quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Primavera

O mundo gelado faz força para romper os grilhões do longo inverno, porém, não está sendo fácil se afastar das lareiras, dos cobertores, da panela quente na chapa do fogão, das estufas, pantufas e cachecol. Assim o tempo preguiçoso vai alongando a friaca parecendo que está com medo de se despir da traquitana invernal e sair por aí de sarongue, chapéu de palha e pés descalços. 

O clima avisa que a mudança tem que vir e rápido para não ser responsabilizada por prender o frio entre quatro paredes e negar à natureza que se transforme de gelo em flor distraindo assim a fauna e a flora que estão sempre de olho no frio, no calor e no mais ou menos, que, aliás, não é simpático a quase ninguém. Do meia boca nunca sai nada que preste. Parece. 

E assim o vai e vem dos dias segue seu ritmo emburrado não querendo ceder à chantagem da temperatura que tem a intenção – apenas ela por enquanto – de subir alguns graus para que deste modo possa se distrair com a parafernália que a natureza se impõe frente à mudança de estação. 

A primavera, que anda custando a dar as caras, quer ouvir a explosão de vida que a natureza proporciona para assim alegrar seus dias e poder mudar as trilhas que abrigaram passadas lentas e pesadas, que arrastaram correntes de tremor de frio e olhar apagado apenas enxergando o trafego perigoso do acontecimento de tempestades de todas as origens. 

Por fim, fui dar uma olhada na beira do mar e por lá a frigidez transborda das espumas da maré para lavar as areias fustigando a bicharada que se evadiu para os cômoros na intenção de somente dali sair quando o sol aparecer com força de verão, o que não deixa de ser uma temeridade, mas como o mundo dos bichos só acontece no vai e vem do clima, sentei por ali, na espera. Um dia o inverno decide – por fim – dar passagem a Princesa do tempo, a Primavera, que por ora está se aprontando...

sábado, 18 de setembro de 2021

O tempo cura

Agarrei-me com toda força naquele imenso relógio antigo que surgiu do nada na minha frente esta manhã, como se quisesse me desafiar frente à vida e ao mundo, talvez porque, quem sabe, de pronto não ando me importando com suas passadas de tic-tac, não autorizo que me perturbe e muito menos lhe presto atenção. Ando sempre com o olhar empinado para o céu e o movimento dos astros me guiam durante o dia, assim me colocando atenta e dona do tempo que pode dar a impressão de passar rápido, sumir de todo ou restar escondido atrás de algum acontecimento, lembrança ou emergência. 

Fiquei prestando atenção singular ao movimento que ele fazia para se aproximar, parecendo que queria fugir, se estraçalhando na atmosfera para me provocar a uma reação, tenho certeza, afinal, não lhe tenho a mínima relevância nos dias que seguem, resolvendo meu tempo com a luz do sol, a claridade da lua, o norte das estrelas, os pingos de chuva, o passeio de nuvens e trovões que ribombam de vez em quando. 

Percebi que todo este estardalhaço para me chamar a atenção poderia ter um bom motivo – dele é claro – e assim o segurei pela corrente que quase me arrastou junto e este movimento me fez perceber que ele estava de fato pensando que eu estava distante dele o que trouxe preocupação ao seu mecanismo sintomático de contar os dias e, de certo modo prevenir para que meus passos não se tornem mais erráticos como ora o são. 

Chamei-o para bem perto, pedi que não se esfacelasse deste jeito e prometi que doravante vou regular o imenso relógio da vida com os ponteiros que somente se movimentarão a meu pedido, assim volto ao passado, passeio pelo presente e sonho com o futuro em sua companhia, mas ao meu bel prazer!

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...