me deixavam de olho arregalado. Afora isso o interior da casa era de prender a respiração e me deixava de certo modo com receio de tropeçar e esbarrar em algo e assim eu evitava circular por lá.

A minha vó materna era calada e suave, simples em tudo que lhe dizia respeito, sua casa, para mim, tinha um ar de história a ser contada, de segredos não revelados, de móveis de ancestrais, quiçá. Ao chegar lá, quase sempre sozinha a encontrava de enxada na mão rescendendo a tanino revolvendo seu rustico jardim e meu sentido era de curiosidade para me aventurar por um porão que rescendia a umidade e dava calafrios, uma taquareira que me assombrava pela possibilidade de ali existirem cobras. Lembro que eu amava andar por ali, pé ante pé com o coração na boca de medo, um medo infantil delicioso, pois havia um misto de verdade e de ilusão. A proposito da comida, que criança sempre tem de se deparar, principalmente por seus avós, foi ali, criança pequena que conheci o “à la minuta” devidamente embalado pelas ondas de um radio ligado na Farroupilha.

Amo pensar que eu tenho delas as duas partes dentro de mim. Estão separadas e aparecem nitidamente no meu dia a dia, seja na maneira de se comportar, de comer ou da arrumação da casa, tendo o privilégio de colocar ao meu redor objetos que pertenceram às duas.

sábado, 25 de julho de 2020

Escondida



 A moça é bem bonita, tem passos rápidos e afunda minha calçada todo santo dia com seu cachorrinho de rico, depois sem o dito mas com o marido, porém surpreende  na terceira volta uma vez que vem sozinha, olhando para todos os lados como se quisesse se certificar que ninguém a segue ou simplesmente não a vê. Bem difícil nestes dias em que até as paredes tem olhos gigantes para rua buscando ver o que rola. Vale tudo: passarinho, pomba rola ou não, cavalo, carroça, catador e gente, claro.

Acontece que a moçoila rápida vem de última vez parecendo fugida de algo e descubro imediatamente ao persegui-la a partir do meu lado norte para o leste, correndo dentro da casa – vê se pode – para ver porque ela enveredou na esquina e não seguiu seu trajeto costumeiro em direção ao mar. Juro que me senti mal pela travessura, mas também, depois, achei que dar uma sacudida no garrão me fez bem, me espichei um pouco e me diverti com a curiosidade. 

A sequência foi interessante. Ao entrar na esquina, parou, tirou da cintura uma carteira de cigarro, olhou para os lados novamente, acendeu e deu uma longa baforada. Em seguida tomou um gole de alguma coisa que portava dentro de uma garrafinha colorida e eu tenho certeza que senti o cheiro de anis. Seguiu rápida, como sempre, alternando a tragada e um gole com um afã que me impressionou. Eu me debrucei na janela  - a que ponto cheguei - e a vi sumir pela rua em direção ao sul.

A moça bonita fuma escondida. O seu ritual acontece sempre no mesmo horário e todos os dias quando entra derrapando na esquina. Que sensação será que se tem de esconder um vício que se entrega pelo olfato e pelo bafo eu não posso imaginar. Porém, a quem será que ela quer enganar?

terça-feira, 21 de julho de 2020

Uma brecha



Parecia irreal que houvesse acontecido comigo uma coisa dessas, mas ao deitar meu interesse, meus olhos, minha mente e minha realidade ao que eu apenas desconfiava, tive que me render. É muito difícil dar-se conta da mudança há muito acontecida, porem ignorada, por certo pudor em enxergar a ousadia de dar razão a uma desconfiança, pressentimento ou impressão.

Preciso muito dos meus pés no chão, necessito sentir o caminho que ora se apresenta mais fácil, difícil, impossível muitas vezes, porem, em mim, a certeza de chegar a algum lugar e que este vai me levar a uma brecha para encontros reais e será por ali que encontrarei conforto.

Preciso saber quem esta no meu entorno, quem vai segurar minha mão, com quem posso contar e para qual ouvido vou contar meus segredos – poucos é verdade - inconfessáveis na tela, no papel, no celular ou na areia.

Preciso do visor na minha frente como cúmplice, das letras disponíveis a serem enredadas, tintas para o rabisco não se apagar, lápis para registro quando houver dúvida, personagens que enverguem minhas histórias. Apesar de tudo isso necessito com premência de audiência, de resposta e de interação deste quadro que presumo real ao meu redor.

E foi assim que a ilusão se apartou de mim, saiu altaneira como uma Diva porta afora me deixando em palpos de aranha porque perdida me senti ao não encontrar e muito menos reconhecer quem está – ou esteve - por perto. Continuei teimosa na assertiva de que houve algum engano nos cabos do céu, quiçá do inferno, sei lá. E foi com o coração na boca que corri para o abraço dos amigos virtuais.

domingo, 12 de julho de 2020

Código de barras



O desconhecido nunca se apresentou formalmente, mas eu sei que ele está ali à espreita como um fantasma, porém nunca lhe dei credito, justamente por me ser escondida sua personagem. Como vou dar ouvidos a quem não conheço, como vou certificar o que apresenta se não vejo suas raízes, a cor dos seus olhos, o som de sua voz e, claro, o calor do seu abraço e, por fim, sua presença cobiçada ansiosamente. Como vou.

O ignorado se apresenta como um dia em que tudo é duvida em relação ao clima, que rapidamente se muda para uma cor cinzenta, nubla furioso e negro para depois, rindo fazer a mutação para o sol, não sem antes derramar suas chuvas em um jogo de esconde-esconde que nunca podemos lhe adivinhar os humores. Nem os craques.

Um incógnito nunca comparece com um código de barras e por este motivo vai entrando na nossa vida sem que nos apercebamos de imediato, porém, diz a lenda, que os fulanos ficam por ali cercando, mudos e atentos como se nada fossem ou como se seu significado de presença fosse irrelevante.

É com o pote cheio de boas expectativas que se espera sentado o apoio, atenção, receptividade, amor e respeito dos que se dizem próximos quando orgulhosos bradamos nossas façanhas através de dizeres particularíssimos e que são limados à exaustão para que se apresentem dignos a quem é destinado. A espera acaba sendo vã, porque muitos dos ditos com excelentes códigos de barra à mostra nos vira as costas, finge que não vê, torce o nariz aos detalhes, estas minúcias que fazem toda a diferença, porque pode vir dali uma autorização, uma lembrança boa, uma esperança, enfim.

Com certo encabulamento tenho que dar a mão à palmatória aos ilustres desconhecidos que sem código de barra passaram pela catraca da minha vida e a povoaram de comentários, de compartilhamentos e de parabéns sabendo eu agora com quem posso contar. Antes tarde do que nunca.

Para tudo que eu quero descer



Para tudo que eu quero descer, e não importa do que ou de onde pretendo apear. A primeira ideia foi descer do salto, mas não faz meu feitio vociferar ou fazer estardalhaço quando há desconforto e, juro, desta feita ele anda coexistindo e se espalha em todos os patamares. Na verdade prefiro sempre um sorriso de desdém que sequer mostra os dentes e uma passada com nariz levantado também pode funcionar muito bem. O problema que estes subterfúgios não estão dando conta do que me aparece.

Pensando melhor, já me foragi de um tempo onde a – ou as – máscaras eram tão triviais que se tornaram invisíveis porque para cada situação do trabalho, de amizade, de família e outros exigia que vestíssemos aquela carapuça que conforme a ocasião deveria ser de obediência, de disciplina, de coragem e tantas outras atitudes que na verdade não estavam muito acertadas dentro da gente. Mas era necessário e assim foi cumprido. Porém, chegou o dia em que percebi que eu podia me autorizar a desvesti-las. E assim foi feito.

Da mesma forma chegou a mim a necessidade premente e furiosa de me livrar de excessos de toda ordem, aliás, conselho de todos para todos que não se deve extrapolar em nada, que - em e para tudo - tem que se ter equilíbrio.  Decidi que também era chegada a hora do desequilíbrio e estanquei o mando das gentes. Deste jeito passei os últimos anos re-arrumando a vida. Por sinal não foram apenas objetos realocados. De tudo um pouco.

Aconteceu o que se podia imaginar, envelheci limpa, leve como uma pluma, fagueira andando por aí, brincando com as letras, “inventando moda” - como se diz - e tendo que administrar uma “vidinha”, diriam alguns. Para mim, uma benção, mas, eu trabalhei para isso.  Ontem, olhando para o mundo como se eu estivesse fora dele dei-me conta que não consigo mais encontrar as facilidades que batalhei e incorporei à minha vida e a mim mesma. Como assim? Para tudo que eu quero descer.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Para poucos, muito poucos



Os papéis estão rôtos, as canetas sem tinta e o lápis sem ponta. Não há resma de papel, tinteiro ou apontador que dê conta da faina criadora dos escreventes que por qualquer motivo ou – nenhum – se atiram em suas mesas de trabalho, em seus cadernos de rabiscos, nos guardanapos dos bares, no ar e até nas paredes, conforme o caso. A areia da beira da praia serve para anotações mais insólitas e que acabam sem serventia porque as espumas praianas varrem delicada, e com muita honra as inconfidências provocadas pelo arroubo dos escritores.

A cabeça, para eles, é um acessório mirabolante, é uma fabrica de fazer causos e todo dia partem para a luta insana de grafar com capricho o encadeado de letras utilizando os elementos que a vida fornece, ou para outros, o inferno que lhe vai por dentro. Muitos concluem que a única saída para o sofrimento da vida é frisar em negrito tudo o que se passa pela frente, pelos lados e também por detrás de sua vista. Ali estão sendo bem ditas as suas verdades e como missioneiros de historias - bem ou mal contadas - vai em frente a alvoraçada turma da caneta.

Os pensamentos guerreados em surda intimidade ganham o mundo e tem em sua origem a expectativa de sucesso ao cair no colo de todos que flanam nas beiradas do que se diz, do que se ouve e, principalmente, do que se escreve. Ao derredor dos letreiros garrafais - ou nem tanto – pululam todas as mentes.

Ali estão todos reunidos para interpretar com um capricho próprio o que lhe sugeriram ou, no mais das vezes o que lhe fronteou os olhos. Os recados escondidos dentro destas missivas vão abalroando todo tipo de gente, desde o mais inculto ao mais douto. Todos levam as letras enredadas para dentro de si e hão de se confrontar com suas próprias ideias e instrução passando pelo corredor atravancado dos sentimentos vis como a inveja, a covardia e a ignorância. Para poucos, muito poucos.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...