sábado, 25 de junho de 2016

Rotas


Sentei ali, não porque estivesse cansada, mas porque ele sempre me chama, de longe, muitas vezes vazio e solitário outras vezes alguém toma assento, mas me parece que ninguém lhe dá importância de fato ao seu propósito.

Ali me abanquei para ver o que ele estava enxergando e que eu não via.

Primeiro, fiquei olhando para o chão como uma pessoa bem velhinha que me deparei dia destes na rua. Estava tão encurvada olhando a calçada que julguei que iria cair, ou bater em alguém. Não usava celular, óbvio, ela não faz parte deste tempo em que a comunicação é toda disfarçada, errática, dúbia e muitas vezes perversa, sem falar na privacidade. Ela queria ter, com esta visão focada, a certeza de estar na marcha correta e por isso observava sua caminhada com tanto apuro. Fixei-me nela. De repente, estancou e levantou a cabeça empedernida, olhando muito fundo ao longe. Com a mesma eficácia baixou o olhar e reiniciou o passo. Impressionou-me a cadência certeira e a incondicional confiança na retomada do passeio. Desejei adivinhar-lhe os pensamentos.

Resolvi então me colocar no lugar dela para ver se eu abduzia sua mente naquele momento. Assentei-me e voltei meus olhos para o chão e ali estavam areias de praia, uma vegetação indômita, formigas, caranguejos, tatuíras mortas.  Finquei com mais força o olhar e então eu vi, tantas pegadas de adultos, animais de estimação e crianças que balançavam suas perninhas no ar.

Todos os pés ali estavam e eu fiquei imaginando quantos destinos aportam neste paradouro, quantos metros de distância estão carregando para obter um descanso, um pensamento parado. Uma olhada para o futuro incerto. Um desejo indeterminado ou até, quem sabe, a concretização de algumas alternativas válidas. Enxerguei com muita clareza vários destinos e uma só paisagem e todos se derramavam incontinenti, premidos pela emergência lúdica que o local facilitava.

Sentindo uma inspiração, levantei a cabeça para, de certa forma, continuar o visto e dei de cara com o horizonte infinito onde o céu encontra o oceano em uma paisagem única e limpa, a qual ninguém colocou nenhum estorvo que impeça de ver alhures.


Tenho a certeza agora que aquela senhora idosa pensava nisso a cada vez que estancava o passo e levantava a cabeça. Mirava sua rota com olhos absurdos de quem não vê os obstáculos, mas uma trilha livre. 

domingo, 19 de junho de 2016

Marco zero


Era sabido que de alguma forma poderia ir e ficar, para sempre, afinal, o lugar escolhido nem era longe. Mas foi necessário mergulhar em entranhas estranhas, e, por um bom período não sair dali. Submergir e emergir com tanta facilidade dá-se a conta de parecer não ter feito outra coisa na vida, e sempre aparecia um novamente.

Foram tantas as feridas, que ficou difícil saber por onde começar a costura. Se em algumas delas colocasse algo bem ardido talvez cicatrizasse para sempre e não se teria mais acesso àquela informação, podendo sucumbir para sempre uma inspiração, uma necessidade, uma tristeza súbita, luzes, um crepúsculo ou um raiar do dia glorioso e cálido. 

O íntimo com tantos veios em aberto é solidário e garante o conteúdo como se fosse um cofre imenso de onde se pode retirar, a qualquer momento, uma cura, uma gargalhada, um motivo.

Por outro lado, o enjoo flutuante, seguia um ritmo cadenciado em ondas suaves, acompanhando de certa forma o refletir irrelevante e, ao mesmo tempo, empurrando para conclusões já cristalizadas no ar, como se fosse mágica feita para não sumirem. O ar rarefeito dava o ritmo, ambientando as decisões.


O entorno se modifica como se fosse uma mente indômita que não se cansa de querer ser outra, ou, simplesmente poder ser diferente do que é. A névoa do pensamento insistente sublevado a outros tantos, não foi empecilho para enxergar clareza ali adiante. Um emaranhado de propósitos e de soluções. Tantos remédios para uma doença só. 

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...