domingo, 4 de dezembro de 2016

Silêncio


O dia se derramava como tantos outros, mas naquela manhã ele surgiu possuído por estranhas vibrações que fluídas se pareciam a pequenos raios de luz que cintilavam por entre a natureza morta e a muito viva por aqui. Havia muito brilho e percebi a ausência do vento e de sons os mais variados. Também os pássaros em minha janela se conservaram silentes e mesmo andando meio surda para todo o barulho do mundo, senti a falta do trinado estridente que me acorda da delicia do sono profundo, que avisa ao meu corpo para se mexer porque já é hora e que me faz sorrir mesmo que eu esteja acordando em prantos.

Continuei observando este coma desta manhã, em que aparentemente tudo parou e fiquei imaginando que pode ser que esteja sendo dado um recado aos moradores desta galáxia que se debate entre formatos os mais variados de viver a existência, que em sendo única tem de ser bem escolhida. Os minutos tão preciosos para quem não tira os olhos dos marcadores se estancam e se recusam a mover um ponteiro sequer deixando em desespero os viciados na contagem, os rebeldes sem causa, os desafortunados em busca do tempo perdido, os salvadores de si mesmos e os que mudam a rota a todo instante buscando a melhor e maior biografia.

Nesta manhã inédita o vento também estancou todas as brisas e neste feitio fica sugerido que nenhuma vela se aventure ao mar, nenhum pólen seja distribuído com a costumeira generosidade, nenhum grão de areia deverá acobertar os buracos dos siris, nenhuma onda se alevantará um milímetro a mais do que já se encontra, reunindo deste jeito a natureza que executa em larga escala matinal seu discurso mudo.

A parecência com esta vida imóvel sugere que se fique ao largo dos movimentos e se concentre o pensamento nas tantas inutilidades que permeiam o dia a dia, a vida de trabalho, os afazeres de soma abundante, a teimosia em acelerar e a desdita de querer sempre mais. Depois desta parada estratégica que serviu para dar um gostinho da paz de verdade, o tempo começou a correr novamente, os segundos a se somar nas horas, nos dias e a eternidade no modo automático ficou bem mais perto.

Nenhum comentário:

Sequestrados

  Coloquei o pé na rua, olhei para um lado e para outro, olhei de novo e de novo e novamente e não encontrei uma pessoa sequer para dar meu ...