domingo, 5 de maio de 2013

Academia II


Escrava ou dependente de academia. Escolha o mais apropriado, mas a verdade é que eu sou uma destas, ou as duas, e lá me vou ao paraíso dos apaixonados por seus corpos, músculos e definições, inúteis ou fúteis, todo dia. Mas como há gente para tudo, o tal recinto equipado com ferro retorcido nos mínimos detalhes abriga uma fauna digna de muitos relatos. Mas todos na busca da saúde.
Nesta academia que agora freqüento, só tem som bate-estaca mas é proibido falar alto, fazer turminhas e agitar. Baixe a cabeça e trate de sair logo dali, porque a densidade demográfica no espaço, que é enorme, também é grande.

O que me chama a atenção neste lugar não é exatamente o ambiente e o clima mas, os detalhes dos freqüentadores. Quase todos chegam com a  cara tão amassada que com certeza teve alguém que lhe chutou da cama, ele bateu no tapetinho, pegou uma garrafa de água e se foi. Chega meio atordoado, com marcas de lençol no rosto e, evasivo como um sonâmbulo, anda pelo recinto com a ficha na mão, sem saber aonde ir. Conceito moderno desta academia: cada um por si.
Outros chegam saídos do banho com certa pose cumprimentando o “personal” com um tapa nas costas digno de fazer cuspir o café da manhã. Ali se inicia o ritual de conduzir o aluno pela mão, carregar os pesos, puxar o saco e falar sem parar toda e qualquer bobagem.  Conceito moderno: 1 + 1 = 2 e assim sucessivamente, se multiplicando e explodindo nos incensados metros quadrados.

Parto agora para observar o balcão das fichas dos alunos colocadas em um móvel. Ali é o recanto do status por aqueles que ignoram o reles vestiário com armários para colocar seus pertences e, inconformados com a obscuridade, preferem deixar em cima do balcão, de maneira muito casual, seus ícones como uma única chave solitária com a marca Mercedes, telefones celulares  que fazem um duro contraste com o molho de chaves com penduricalhos tão estranhos que fica difícil imaginar a feição do seu proprietário.
Mas nada é mais singelo do que a chave do carro que não é mais chave, é um cartão, colocado displicentemente como se nada significasse, no meio de tantos objetos contraditórios entre si. 

Finalizando meu treino relâmpago que acontece todos os dias, paro para assistir o desfile das meninas que saem do vestiário pisando forte com o salto 8 no piso flutuante, reverberando vários tons acima do bate-estaca, com a retaguarda malhada empinada, saia lápis, cintura marcada, maquiagem excessiva, colares e pulseiras cintilantes, cabelo fake tipo piaçava. Antes de sair porta afora, dão voltas e mais voltas, falando com um e outro, para se certificarem que todos as estão observando.
Entro muda e saio calada, mas desamassada.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

As diaristas


 
Uma delas trabalha na capital e é levada por dois ônibus, para lá e cá,  todo dia, para cumprir a tarefa de vários patrões, cada um com seu perfil. Camaleoa, adotou um perfil pedinte que se relaciona com todos como estando sempre em falta, sempre no fio da navalha  e com suas contas atrasadas. Ela tece sua teia de “salvamento” para quando precisar.

Ela está embarcada no trem da vida desumano que somente existe para gerar necessidades materiais, e dali não consegue apear. Ora é a cozinha, o quarto, a sala, a geladeira, o fogão, a prateleira ou a reforma do barraco e o puxadinho. Também ajuda o filho que bem novo já casou, já tem filho e precisa da mãe para seguir a vida. Trabalha e cumpre com seu oficio, porém carrega nos ombros a força e o peso da demanda que ela pensa precisar.
A frase que ela sempre repete é que “não passa vontade”. Isto quer dizer várias coisas e só vou comentar uma, pois me chama muita a atenção:  a alimentação. A desgarrada elegeu toda a comida que faz mal à saúde para alimentar a si e a família porque, penso eu, para ela este consumo está associado a algum “status”. Ninguém elege um pé de alface como sendo algo precioso a ser consumido. A conseqüência do sobrepeso e os riscos para a saúde não a incomodam assim como a falta de quase todos os dentes.

Tudo por um, ou vários, carnês.
A outra trabalha em cidade pequena e utiliza a bicicleta para fazer a visita aos seus patrões. Como a primeira, todos diferentes e com vários perfis. Alegre, sorridente e muito fiel, quando demoro a aparecer, por conta própria vai dar uma reativada na faxina que faz tempo que fez e, por qualquer motivo, eu não pude ir e aproveitar.

Deixa bilhetes carinhosos e pede desculpas por ter entrado para pegar o pagamento que deixei em cima da mesa, porque apressada tive que ir embora. Atende ao telefone, sempre que eu ligo me chamando de “querida” e já vai perguntando como estou e como vai meu irmão.
Sempre sincera e pura, chega de surpresa na minha porta para bater um papinho que eu agradeço com um cafezinho bem passado na hora. Sentamos na copa para trocar uma idéia que passa longe, bem longe do consumo, do dinheiro, do ter ou do dever. Às vezes eu a encontro na cidade vizinha ou no supermercado e trocamos palavras como velhas conhecidas, ela, sempre bem arrumada, sem reclamar de nada e de muito bem com a vida.

 As duas são generosas quando fico doente. Uma diz que eu sou rica e ela é pobre a outra sempre me abraça quando chega e  gosta de me dar conselhos e de me criticar quando minha fala fica cinzenta.
Com a primeira estou sempre em divida parecendo que estou em falta com ela, com a outra, sob o mesmo prisma, estou sempre com muito crédito.

Uma trabalhadora escrava do ter, outra livre para ser.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...