quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Passando a limpo

A energia do momento está fazendo que o meu pular da cama ocorra muito cedo e nem bem o sol me deu bom dia começo a faxinar tudo o que me aparece pela frente, mas, apesar do pano na mão não ando conseguindo encontrar por aqui sujeira mais densa, salvo uma ou outra melação de maresia que certamente muito me agrada e quando as percebo lanço mão de uma flanela bem macia que não há de machucar o pouso cristalino que vem do mar e acha por bem se achegar em um ou outro objeto da casa. Aroma e brisa praiana são muito respeitados por mim. 

Este volteio tão madrugador me fez enxergar o invisível e o que pode haver por detrás desta aparente limpeza do ambiente montado parecendo, a mim, surgir da neblina, que sói acontecer vez ou outra, algum suspiro escondido, um sorriso cínico, uma fala mansa que traz um rebotalho astral se insinuando pelas frestas, pelos cantos da veneziana, pela fechadura, pela janela mal fechada quem sabe até rastejando por debaixo da porta. 

Por sorte, além da minha flanela clássica tenho a minha mente desperta para o lixo cósmico que por ventura ouse aportar por aqui e assim me apoderei daquela vassourinha mágica regida pelos meus pensamentos. Aprumei a mira porque a sina da falsidade tem como destino a sanga que por aqui se atravessa em busca do mar e logo ali irão se misturar em hilária alegria, com os moradores do quebra-mar, sal a gosto, tatuíras esfaimadas, caranguejos em posição e mães d’agua mortíferas. Nada  mau. 

Na sequencia bateram na porta, eu abri de par em par, pois sempre penso que pode chegar uma boa visita e qual não foi a minha surpresa, enfileirados, sorridentes e com bênçãos nas mãos surge meus amigos da “nuvem”. Ali estava ela abrigando com pompa e circunstância todos aqueles amigos que circulam pelo planeta e moram no coração. Feliz Ano Novo.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Dadá

O apelido já vem dizendo a que veio, pense em uma senhora que viveu nos tempos mais antigos, os tempos em que eu era criança, feliz, brincava na rua, em terreno baldio, amava tanto a praia e a beira do mar que nas épocas de veraneio eu ficava com a maresia fincada na ponta do nariz e chegar pertinho das ondas do quebra mar e ver aquela imensidão me sugeria certo frenesi. 

A Dadá fazia parte da vida dos amigos de praia e tinha uma compleição física que posso lembrar muito parecida das avós daquele tempo, com busto alto, uma cintura um pouco mais larga, uma altivez, domínio e seriedade na condução maravilhosa da criançada o que me traz à lembrança o respeito e o carinho que a gente tinha em relação à obediência e disciplina gentilmente imposta. 

Lembro que para sair para a praia com a minha amiga eu tinha que passar por certo protocolo na casa dela, voava da minha para lá e acho que na minha casa não tinha isso de saber por onde eu andava, pelo menos não me lembro de perguntar ou informar a minha mãe o que parece um pouco a minha cara, tipo: Fui! 

O que eu mais gostava ao entrar na casa, com uma arquitetura linda, simples e praiana, sempre com as portas abertas era o
 “cheiro” da residência que rescendia a pão torrado com manteiga e café com leite e eu sempre era acolhida com largos sorrisos. Adentrava o recinto antes do horário e tinha que aguardar que minha amiga cumprisse com as tarefas de arrumar a cama, e tocar meia hora de gaita. Neste horário, eu sentava junto dela e a Dadá ficava circulando, cantando as canções e mantendo o ritmo. Era uma família com seis crianças e a Dadá, avó, comandava a trupe, a mim e outros.
 

Hora do banho de mar e me vem à mente a Dadá “boiando” no mar e as crianças em volta. Ela era nosso salva-vidas, nosso porto, nossa âncora. A vida, sempre ela, nos apartou, mas seguimos sempre juntas no coração e não há vez que eu não sinta a maresia enfunando minhas cortinas que eu não lembre daqueles dias em Torres na minha infância com a minha “amiga do peito” Maria Regina e sua adorável avó Dadá.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Feliz Natal

  

Montei minha árvore de Natal bem no meio da sala para que ela ficasse à vista na circulação e que não passasse despercebida para ninguém que por ali aportasse por qualquer motivo. Aliás, os motivos existem, mas andam sendo demonizados e tocados para baixo do tapete deixando de existir como mágica. 

O estranhamento correu por conta da minha opção na escolha dos enfeites porque preferi abrir a caixa dos sentimentos que estão represados em um estojo invisível a olho nu e que se encaixou perfeitamente dentro da minha cabeça compartimentada e rumorosa e ali se quedam pacíficos e com certa paciência deliberada. 

Com muita atenção fui buscando um a um os melhores sentimentos para dependurar e deixar bem à vista nos galhos pontiagudos do pinheiro que sangraram meus braços e mãos nesta tentativa insólita, parecendo de certo modo não querendo aceitar que eu determinasse por minha própria conta qualquer outra ação que não fosse os tradicionais enfeites, aliás, engavetados nem sei bem onde. Não me importei, pois era importante alcançar todos os espaços da bela árvore que se oferecia sem resistência a mim. 

A inspiração veio me visitar e naquele momento me pareceu que havia feito a escolha certa tirando da cachola a Paz colocando-a bem no alto, uma vez que visualizei sua luz branca se espalhando por toda a casa. Na sequencia, entrou triunfante o Amor que, todo exibido, foi parar na ponta de um galho e assim correram os correlatos se acomodando rapidamente: A Fé, Amizade, Gratidão, Compaixão, Admiração, Satisfação, Alegria, Afeto, Confiança, Empatia e Esperança, esta ultima se posicionando com bastante clareza. Feliz Natal!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Neurônio queimado

Percebi que eu estava com um neurônio queimado quando procurei algumas referências rotineiras e não as encontrei e me dei conta que andava por ai deste jeito interessante e me sentindo muito bem o que me parece incrível, imagina a área cognitiva tendo um buraco, uma falha e nem por isso senti algo diferente. Não me preocupei muito e na verdade até gostei porque logo passei a imaginar que o faltante ou sobrante estava me favorecendo de certo modo. 

Passei a me investigar de verdade para ver se eu conseguiria - em primeiro lugar – sentir o que estava faltando em mim porque afinal de contas neurônio esturricado é significante. Foi um pouco difícil confesso, uma vez que as manhãs têm sido muito iluminadas e as fragrâncias de que disponho me fazem quase ser outra pessoa. Será que eu gostaria, ou poderia? Não, claro que não... já está de bom tamanho me reencontrar depois de todo este tempo na terra. 

Continuei pensativa que sempre foi minha característica e cada vez mais ela se aprochega e cada vez mais fico feliz de ter este reencontro e então surgiu algo mais conveniente para analisar e ter clareza do que andava me rondando sem que eu me desse conta com rapidez. 

Na sequencia não consegui enxergar com nitidez o que foi embora com aquele dito cujo componente do meu cérebro, mas a intuição me diz que se escafederam coisas do baixo clero, fiapos que me atrapalhavam e apareceu em seu lugar um lindo espaço azul, ensolarado e calmo. Deu para ver com muita pureza e alegria que o meu espirito se elevou, a emoção está acionada e pulsante, a saudades age como um bálsamo curador, a presença se tornou etérea, desconhecidos ocuparam lugar importante na vida e no coração, os minutos perderam um pouco o sentido, o espaço na mente ficou infinito e o físico exíguo e interessante, a natureza agradeceu, o sol continua animado, a lua vem sempre romântica os astros mais do que alinhados. Este neurônio se sacrificou para deixar vaga para a Fé e a Esperança.

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A bolha

Já sai porta afora tantas e tantas vezes, algumas levando uma mala cheia que pesava mais na minha alma do que nos ombros e quando cheguei ao destino me dei conta que andava carregando peso em excesso e muitas coisas inúteis. Assim, além da mala se foi o conteúdo. Também já me evadi com a mochila aquela pequena que fazia parte de mim no vai e vem da vida, mas, quando decidi somente ir ela também não teve mais serventia e está ociosa esperando que eu me liberte de algo que nem posso imaginar o que venha a ser, ou, vai ver que ela está de olho em mim aguardando que eu mude de ideia. 

Por ora embarquei em uma bolha imaginaria porque de certo preciso com premência fazer mudanças efetivas no que anda me entrando de vereda pelos olhos e ouvidos deste rolê mundano e gago que singra em tantos e todos os mares. Vou acomodar meu olhar na transparência que eu desejo ter na minha volta e para que isto aconteça se faz necessário enxergar o que parece invisível a olho nu. 

Me aboletei ali muito determinada, fui rolando bem devagar por entre as opções que a mim se apresentavam, todas muito bem vestidas, algumas com muitas cores, outras em tom sobre tom contrastando com o monocromático. As letras todas eram garrafais muito bem acomodadas em elegante aparato. A ordem ali me pareceu que, desta feita, há que se escolher com urgência alguma das opções e assim segui, rolando por ali como se fosse fim de feira dentro da minha bolha vazia de sentido. No fim do caminho resolvi que ficaria por mais um tempo acomodada nesta bolha esvaziada do sentido de outros.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Dezembro

 

Ele sempre chega com a bola cheia, animado, e por aqui, pelas bandas do mar não consegue se conter de tanta animação porque de certo, gosta de ser o Rei da Várzea que termina um período e encabeça o outro, trazendo para o lugar toda a traquitana que o povo possa carregar. Na esquina é anunciado como sendo potente e exuberante não importa se tem vento, o mar de ressaca o povo apinhado, o que vale para ele é que todos lhe têm voltado os olhos e a admiração por encabeçar um fim e a soberba de dar a ver um inicio. 

Por este – ou estes – motivos a gentalha esbaforida se acumula pelos cantos dos confins da terra como se não houvesse amanhã ou como se efetivamente o fim do mundo fosse acontecer logo ali no fim do dito mês. Ledo engano, e eu, nesta fase de pouca coisa frente ao mundo admito que bom seria se o fosse, porque gostaria de assistir do “Camarote 70” o Universo dando conta da faxina real e não imaginária que na minha ideia daria uma boa aliviada na carga. 

Nem tudo são sonhos de apocalipse e a Roda Gigante do mês de Dezembro começa a girar sem freio espalhando como praga mortal necessidades nunca antes imaginadas, do nada o que se tem em casa ficou velho repentinamente e necessita ser renovado, a cada clic nas Redes Sociais surge aquela premente falta que faz na sua vida coisas que sequer haviam passado pela cabeça, é imperioso vestir-se com as cores que detesta, beber até cair porque senão, não vale o brinde, e, principalmente assistir, de pé, pela “Rede” extrema e completa felicidade das Famílias nas comemorações. 

Um pouco escanteada, com voz esganiçada e rara timidez a Realidade da Vida surge neste panorama - que nunca se cansa de estar caótico – dando uma pinta de que nem tudo está perdido. Pasmem, há luz no fim do túnel se o houver um breque minimamente radical para que haja um tempo de incorporar o Verdadeiro Espirito de Natal. Voilà!

domingo, 6 de dezembro de 2020

Pelas frestas

 

Meus olhos andam vergados nas frestas que pululam no espaço físico, acantonadas e à disposição de terem seus rasgos exíguos invadidos pelo olhar que por ora se dá permissão para o mínimo, uma envesgada para o lado de fora e assistir o mundo exterior se processando com relevante discrição e lerdeza me apoderando assim do que posso vislumbrar por entre cortinas, vão de veneziana, fenda na madeira, racha na parede. 

Coloquei o mar na mira com um recorte horizontal e fiquei em duvida se mirava o horizonte com seu manancial de água verde e profunda dando a entender que os segredos ali guardados vão além de uma mirada entre persiana. É de imaginar que por ali estão escondidos os segredos dos náufragos, da fauna e flora profunda, dos afogados, dos barcos que foram a pique, dos destinos alterados pelo vento e a maré. Decidi ficar com a vista presa nesta tira como se eu fosse um marinheiro de primeira hora. 

A frincha escolhida atravessou com vertical importância a rua parando na murada do arvoredo em frente que canta e dança o ano todo no balanço dos ventos da praia que depois do sol reina absoluto, balançando perigosamente os ninhos, assustando as pernas envergadas dos velhos, alevantando a saia da mulherada, fazendo os chapéus de aba larga voar e muitas vezes não serem alcançados, arrematando com o espraiamento das sementes, mas não sem antes se dedicar ao que mais gosta: devolver as areias da beira da praia ao seu devido lugar. 

Diminuir a vista do entorno trouxe meu olhar para dentro internalizando o prumo dentro de mim e assim o passeio neste interstício aponta os livros, companheiros fiéis, que mudos e empilhados com determinada graça, aguardam meu olhar, meu carinho com flanela em punho lhe tirando de cima o mundo que se pulveriza por e entre eles. Será nesta greta interna que me quedarei, por ora.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...