domingo, 18 de dezembro de 2016

A lágrima


Naquele dia eu senti alguma coisa diferente no ar, um sopro que vinha meio fora de sintonia, uma lágrima que escorria do nada, e depois outra seguida de um grande suspiro e um soluçar embargado. Parava para pensar e lembrava que sempre fui assim, choro do e para nada. As lágrimas fazem parte de mim como se fosse qualquer outro órgão que me fornece a capacidade de existir, como se ela fosse alguém que de mim não conseguisse se apartar e também deste jeito tão contumaz opera inconteste para que toda a engrenagem não pare nunca.

A minha lágrima pertence somente a mim, ela não se derrama na minha face e morre no travesseiro, ou na minha roupa de festa, ou na minha pedalada diária porque eu quero, não, ela tem personalidade e vida própria e resolve acontecer simplesmente, como se fosse sua rotina derrubar o que encontra pela frente, variando um pouco sua força e intensidade. Ela também se agranda como um caleidoscópio o vai e vem de tudo e na mesma proporção se ousa diminuta vez ou outra, assim, voluntariosa, nascida para ser.

Meus pensamentos não pertencem a ela, porém ela descobre o que me vai por dentro na instância do sopro inefável da intuição. Ela aposta firme e acerta no que acontece no entorno e, sagaz, já se apruma para marejar assim que os ventos da vida dão solavancos, assim que o mundo se sacode em palpos de aranha por não poder resolver o que ele mesmo criou, assim como entre tantas coisas para acontecer de ruim, justamente naquele dia ensolarado, com tudo para dar certo, tudo dá errado.

Minha lágrima tem poderes absolutos e se verte abundantemente mesmo que eu esteja ainda tentando disfarçar, olhar para outro lado, não me deixar contaminar. Ela vem me dizer que a minha tristeza, deve sim, se deixar derramar pelo mundo de tantas noticias más porque o sal da vida tentará curar na ardência os infortúnios de agora e, quem sabe, de tantas outras feridas.

Então ando sempre assim, marejada e com a visão turva. Com certo medo dos atuais tempos vou tateando nas paredes para não pisar em falso,  me segurando de certo modo e muito falsamente, nos corrimões da vida, me policiando para não dar credito a quem não merece e assim de lágrima em lágrima penso que elas regarão a tristeza de muitos como um bálsamo.

Nenhum comentário:

Sequestrados

  Coloquei o pé na rua, olhei para um lado e para outro, olhei de novo e de novo e novamente e não encontrei uma pessoa sequer para dar meu ...