quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A ressaca


Chegar ali, na casa de praia, sempre sugere o aprofundamento de um sentimento quase infantil que vai se somando a outras sensações quando se inicia a abrir portas e janelas do lugar que é sempre muito especial para todas as famílias. Praianas da gema ou não. É ali que ocorrem todos e tantos encontros, é neste lugar que acontece o convescote anual da vizinhança e desde jeito se parte para comemorações sem fim. Os espaços respiram lazer, descanso, mente aberta e olhares que em todo momento vão buscar em alto mar um pensamento, um alento, uma palavra, uma poesia tosca, refluindo tudo o que foi arrematado para dentro de si. Flutua-se em puro descompromisso.

Estes lares residentes ou de passagem tem apego intenso com o mar que está ali sempre à disposição e quando acontece algum evento climático, como um ciclone extratropical, vem demonstrar a força que ele tem e que nos passa despercebida no dia a dia. E assim o vento tão necessário para transportar sementes para muitos recantos terem uma florada distinta, podem também chegar com violência duvidosa a mando da natureza. E assim, com toda inocência, vê-se um adorável oceano movido pelo vento desgovernado se elevar em ondas gigantes, não aquelas perfeitas para o surf, mas sim, impulsivas, parecendo destinadas a cumprir uma missão do clima, que neste dia disse que tinha no alforje um discurso que não estava romanticamente engarrafado e jogado nas areias da praia.

As pessoas se achegaram o quanto puderam frente ao mar e atônitas presenciaram a natureza aumentando o tom de sua fala, arrastando consigo casas inteiras, atravessando o passeio público, se alargando rua afora como se fosse comum e original sua passagem por este caminho, ou como se fosse bater na porta de um vizinho para pedir uma xicara de açúcar, de tal jeito íntimo e decidido que se adentrou nas várias ruas de muitos bairros.

Foi deste jeito que o clima, que possui uma alma encantadora provendo a natureza com todas as suas milagrosas erupções, ao invés de encantar seus adoradores os fez correr para salvar alguns pertences, os fez acelerar para não ser tragado pelas águas irreprimíveis. Sem reação, mil olhares se firmaram no desmoronamento sôfrego das dunas, das calçadas e dos seus negócios tornando o episódio quase inacreditável.

Na vida de tantos uma reação atávica junto ao desastre. Assim como o mar voltou ao seu curso, estes moradores buscam dentro de si toda a alegria que estas praias os proveram, durante tantos anos, e, deste jeito assim, bem simplório, decidem não se dar por vencidos.


Nenhum comentário:

Sequestrados

  Coloquei o pé na rua, olhei para um lado e para outro, olhei de novo e de novo e novamente e não encontrei uma pessoa sequer para dar meu ...