quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Máscara


Consegui finalmente colocar uma venda nos meus olhos, mas tive antes o cuidado de fazer uma escolha preciosa e que retratasse o meu humor que anda pelas tabelas com descalabros de toda ordem. Precisava se mostrar translúcida para que eu não ficasse totalmente fora de controle do que ver. O que eu desejava com esta traquinagem era parecer – pelo menos – caricata ao desdobrar o que vejo pela frente e que se não me surpreende de certo não me agrada. Caprichei no disfarce com esta performance plástica porque é assim que eu quero me comportar por um tempo, acreditando que começarei a passar uma imagem mais fria, mais distante, mais misteriosa e imutável.
A fleuma do olhar que eu vou desfilar por aí tem o objetivo de congelar quem se acerque com falsa personalidade, quem por ventura me olhar com interesses escusos, quem se atreva a imaginar que vai ganhar a minha atenção sem antes passar pelo crivo gélido do meu olhar, da posição refratária a desenganos, criada para repelir com precisão quem ousar ultrapassar qualquer limite.
Eu encontrei este artefato revirando sugestões de fotos, mania minha de achar inspiração já que também, ultimamente, de dentro da minha alma não sai nada que convenha para muito. Assim me sirvo de imagens e vou catando nos seus detalhes algo que preste para elucidar, tirando a fórceps minhas desditas, minhas duvidas, minhas raivas, minhas alegrias, meus escritos. Este feixe de opções existe, mas como um jogo de esconde-esconde resvala, brincando de fazer a gente de boba alegre.
Na perfeição então esta imagem se alojou na minha tela e com esta figura vidrada encontrei a mim mesma com tanta precisão que viver enquadrada tornou-se de repente um forte desejo. Olhando-me de frente assim mascarada, dei-me conta que para não perder o hábito de achar sempre uma saída, escolhi uma “personna” que tem na altura da testa uma dica.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Desconhecidos


Tinha sido dias interessantes, para dizer o mínimo nesta hora em que a realidade já vai se confundindo com o sonho e a expectativa se torna o algoz silencioso do momento e, mesmo que não se queira tudo vai se acomodando como se deseja e a estória vai sendo escrita com aprumo e delicadeza porque sempre parece que desta feita acontece. O tempo passado ajuda muito para que tiremos os pés do chão e se vá planar sobre os dias que ficaram mais alegres, ansiosos e muito, mas muito mais convidativo às conversas de todo tipo.
Desconhecidos vão se aproximando com qualquer pretexto, mesmo os triviais como aquela clássica iniciação de papo “será que vai chover?” e vai seguindo pé ante pé neste terreno movediço em que as pessoas iniciam os tramites para experimentar novos diálogos, novas conversas bobas e outras nem tanto. O envolvimento vai galgando várias etapas quando o terreno vai se tornando mais firme para investidas mais profundas, mas existe ali se conjugando o verbo do mistério que cada alma abriga e tem como norte o seu objetivo interno.
O tempo, o vento, o mar e outros que tais não são suficientes para que se engatilhem conversas de melhor tom e, falta em certos momentos, mais clareza nos desejos e assim vai se formando um bolo com duas caras, onde aparentemente um necessita de ânimo para seguir em frente e outro pensa que a chegada já aconteceu e vibra por isso.
Acontece de pronto a cruzada de passo porque o que parece acontecer de fato não acontece ao outro, mesmo que os passeios porta afora passem soltos e  a sintonia pareça perfeita. Na escuridão da expectativa dual as teias vão sendo costuradas como subterfúgio, não sendo perceptível a armadilha que está sendo tecida naquele momento, cegando a argúcia dos simples encontros. E é nesta hora que vem a baila uma pergunta estapafúrdia, que não fazia parte do contexto até agora, rasgando para sempre o que prometia vingar como um contrato único.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O mar


Se existe alguém que me arrebata para outro plano, que me tira do sério no bom sentido, que destrói qualquer pensamento nefasto, que joga em cima de mim toda a adrenalina que me faz falta às vezes, que me faz sorrir mesmo chorando, que enfeita o dia mesmo sendo ele de certo modo negro, que me deslumbra, que me esfria e me aquece e que me tira do sofrimento frente às agruras da vida – verdadeiras e imaginárias – este cara, é o mar.
Os meus olhos, que estão sempre apontando para o ermo com esta sede de enxergar o oculto, o não dito e o mistério, nunca se cansa de, ao abaixar as pestanas o encontrar sempre disponível, com a sua imensidão de água salgada disposta a derivar seus humores, a refletir a vista na janela, a se solidarizar se por ventura naquele dia minha alma está abaixo da crítica.
Ele concorda com todos os meus estados humorais, se traveste de cinza se circunspecta estou, se alevanta nas tamancas de ondas se resolvo me enfurecer, enrubesce de cor achocolatada se não posso fazer-lhe as honras em minha caminhada descalça, se vinga em grandes vagas se me percebe indignada com o meu destino desde cedo e ouso dizer, que muitas vezes, ele me acompanha na alegria e na tristeza sendo que o vice versa acontece de pronto.
O que mais me encanta nele é o fetiche que ele mesmo se impõe de possuir uma vida própria, como se não fosse a lua e os ventos dos quadrantes a lhe guiar em suas marés, como se os seus movimentos mais viscerais não dependessem do clima, como se todas as suas danças não fossem orquestradas por outrem. Em sua vastidão ele gosta de enganar a si mesmo e vai assim, vivendo como a gente, que teima em pensar que os mapas do universo não guiam nossos passos.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Loucuras


A minha cabeça, na maioria do tempo é oca, mas não este vazio que se imagina ou que se denomina para quem não tem raciocínio para nada e quando se defronta com o ter de tomar decisão ou uma opinião corre rapidamente para a porta dos fundos. Minha cachola tem o vazio como serventia da casa porque assim eu posso, todos os dias, enchê-la de bobagens e no decorrer do período regulamentar do cotidiano, vou destrinchando o que me apetecer.
Posso acordar em um dia com a mente repleta de fantasias, desde as mais românticas – que são minha preferência – até as mais esdrúxulas como, por exemplo, pensar no que fazer se eu tivesse muito dinheiro. Sempre prefiro o romance que, mesmo que não o vejamos, está à flor da pele como se fosse um amontoado de cinzas ainda quente bastando um sopro para emergir em chamas ardentes. Com esta imaginação à solta as alternativas vão se sobrepondo umas às outras ficando até difícil escolher qual vida de amor seria a mais interessante ou importante, qual enlevo permanente faria meu coração bater forte todos os dias da minha biografia até o final. Este jogo teatral, de imaginar-se em estado de dois é realmente provocativo e de certa forma aterrador.
Dia seguinte deixo para trás o amor e seus desdobres e com muita pompa e circunstância como convém ao drama, acordo trágica como se houvesse em mim acontecido algo tão devastador que nem consigo me enxergar inteira, não vejo dentro de mim quem sou, não planejo absolutamente nada para mais de uma hora e todos os filmes mais perversos se acomodam na tela gigante que é o meu coração.
Ainda não satisfeita com o montante de loucura de uma cachola inepta aparece no palco a falta que sinto de quase tudo, das coisas mais comezinhas como me lambuzar com o proibido quindim até a caminhada na beira da praia onde, por ora, andar descalça pode trazer uma bronquite. Mar gelado é para os fortes.
E então vem o final deste sonho que vai alinhando com muita parcimônia tudo o que se deve fazer e ainda por cima avisando que o mar não está para peixe. Baixa o pano.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Minhas feridas



Pisei firme naquele amanhecer porque achei que estava mais do que na hora de deixar aquele sitio que me fazia todo santo dia enxergar a mesma coisa, ouvir as mesmas palavras, talvez com certa variedade nos erros de português que assim, no susto, me entupiram os ouvidos e pela tampa gritei chega.
Além de estar sempre com maresia nas ventas eu também andava descalça e, de tanto assim trilhar me feriram os pés quase que sem sentir. As fissuras nem rendiam dor porque andar estava por ali como se respiro fosse. Assim era, conversa boba e roseta nos calcanhares.
Dei-me conta que na mudança eu não havia percebido que os novos caminhos, além de conter a delicia da areia fina de praia continham igualmente pedras pontiagudas, conchas partidas, cascalhos nem tão limados pelo tempo, e deste jeito - dramática como sou - me fui despudorada, olhando somente para frente e para o alto sem me atentar que existe o terreno e este, nem sempre faz deslizar manso.
Acabei com inacreditáveis feridas nos pés que pensei que se parecia com as gretas da alma por se apresentarem tão finas e com desenhos milimétricos e contraditórios em sua essência porque, ao mesmo tempo em que as feridas abertas ao sangrar têm o benfazejo curativo que estanca de certo modo a dor, as feridas da alma não conseguem este alcance, assim de imediato.
Mesmo assim segui andando com uma ou outra atadura, o que se faz normal quando se opta pelos caminhos de certo modo nem tão bem feitos para se enfrentar a vida que segue ali, toda direitinha, emperdigada e com os algoritmos alinhados.
Não foi o mesmo com o fundo do meu ser, que ao se perceber alinhado com o sofrimento de uma razão inteira não obteve curativos que pudesse cicatrizar tantos, e ao mesmo tempo, tão poucos dilemas. Minha inquietude surgiu dilacerada e à mercê de mim mesma que agora tinha por honra dar-lhe algum sinal de costura das chagas, lavar delicadamente os cancros , fechar-lhe as feridas com delicadeza porque em se falando de sentimentos o que se pede é singela cura.

domingo, 13 de agosto de 2017

Meu pai


Quando penso em meu pai lembro, em primeiro lugar, de um grande jornal e ele por detrás do mesmo me fazendo pensar como seria ficar tanto tempo entretido atrás daquele papel, preto e branco, áspero e que sujava as mãos. Depois, vinha o telefone preto em que se enfiava o dedo no buraquinho redondo com o numero e se conversava com a telefonista, havendo depois, uma longa espera para que o dito cujo aparelho voltasse a tocar. Aí, sim, que sina a nossa assistindo sem nada entender horas e horas de conversas e até hoje tenho a impressão que ele comandava tudo por ali, o mundo e todos nós.  Ultimamente ando pensando que o meu amor por ler jornais e falar ao telefone – que coisa antiga - começou ali, do hábito dele se informar e se comunicar. Para fora, bem entendido. 
A feição dele era muito resoluta e séria, mas se amenizava quando nós os três irmãos nos escondíamos atrás das cortinas do quarto para ele nos encontrar, quando chegava de suas longas viagens. Ele também não ria muito em casa, hábito bem comum nos adultos daquela época, ou, talvez, porque não quisesse nos dar balda. 
Eu lembro também do cheiro dele que rescindia a charuto e em uma época houve o fumo de cachimbo que eu adorava. Gosto até hoje e levanto o nariz perseguindo o aroma quando circulo por algum lugar na cidade que recebe os adeptos. Os hábitos de casa também me vêm à mente como o ranger da porta do armário em que ficava o uísque preferido, o som seco do gelo ao cair no copo e depois o borbulhar da água mineral complementando o drink especial de época. O copo alto de cristal com desenhos primorosos e de cores suaves, eram perfeitos na degustação da bebida. Ele era um patriarca de bom gosto. 
A música clássica ecoava pela casa e quando ele ficou estafado acho que parte da cura veio através dos múltiplos vinis que lhe fizeram companhia em todos os momentos em que se recuperava. Eu ficava de longe, espiando e rezando para sentir novamente o cheiro dos seus tabacos maravilhosos e do buquê de suas bebidas pedindo a Deus que os jornais chegassem aos milhares e que o telefone nos ensurdecesse, só para vê-lo circular autoritário – quem diria – pela casa. Mesmo assim ficava eu em silêncio porque naquele tempo criança não falava. Calada eu já era, então, piorei. 
Ele era um homem poderoso e visionário com todos os seus talentos aperfeiçoados por vontade própria, um autodidata esforçado e com esta vontade férrea andou sempre para frente.  De todos os talentos dele eu não herdei nenhum, a não ser a teimosia.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Ela


Ela está sempre ali, impávida, totalmente à minha disposição com uma paciência de Jó e generosidade nunca vista. Disciplinada, desde cedo da manhã se mostra alerta, imaculada e pronta a me instigar para os desafios da mente, arranjada para uma conversa mesmo que eu tenha dias de especial mudez e escárnio pelas falas e meus olhos cegam não havendo hipótese de me relacionar com ela naquele dia. Confesso que estas fugas repentinas me trazem muito sofrimento, mas não há como ser diferente. Não sou igual a ela que nasce idêntica todos os dias, porque eu sou múltipla e muitas vezes eu estou sem cor nenhuma, minha cara está no chão e meus joelhos se prostram a Deus apenas pedindo piedade.
Eu conheço seus ardis e sua espreita de que tudo se arrume dentro de mim, mas obviamente que eu sou muito mais rebelde do que se possa imaginar e nem com esta prontidão gratuita a se ofertar despudoradamente, eu a levo a serio como o desejado. Muitas vezes quero lhe ver pelas costas porque é por causa dela que sou impulsionada a gravar o que me assalta na intimidade sem que eu possa sequer controlar a história que por vezes se agacha como se pedisse uma trégua e eu, solidária não quero lhe açoitar desnecessariamente.
Então fica assim estabelecido o jogo de gato e rato onde a corrida para prender meus pensamentos perde força ao se deparar com a rocha que consiste a minha abstinência total de demonstrar sentimentos, minha incapacidade momentânea de chorar por nada, o vazio de parceiro para trocar ideias estapafúrdias, as tardes de névoa mental e os notáveis entardeceres de alma aos sobressaltos, sangrando vivamente os tantos modos de transcrever o que me vai por dentro. 

domingo, 6 de agosto de 2017

A ampulheta


Fiz o tempo parar naquele dia porque achei que seria interessante olhar de frente o que andava se apresentando, pois quando a calmaria se expande é certo que as profundezas da vida estão se movimentando e não é pouca coisa o que pode surgir. Então, foi sem surpresa que ao adelgaçar o olhar encontrei as novidades que me levaram para outro patamar, para a percepção de uma certa magia  no presente que se apresentava e não o passado, que vez ou outra vem só para aporrinhar. Na verdade acho até que ele veio se oferecer, mas com roupagens de um tempo tão antigo de viver que o que mais se parecia à nobreza era o que estava ali.      
E assim fiquei pensando que filtro interessante esse que fornece uma oportunidade de estancar o que se está produzindo, de agachar-se à vida que por ora vem avisar que esta dividida, que se acumulam na parte de cima assuntos que precisam ser filtrados, porém a passagem que se abona é muito exígua e haja alternância de pensamento para conjugar todo este imbróglio.
De fato foram me ocorrendo uma por uma muitas coisas que acredito até que não passaram por mim agorinha, mas já andaram me circundando em outras eras, tempos menos formosos, menos reais, menos apressados, mais escuros - por que não - onde a luz do lampião alumiava o necessário pois certamente não me faz sentido clarear espaços porque não conseguimos enxergar tudo de uma vez.
Assim de mansinho foram passando na ampulheta imaginaria somente o que fazia sentido como deixar que a pouca luz fosse sombreando a casa conforme a brisa enfunasse a chama, podendo ela ficar inerte ou cambalear assim como o meu coração. 

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Inesperado


É sempre o inesperado que vem me sacudir, se meter onde não é chamado, levantando as hipóteses enterradas a meio pau, eu sei, mas que de certo as coloquei ali para que aliviassem a minha cabeça barulhenta por natureza e, que de tanto conversar de si para si, esgotou-se. Mas o dia não deu trégua e entrou de sola para me alertar que eu escondi muito mal as expectativas e ao invés de tomarem um chá de sumiço assomaram à minha porta com audácia.
Todas elas se apresentaram como relevantes e, talvez o fossem, se não estivesse gravado em algum lugar que eram fruto de um desejo, da imaginação, de faltas que certas coisas nos fazem sem que saibamos exatamente o que representam, pois como sombras, se aligeiram e se oferecem.
A intimidade com tantos sentimentos controversos alardeou que este rol de insensatez premia por uma degola definitiva o que não tem sentido guardar embaixo de poucos grãos de areia de praia  o que poderia ter acontecido e de fato não houve. Torna-se então o mistério o formato perfeito para vivermos a ilusão do que não foi proposto, do que se passou em raspão pela vida, se incendiou tal fogo de palha, como se tivesse pressa de ir embora, ou, como se de repente se arrependesse de ter cogitado as hipóteses imaginadas.
Olhei com mais vagar e descobri que as ilusões se apresentavam como se fosse um jogo de cartas marcadas e assim tomou lugar na fila aquele olhar comprido que parecia esquadrinhar a alma pedindo ardorosamente para ficar no entorno, um sorriso falso que iluminou apenas por um segundo o recinto, o passeio que serviu apenas para chumbar os passos, o alô fora de hora, o pedido de desculpas que não veio, a prosa prometida que emudeceu a fala por falta de afinidade, a espera inútil, o arrevesado da proposta. Foi assim, como se corresse para o abraço no vazio.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...