quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Máscara de carnaval



É chegada a hora da farra, aquela farra que para muitos soa como uma válvula de escape das pressões da vida e para outros como sendo um grilhão que atazana a calmaria almejada em qualquer sitio em que se aquerencie.  De um lado a urgência de quem precisa despressurizar o cotidiano e somente alcança este estagio quando acontece um modo generalizado de permissão para poder escafeder tudo o que lhe tranca por dentro. Deve ser por incompetência própria de não saber divisar o bom do ruim para si mesmo no decorrer dos dias atribulados e assim acontece o desvario.

A data é essa, sair no bloco de rua, no salão de festas do condomínio, na escola de samba, na avenida, na ruela e cem mais lugares que aceite a farra do desfile na cor de cada um. De certo modo se apresenta ali um numero de possibilidades inimagináveis de se mostrar ao mundo, e a máscara é o argumento mais do que perfeito para que tudo aconteça por debaixo dos panos, e assim as providencias para escancarar a farra tem livre arbítrio da data.

No propósito de uma festa popular quem na vida tem seu destino preso a um gênero, seja qual for, irá escolher uma camuflagem que seja do seu contrario, de tímido para audacioso, de presumido para humilde, de fanfarrão para submisso, havendo assim esta salada de desejos enrustidos que afloram nesta ocasião justamente para sacudir a mesmice.

As máscaras estão aí com toda a sua pompa e brilho desafiando as personalidades a envergarem seus mais escondidos desejos mesmo que isso não lhes apareça na consciência. É uma festa ímpar e de um colorido embriagador e assim o poltrão de carteirinha escolhe o disfarce de cor azul cintilante pretendendo com isso que ele alcance a simpatia dos incautos, o sabujo se reveste de roupas fulgentes para esconder-se e, os demais, apenas utilizam adereços divertidos, afinal, festa é festa. Escondidos, os avessos a balburdia observam serenos com uma singular vela acesa no cantinho, apenas no aguardo do término.  

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Todos os caminhos levam ao mar



Certamente o Diabo não apontou as orelhas para o dia e aquelas duas se vão porta fora bem acompanhada pelo orvalho da manhã e a lua ainda no céu. A madrugada se despede e dá as boas vindas ao sol que este ano anda furioso, no bom sentido, e a caminhada rotineira é só o principio de um dia cheio de trocas. Nem a chuva suspende o andar porque quase sempre são pegas de surpresa sendo obrigatório voltar ou experimentar em qual ponta do bairro arrefece o aguaceiro.

O caminho é o mesmo diariamente e cheio de simbolismo que só um praieiro consegue adotar porque em uma ponta se deve chegar à estrada que liga as praias, os balneários, os bairros e por onde escorre a horda de visitantes que saltam de um lugar ao outro como se o sol na mufa liberasse um instinto parecido com a perspectiva de fim do mundo.

Por este motivo bastou chegar por perto deste movimento insano para dar volta volver e buscar na outra ponta o amor maior do morador: o mar. O sorriso já anda estampado na fisionomia daquelas duas porque até então a paisagem que se avizinhava não era a preferida, mas a trilha tem que ser cumprida e assim lá vão elas, agora rumo ao mar.

A conversa é um caso à parte e aja tema para ser abordado porque no dia a dia sobram questões de todos os gêneros e nunca falta argumento para todas as conversas. O mais curioso é que por estas bandas os diálogos fluem com a mesma leveza da natureza, parecendo combinação de quem aposta que o oceano acalma todas as almas, não sendo necessário queixar-se. Na chegada ao calçadão emudecem as historias e com certa simplicidade as mazelas que por ventura rondavam o dia se desfazem como por milagre. A reverência ao novo dia eleva o espirito originando oração e graça.

Como se não bastasse a parceria diária na caminhada as duas são vizinhas de porta e ai é aquilo: a conversa começa de manhã, interrompida pelos afazeres da casa, mas como num roteiro bem feito da vida ao surgir a noite no horizonte da serra aparece o arremate. Não é bom deixar nada para o dia seguinte.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Paciência


Quase sempre a reunião era igual a não ser por detalhes que somente aconteciam aos olhos mais aguçados, aos ouvidos mais atentos, aos corpos com jogo de cintura na observância e que por força do hábito eram deixados de lado. Deste jeito peculiar quando a convocação acontecia os atraídos chegavam céleres, sabendo de antemão o que o encontro iria apresentar sem que a mesmice chateasse ninguém. Esta observação fica bem mais interessante quando a gente se dá conta que nem sempre o acostumado continua em boa forma e que a reversão do jeito está sempre à espreita.

O ar livre não era bem vindo porque o sol era defenestrado e o vento igualmente era o algoz da brasa e me faltam dedos para recontar os tantos inconvenientes apresentados. Porém, o entendimento em mil voltas rezava que assim acontecia e não havia interesse em mudar, talvez por uma falta de vontade de se opor, talvez por uma contumaz mania de deixar para lá. Até que um dia as suspeitas de que o ambiente não estava com uma  aura favorável veio chacoalhar aqueles que com olhares miúdos atentos estavam, sem falar nos ouvidos afinados de poucas cabeças que assistiam sem bailar na dúvida.

Não demorou muito para que a percepção de tudo disposto não cumprisse com igualdade a todos, e que os discursos se azedassem mal fosse feita  interlocução de qualquer assunto, atiçando a ira de quem chamava à si o convescote. Entre olhares a galera se perguntava qual foi o efeito de meia dúzia de palavras que provocaram esta quebra no protocolo que sempre funcionou e que ninguém questionava, apenas seguia. Talvez possa existir certo incomodo no individual que anda com dificuldade de permear a  parcimônia  no contraditório ou, quem sabe, em um simplório “mea culpa”. O convescote acabou melancólico, distraído do objetivo e em algumas almas, ferido, distanciando-se para sempre da redenção.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A vida é um sopro



A maratona já estava em andamento há muito e talvez não fosse mais tão necessário aquele esforço físico próprio e dos seus comparsas para que sua voz fosse ouvida um palmo acima dos demais, mas a disposição e o comprometimento de acordar quem por acaso estive surdo às mudanças propagadas era mais importante. E assim foi, incansável e nos braços de quantos o quisessem carregar e de certo modo desatento aos perigos da vida, do mundo e principalmente, do entorno próximo. Em segundos o sorriso verteu sangue e como um sopro o corpo caiu. Não era a hora.

Despertar com o sol e sair para tratar da vida move todo mundo, uns mais confortáveis em centros urbanos, outros menos, mas certamente com olhar cristalino para o horizonte, pulmões cheios de ar puro e mãos calejadas pelas lidas com a terra. Levantar as enxadas, ligar o trator, usar roupas de tropeiro com orgulho se torna o “carpe diem” da vida daquele lugar. Não importa muito se os sorrisos são desdentados e o cabelo rareia cada dia mais. A conversa engatilhada vai andando animada sobre os ventos e as chuvas da estação, se raras, se abundantes. Do nada, como um sopro, as vozes se calam, os semblantes se fecham e as vidas somem diante da avalanche de lama.

Riso fácil, fala rápida, agilidade no corpo impressionante e uma juventude com todas as chances do mundo em aberto. Apenas há que dar uma espiada no universo e escolher. As escolhas já haviam sido feitas assim como todas as nuances para que o processo de uma vida fosse iniciado com afinco. Disciplina e alguns – ou muitos – sacrifícios são exigidos desde muito cedo para quem tem na mira aquele norte.  Em algum ponto a vida foi deixada em cuidados de outrem, como não poderia deixar de ser neste caso. E com esta maneira bizarra detalhes considerados improváveis foram negligenciados e o acolhimento refrescante em uma noite de sono qualquer, como um sopro, incendiou todas as perspectivas.

Bastou ver a fala, a voz e o semblante da mãe para reconhecer o filho. Aquele que deitava a voz nas manhãs em direção a tanta gente que nem dá para imaginar, aquele que com um riso tão fácil constrange carrancudos, aquele que com olhar bravo cintilam os olhos azuis e o vivente fica sem jeito sem saber ao certo se é bronca se é aprendizado. Na duvida, melhor acatar e deixar para depois uma explicação que certamente virá como uma aula importante praticamente impossível cabular. A vida foi essa com uma impressionante unanimidade deixando perplexos gregos e troianos, cristãos e ateus. De repente, do ar para terra, como um sopro se vai. 

** A vida é um sopro é uma frase de autoria do renomado arquiteto Oscar Niemayer.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Perdas



 A mochila da vida anda abarrotada e por mais que a gente se esforce em diminuir seu conteúdo a opção fica difícil, uma vez que pensamos que é o nosso destino reunir e carregar tanto o necessário quanto o menos óbvio nas costas, sem perguntar para que serve tudo isso. É fácil dar uma olhada rápida e encontrar todos os episódios, as fantasias, as verdades, as mentiras e as traições enredadas entre si, sem que possamos, ligeiramente, discernir o que nos favorece e o que não.

A percepção que me acomete é que no compasso cotidiano ao invés de revermos os acumulados vamos, de fato, lhes adicionando outros, seguintes e distintos que farão companhia a todos aqueles que permanecem entorpecidos, arruinados no tempo, intrincados na astúcia de outrem, mofados pelo abandono. Tantas causas perdidas, tantos dilemas engavetados, tantas mentiras afloradas pela simples razão da dificuldade de sermos assertivos quanto ao potencial de descarte que existe no fundo da nossa alma.

Dentre tantas coisas guardadas os espinhos que nos alfinetam saltitam entre lástima antiga – porem intensa - mas, ao nos aproximarmos dos ditos guardados há tantos anos, nos damos conta que aquela emoção foi alterada para um modo sem importância, como se nos houvessem virado as costas e saído de mansinho de nossas vidas. O frio vazio do abandono se instala mesmo que ainda sintamos quentura nas lembranças.

É assim que acontece toda vez que damos uma paradinha para fuçar no bornal apinhado que abarca tanto o que ainda sobrevive no caos das relações modernas como aquelas que apenas nos deixam com ombros cansados e a alma em pedaços. Chegada a hora da limpeza, momento sublime de vazar o que não nos diz mais respeito, abrir caminho para que os amores sem garantia tomem seu rumo para longe de nós. Espaços espirituais lotados de tralha emocional não favorecem a entrada da novidade, da alegria e dos novos amores.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Nossa Senhora dos Navegantes



O mar cintila havendo mais ou menos luz sendo que a maior certeza é que em suas ondas navega eternamente aquela Santa, denominada de Nossa Senhora dos Navegantes. Ela sim é a verdadeira Estrela dos Mares, protetora dos navegantes e viajantes, os de perto e os de longe, os de pequeno ou os de maior calado. Todos estão entrincheirados na sua cauda de proteção sendo ela sempre o melhor caminho por entre desvios inusitados, ondas gigantes, maré reversa, nuvens de chumbo e o que mais se aproveite a natureza de brincar com os humanos.

A tripulação de todas as latitudes se põe em reza intensa ao adentrar o mar bravio ou nem tanto, porque a natureza que o lidera são traiçoeiros, não querendo ofender nosso amado Oceano. Este Senhor de onde vêm tanta alegria e esperança, principalmente uma vez que o ar perdido, toda a manhã alcançando o horizonte, cura todas feridas, ou simplesmente, dá uma trégua no sofrimento, o que já é muito.

Quem se joga ao mar em busca do seu sustento ou de simplesmente aventurar tem em mente a oração certeira para chegar a um porto seguro. Ao entrar em água rebelde melhor se acautelar e ter em mãos todos os santinhos protetores porque desde muito tempo atrás os que singravam os mares pelo anseio de desbravar se agarravam em prece a Nossa Senhora dos Navegantes. Altaneira e serena com um coração forte emanando proteção a quem lhe ofertasse todas as preces.

Para o praieiro da gema, o morador ou veranista de varias castas, a homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes prima pelo sentimento de fé enraizada nos amantes da orla do litoral norte, confirmando o que milhares de anos atrás os aventureiros de todos os mares iniciaram. Amém.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Sem aviso prévio



É verdade que não tinha hora para o contato, é verdade que sempre que se movimentavam os mequetrefes modernos de comunicação era para sair correndo e conferir porque dali poderia vir uma agradável surpresa, uma fala engraçada, uma musica desconhecida e fascinante. Pareceu-me que este achado pelas vias celestiais da internet vieram me proporcionar uma boa companhia virtual, nos mais variados dias e horários, sem pedir licença. Surgiu de mansinho, como não quer nada, dizendo ser de antanho. Demorei alguns segundos para lembrar com a referência do nome, apenas. Como um portal mágico minhas lembranças se abriram àquele tempo com detalhes surreais, não faltando nenhuma cor.

Mas é aquilo, o que nos fez bem aos olhos, ao corpo e a alma na juventude – que é o caso – está em nossas reminiscências mesmo que enevoado pelo tempo. Eu, particularmente, tenho muitas gavetas dentro da minha alma que não vasculho de jeito nenhum. Seja porque emperraram e então lhe viro as costas, seja porque perdi a chave por puro desleixo em relação ao ocorrido ou talvez a brecha em que se embarafustou o personagem minha emoção não tem mais alcance. Este caso foi diverso e no canto da estante memorial os fatos estavam vívidos.

Ainda estão bem claras na minha fantasia aquelas ocorrências que se destinavam apenas a desfrutar das gabolices da juventude, das risadas repentinas e do ir e vir de assuntos menos complexos do que se gostaria. A conexão depois de tanto tempo passado surgiu com seu poder de resgate tão forte que fica difícil não sentir pulsar a empatia estabelecida em tempos remotos, tantos, que não me sobram dedos para contar.

O banzo que me acomete é perder o que a vida me devolveu com outros contornos, mas com muita importância, tanto que com a mesma surpresa do reencontro ainda que virtual, apreendo que os dois destinos andaram juntos apenas com outra vibração. As lembranças são eternas e este abrir e fechar de cancelas emocionais lava a alma.

Agora padeço uma inconformidade porque sem aviso prévio, sem um adeus em letras, sem um gesto musical, sem um olhar de celular, sem assuntos variáveis eu o perdi havendo no ar uma negativa de ousar suposições sinistras. Agora meu olhar vaga - não no horizonte - mas na ausência de notificações.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...