De tempos em tempos a surpresa vinha bater na
janela babada de maresia das brabas e por isso mesmo sempre tão maravilhosa. A
vista ao alumbrado nesta manhã é embaçada como se a natureza estivesse por ali
na espreita, só de bico na brincadeira de criar filtros para que nossos olhares
matinais se prendam na tarefa de adivinhar o que está se descortinando através
deste vidro que não sabe se defender.
As multicoloridas facetas que ora se desenham
na vidraça vão se modificando em cada ângulo, deixando entrever com certo ar
ilusório a rua deserta, os cães que sempre perdidos dão a impressão que estão na
eterna procura de seus donos, fuçando o caminho, olhando ao longe para cima e
para baixo. A passarada não fica atrás e nestes dias nebulosos ficam planando
na maior das alturas, com seus bicos enfiados na imensidão do céu, tragando o
recado do oceano que neste dia desperta a todos com seu hálito mais poderoso.
Uma piscada e o sol vem contribuir para
deixar as figuras gravadas na janela com jeito de joias elaboradas pelo talento
do ar marinho, que tem em seu perfil de hoje a tarefa de melar o que vier pela
frente. Grudento, sempre quer dizer a que veio, quer ser lembrado pela sua
presença que transforma lindas janelas invernais em pinturas surreais, que se retratam
a si próprias como melhor lhe convier, não há ali, naquele dia, o perigo de
mãos enluvadas fazerem o desserviço de subtrair as histórias inéditas que
nasceram do dia para noite de um jeito tão disfarçado.
Nem todas as vidraças das residências tem o
privilégio de se divertir com a bruma.
Apenas as aberturas de frente para o mar podem receber esta surpresa
brincalhona porque a elas é dada a incumbência de ser o espaço mais nobre de
toda a construção. A bruma que hoje se alevantou por detrás do mar veio avisar
que em breve os tempos mudarão e que a melada do mar vai baixar a guarda e o
sol a pino batendo na quina é quem vai dar as tintas.
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