domingo, 24 de junho de 2012

Perturbações



Me vi frente a frente a um monte de gente engatilhada e assisti todo tipo de conversa, das corriqueiras à salvação da humanidade e mais um pouco, do país. Topo tipo me aparecia, uns mais magros e velhos, outros jovens outros ali talvez um tanto ressacados e outros literalmente com os bofes de fora. No punhado, alguns bêbados, eu acho. Gente feia e gente  bonita apesar de que, para mim, não existe gente feia porque haverá sempre de ter alguém que lhe considere uma boa presença.

Continuei na observação dos diálogos e dos rostos. Alguns enfadados demonstravam com veemência seu sofrimento talvez por estar ali, talvez pensando que poderia ter mais, ou ainda, com vontade de voltar correndo porque tudo lhe doía na verdade. Viver dói.

Não me escapou a falta de educação e o acinte de alguns afoitos no pedido, tratando o próximo com arrogância. Parece mentira que nesta situação, em que todos estão em suspense, haja quem perturbe a ordem.

Assim, devagar, o tempo foi passando e me parece que um gato passou por entre pernas miando baixinho, a procura do seu dono que não pareceu lhe perceber a presença. Afinal, quem mandou o bichano o seguir? Faz frio, o ar está enxovalhado de um bafão que não consigo identificar direito e a chuva e o vento assobiam nas esquinas aumentando a impaciência e o mau-humor de muitos.

Notei a importância que alguns se davam por passar  a perna no vizinho dando-se à frente sem o menor pudor. Para o ultrajado, nem piscar, uma vez que olhava firme à frente.

Êpa,  chegou a minha vez.

Por favor, uma maminha pequena, limpa, magra e Salsichão do Bola, média.

domingo, 17 de junho de 2012

Conexão



Cheguei ao domicilio escolhido pelo meu coração e por esta nova fase da minha vida, que insiste em fazer as mudanças sem que eu possa contrapor, e muito rapidamente me instalei arrumando o espaço para então, muito tempo depois, me conectar. Engraçado, pois normalmente me grudo nas teclas antes mesmo de guardar a comida e gelar o vinho. Desta vez foi diferente e impulsivamente resolvi deitar o olhar para o mar, para a rua deserta, as garças na espera, os quero-queros na espreita de gritos estridentes. Final de tarde e o enorme prazer de simplesmente estar. Novamente.

Na escrivaninha fui fazer as conexões de meu computador e percebi que o havia esquecido. Simples assim. Levei tudo da maleta tecnológica, menos o cérebro. Uma espécie de torpor tomou conta de mim, gelei e comecei a fuçar em todas as bolsas, olhei mil vezes a mochila encarregada do transporte da minha vida online e nada. Esqueci mesmo.

Passado o primeiro susto resolvi então que seria muito legal ficar sem computador e, de certa forma, sem cérebro, sem meu HD externo e me fui a perambular pela casa desmiolada da rotina, uma vez que os rabichos da tecnologia me abandonaram. Minha cabeça viva falhou descaradamente deixando para trás meu dia a dia.

Virei uma carcaça de carne sem valor de mercado pois destituída de um cérebro moderno.

Senti um vazio imenso e um vácuo que foi preenchido por ficar mais tempo na cozinha, ler os rótulos dos vinhos, rever todas as etiquetas de produtos que eu comprei na corrida sem nem sequer olhar a validade e muito menos o preço. Dar um look naquela revista cheia de pó que me espera há semanas, pinçar aquele livro da quinta fila e revisitar minhas anotações de anos atrás e verificar que não lembro do que eu estava pensando ao sublinhar aquilo e, desta feita, anotei outras coisas.

De vez em quando eu lembrava do computador mas logo o esquecia tal a sedução das atrações offline. Tratei de colher umas flores e colocar no vaso, bati um papo desconexo com a vizinhança, mudei a posição dos tapetes, ajeitei as cortinas. Sentei, pensei no que mudar para quando o verão chegar. E o tempo foi andando leve, sem sustos e sem surpresas. E sem conexão.

Tudo que eu descrevi acima era o que GOSTARIA de ter feito.

Dei meia volta na hora....

domingo, 10 de junho de 2012

As ponteiras do dia


Inexorável o dia, todo dia, que aponta as orelhas sempre variando a situação de clima e geografia, pois ele, contumaz, nos afronta com sua largueza e luz, deitando sobre a gente mais uma chance de vida.

Acintoso, nos obrigar a rolar ao chão e escolher que alimento nos fará nos entregarmos à rotina, com prazer ou desprazer, uma alternativa nem sempre nossa.

A bebida quente ajuda o despertar e quase sempre nos acaricia deixando a mente alerta e tão otimista que, aparentemente, não haverá nada no mundo que vai nos tirar da animação.

A paisagem é outro aliado e cada um tem a sua determinada por onde escolheu habitar, nos cobrindo de alegria quase sempre. No mais, para tocar a tropa, tem que se ter coragem.

E lá se vai o dia a trote, uma sorte que ande sozinho os ponteiros porque muitas vezes o queremos fazer parar. Para o bem ou para o mal. Não importa, pois sobre eles não temos ingerência alguma.

E chega o fim, como tudo, do dito cujo DIA. Chegou mais uma vez a hora de apagar sem olhar para trás nem fazer balanços inúteis, sem versar sobre a futilidade que te enlaçou sorrateiramente e te levou para um campo minado. Sem reclamar da traição, do maldito e malfeito que te fez uma visita inesperada e que melhor foi deixar para lá.

De instante a instante em que as luzes baixam, a vivacidade fenece e tudo o mais fica para trás é também o tempo de dizer.

Amém.

domingo, 3 de junho de 2012

Face a face



Já vai longe a divertida parolice que de tempos em tempos assolava meus dias resultando em trunfos letrados jogados na vida. A mente fervilhava de conversas desarrolhando a boca e buscando entre muitos os assuntos.

Não canso de rosnar sobre a mesma coisa mas também não esqueço de lembrar que tantos inícios se dão a partir da tagarelice alheia sendo uns mais produtivos e outros nem tanto.

Na busca constante de não deixar escapar palavras me vem à lembrança as conversas hilariantes em que a diversão era jogar fonemas para todo lado, restando depois um cansaço mental e uma serenidade que não me era peculiar, mas que em outrem, significava seu maior trunfo.

O rendilhado de frases  afoito me jogava na frente do crítico interlocutor que airado se punha a me reescrever abalroando minhas palavras, se divertindo em ser eu. Travestido de marionete ousava pinotear entre vírgulas não tendo a coragem de se expor, entretanto. Covardemente se ocultava de mim e de si mesmo  e com este jeito roto saiu do ar.

Para minha surpresa, eu o vi tal e qual, colorido, sorridente a me esperar num canto de uma sanga. Impecável, de cachecol azul marinho, paletó listrado e cabelos loiros muito bem apanhados para o lado, como lhe era peculiar. Os olhos azuis, sempre zombeteiros, sorriam alegremente e suas mãos acenavam em minha direção emanando muita alegria.

Acordei. 

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...