quarta-feira, 28 de março de 2018

Aquelas cinco



Estão juntas, mas de certa maneira percebo que existe um aparte e não é de hoje. O quinteto que se estabeleceu na beira do mar - sabe-se lá por qual motivo - resolveu que seria bom filtrar a paisagem, se misturar entre si, deixar o sol entre galhos, empanar o oceano da vista de quem mora mais para trás.

 Acho que é uma brincadeira da primavera que fica revolvendo sementes, desafiando pistilos, estames, anteras e que tais a se espalharem pela orla e polinizarem sem critério o solo. Assim nasceram aquelas ditas, mas uma delas já recebeu do mar algumas surras bem sovadas porque se encontra desfolhada e com seu esqueleto aparente.

Tenho uma inveja seríssima delas porque vivem de cara na beira da praia e podem ter uma interlocução com o mar genuína e da melhor qualidade. Podem se divertir com as areias a invadir seus galhos durante o sopro do nordestão, podem cantar entre guampas com toda a gana de suas folhas que dificilmente alguém poderá ouvir e assim elas vão levando a vida. Indomáveis e senhoras do campinho.

De longe me pergunto como seria se eu ali estivesse morando, ao lado, embaixo ou bem pertinho. Certamente eu agiria como elas, me espalharia o que pudesse para ter vista ao mar, romperia o fundo da terra em mil mudinhas para que estas acompanhassem a minha morada e assim eu me cercasse com toda  circunstância do prazer de ter na frente a fuça do mar a me observar. E eu a ele, hipnotizados.

Mas sem duvida o que mais me chama a atenção é a parceira que, sem vida, ali se encontra de pé e impávida, sem suas folhas a lhe proteger e a lhe encantar, sem roupagem e à mercê de toda a intempérie que tem suas características exacerbadas em todas as estações neste fim de mundo.  Penso que a estreita proximidade com o oceano permite que se tenha um fim digno e arrebatador.

terça-feira, 27 de março de 2018

A Fé



Este lugar abençoado é assim: depois da euforia do verão o lugar se acalma e dá lugar a uma quietude que lhe é peculiar, mas que também atende o estado de espírito de todos os cristãos que se recolhem instintivamente preparando-se para a passagem da Páscoa quando se comemora a Ressureição de Cristo. A natureza por si mesma vai dando a letra que é melhor baixar os olhos para dentro de si buscando a prece para acompanhar os eventos que se iniciam com a Quaresma.

Já não se fala muito alto nem se houve ruídos de tantas festas, o mar se acomoda também e os ventos vão parando de soprar, o sol se enfraquece e tudo inicia com a palavra “menos” na ponta da língua. Conversas são sussurradas, o apetite já dá mostras de estar em certa crise assim como todo o alimento com pinta de excesso cai fora da mesa. Um jejum leve já faz parte desta rotina de devotos que agradecem todos os dias o belo lugar de viver e fazer orações.

O silêncio, que por aqui é imperativo, de certa maneira induz os crentes a um apaziguamento nos ânimos provavelmente para sentir o que a história de Cristo tem para transmitir. Mesmo que a celebração se repita anualmente, nem sempre nossos corações estão disponíveis e receptivos à palavra de Deus.

Do nada, como se fosse um milagre, a  natureza faz um acordo com a fé e todos sentem de maneira subliminar o que significa ser incompreendido, traído, professar opinião e ser rebatido injustamente, caminhar entre ódios, cercar-se de falsidade, andar com rumo certo mas ser desviado do mesmo por ingratidão, por inveja, por ciúme ou por muitos outros sentimentos indignos.

Está no ar um interregno divino que analisa opiniões contrárias, seja de que origem for,  porque a Fé reina absoluta  por qual Deus for professada e assim é bom lembrar que opiniões de qualquer calibre somente enriquece o debate para que deste jeito todos possam ter em seu coração a glória da Ressurreição que lhe cabe.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Solidão na perspectiva



Havia um enleio naquele lugar, porém não dava para mensurar se era bom ou se era ruim percebendo-se apenas que o movimento de vozes e de transito de tudo e mais um pouco superava o desejado. Assim a mente fica indisponível para pensamentos mais elevados, para uma conversa com os botões, para um ensimesmamento que tornasse peculiar o verdadeiro modo de existir. Um estilo que me pareceu apartado da natureza de ser, da celebração de todos os milagres da vida e da natureza que acontece sempre bem juntinho e que no mais das vezes passam celerados e esquecidos pela grande maioria incauta focada no transitório.

Melhor ficar longe quando se avizinha um perigo, diz a lenda, só que neste momento particular a ameaça e a probabilidade de embarcar na canoa furada do maria-vai-com-as-outras era real, por isso melhor recuar, olhar para trás, contar o tempo que não parece combinar com as expectativas internas e os sonhos desenhados com tanto apuro e critério. É perceptível que este jeito embrulhado não dará permissão para se chegar a bons termos de negociação com o fundo da nossa alma. Este sim, um lugar apartado do mundo e que carece de atenção. Singular atenção, eu diria.

A solidão surge em frente como opção derradeira que protagoniza uma sedução intensa e ofuscante que pode também levar a estranhos caminhos se não for bem percebida e analisada. São muitas as portas que nos levam de volta a nós mesmos, algumas bem aferroadas, outras translúcidas, outras ainda atuando como portais de inúmeras opções de viver que corajosamente demonstra em grande angular, toda a carga desvalida da inutilidade de se viver embarcado no caos.

A dita-cuja é tão poderosa que nunca pergunta se é bem vinda, chega arrebentando vidas e rotinas e somente para alguns ela já vem sendo uma companhia que pode lançar ferros e monopolizar a atenção porque ali vai encontrar um solo fértil para que os vínculos de si com o mundo se tornem o que tem ser: saudáveis, abertos e amorosos. E assim foi que em inúmeros corações a conexão social se estabeleceu saudável a partir de uma solidão em perspectiva.

Outono praiano refletindo o pó dourado do sol



Depois de um simples mergulho nas águas de março tive a sensação de emergir, não das espumas da beira mar, mas sim, em um lugar transformado como um passe de mágica. Meu corpo ainda estava quente do sol e rejeitava com ímpeto o sopro da friaca que se avizinhou tão logo saí da água. Além de mim mesma olhei no entorno e vi que as cores haviam mudado muito, que a luz solar tinha esmaecido expressivamente e que todas as sombras da natureza lhe acompanharam. Não foi difícil constatar que a vida iria mudar um pouco por aqui.

Mais esperta, comecei a entrever noites mais longas que se iniciam cedo da tarde com uma névoa sublime deitando-se na serra  e refletindo seus raios de ouro para além mar. A luz do anoitecer nesta mudança de ares tem seus olhos voltados para as montanhas onde seu rei se deita em suas encostas iluminando de purpura o céu de um lado a outro. Inverte-se deste jeito natural os pedidos de benção, as orações e os agradecimentos por poder fazer parte deste milagre que rola todos os dias e se alterna entre o frio e o calor, entre a montanha e o oceano. A noite acontece de maneira tão quieta que até parece que o recolhimento a casa pertence a todos sem distinção. Homens e bichos.

Do mesmo jeito sereno o amanhecer se desdobra em paisagens que tiram o fôlego, porque, às vezes, ele vem sombreado por denso nevoeiro que vai brincando com os passantes, refletindo imagens divertidas que aguçam a imaginação de adultos e crianças que deste momento em diante curtem a beleza particular da praia que nestes tempos aponta a mudança, a transição, a graça e uma maresia peculiar.

Instala-se um clima ameno e seco com uma pitada interessante de melancolia que se reflete também nas cores do dia e que saltam aos olhos atentos do morador. Dias mais curtos, uma luz mais fraca alumiando os pensamentos que agora se desnudam como a natureza, preparando-se para receber ventanias sibilantes, ventos gelados e brisa intermitente com a intenção de sacudir desejos escondidos e assim, quem sabe, criar histórias e destinos diferentes.

terça-feira, 13 de março de 2018

O clima dando as ordens



Hoje o mar veio lamber nossos pés deixando para trás tantos dias em que, recuado, permitiu que praieiros e veranistas aproveitassem os últimos dias de verão. A beira do mar esteve convidativa como há muito tempo não se via, com o mar esverdeado, águas tépidas, brancas e fofas areias, movimento sem exageros em suas ondas deixando os frequentadores se fartarem com as delicias de uma brisa fresca passando o dia no bem bom. A semana recebeu com muita paciência o colorido dos guarda-sóis tremulando fracamente com a brisa, crianças e adultos com os olhos perdidos no horizonte se despedindo da temporada.

O amanhecer de hoje veio para avisar que daqui para frente os ventos do quadrante hão de se enfarruscar com vontade e o oceano vai seguir outros passos de dança, assim como agora, que se jogou até quase a beirada como se quisesse lavrar tudo o que ficou pelo caminho, arremessando o que não lhe pertence para cima da costa dando oportunidade para que tudo seja recolhido com respeito à natureza. De certo modo, aqui e acolá foi sendo recolhido o arsenal que teima – graças a Deus – em se subtrair do abraço do mar que sabiamente o rejeita.

A imensidão das águas respira um ar de liberdade, tenho certeza, porque com o quebra mar livre deita-se com coragem por cima de tudo deixando em polvorosa a bicharada que também sai de seus esconderijos. Agora, deitam-se ao sol mariscos brancos, tatuíras e os caranguejos brincam de ir e vir de suas frágeis tocas como se precisassem esticar suas pernas, como se farejassem que o maior perigo de uma pisada, passou.

A casinha do guarda-vidas mergulha de bom grado nas ondas divertindo-se em se equilibrar com a ressaca prematura e na ausência dos seus guardiões não refuta companhia que queira se arriscar em apreciar o mar revolto de uma altura maior. Todos por ali se unem como grandes amigos que são, imaginando quanta traquinagem a natureza os fará passar em tempos tão diferentes entre si e que oportuniza aos que ficam a maior variedade de espetáculos diários.

sábado, 10 de março de 2018

Roubo da alma



Foi sem sentir que ocorreu a subtração ou pelo menos eu não notava que estavam me tirando algo, surripiando de dentro de mim coisas tão importantes que provavelmente eu não poderia viver sem elas, aliás, nem cogitar ao meu próprio pé de ouvido eu ousaria. Parecia um processo descontrolado ao qual eu não tinha poder para tomar conhecimento real, assim como de modo nenhum poderia interferir. A sensação era de estar dominada por algo muito mais forte do que eu, da minha vontade e da minha capacidade de decidir sobre mim mesma.

Ao perceber este movimento insano com os meus sentimentos, meus valores, minha rotina e o mais profundo da minha alma me coloquei em guarda para ter apenas a possibilidade de observar o que acontecia e assim o tempo andou celeremente fazendo as tais mudanças e eu ali, no meu observatório particular sem entender direito, mas achando interessante aquele descarte de mim mesma sem que eu autorizasse.

Compreendi que o afano se concentrava nos assuntos que me causavam aborrecimento, mas eu não entendia que os pudesse tirar de mim porque os mesmos faziam parte da minha vida, porém ao pensar com mais vagar dei-me conta que estes mesmos que agora estavam em movimento eram justamente assuntos que me revolviam o estomago, que me dilaceravam por dentro, que me tiravam o humor, que me faziam ser quem eu não desejava.

De um momento para o outro, de tanto ficar olhando o que acontecia sem me meter, de ter os olhos abotoados para o que me passava em frente achei por bem olhar o que ficou porque me pareceu que o movimento havia cessado e o pouco que restava, para meu assombro, dentro da minha alma, é o que eu sempre fui.

Ali estava minha essência aflorada, reinando sozinha, deixando à tona minha alma sem conflito com poder de escolha equânime em relação aos acontecimentos da vida inevitáveis. Depois do roubo do excesso, o singular figura com toda a simplicidade e vai desdobrando para mim tudo o que ando querendo fazer e ser, colocando como prioridade as simplicidades do cotidiano que se consegue sem esforço extra, sem ocultar a personalidade, sem disfarces e sem esconderijos.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Mulher praieira



Talvez a mulher praieira carregue dentro de si ilusões que o mar sempre proporciona a quem lhe tem fé, a quem se enrabicha todos os dias por ele, a quem antes de seguir o dia adota o instinto de conferir as ondas e fazer a prece necessária para si e para os seus. Ela vai passando no seu melhor andar conquistando a cada amanhecer um milagre, porque são eles os trunfos esperançosos de quem vive na beira do mar. Uma pitada de fantasia aterrissa todo o dia nas ventas do gênero feminino.

A presença é bem variada e pode acontecer no esticar das canelas conferindo o percurso apenas para respirar fundo e depois dar conta dos afazeres. Estes se multiplicam e direciona tantos ramais que não dá muito certo fazer listas. A personalidade da mulher indômita que não arrefece com o nordestão e tampouco com o sol de verão implacável dá o tom do discurso peculiar que supera as simplórias conversas de salão tornando-se desde o amanhecer uma ordem para o tempo.

No seu imaginário e na história a mulher visualiza o horizonte na espera de avistar o barco pesqueiro que ganhou as ondas bem cedo e de lá deve retornar com o sustento de um e muitos mais. Nesta posição de aguardo as preces que sobem a Deus são para que haja desencontro das sereias que por ali singram seus dotes malévolos. Ela mesma, em sua vaidade antiga, invejava as ditas mulheres-peixe por conta do seu poder de sedução avassalador que reunia em um corpo só a grandeza do mar e o canto que deseja envolver a marinheirada em suas embarcações.

Agora, a espera fica apenas no pensamento porque as amarras foram rompidas e desde a muito que a força do bíceps é dividida de igual para igual, que a marcha é par e par, seja para recolher uma rede em alto mar seja para recolher o fruto do seu mais variado talento intelectual que viceja nesta costa.

domingo, 4 de março de 2018

Águas de março



Tudo por aqui é diferente sendo igual, porque o praieiro vive dos detalhes, do calendário que favorece sua preferência, espia sempre o que a natureza litorânea está lhe assoprando, estica o pescoço para qualquer fresteio de mar que lhe passa pela frente, pelo lado ou por detrás, respira a maresia como se este fosse o melhor oxigênio do mundo assim como seus passos são guiados na busca do assombro. E neste março não é diferente.

O despertar mudou de tom e sem saber direito como, impera um silêncio quase mortal que é tão familiar que não assusta, pelo contrario, despudora-se as apreensões e com uma maneira sempre peculiar anuncia-se o mês que na normalidade daqui encerra-se uma prática para dar lugar àquela outra, que é habitual até em pensamento, mesmo que este queira se afogar em águas veranistas que por conta da personalidade indômita do mar, não existe mais, por ora.

Assim a natureza organiza-se com certa escravidão ao calendário e vai respondendo com cáustica ironia aos que partiram sem olhar para trás, aos que esvaziaram suas moradas sem perceber que estes espaços provavelmente vão chorar ausências, vão sentir falta da confusão, da risada destrambelhada, do choro das crianças, da buzina do picolé e da voz sempre igual do vendedor de sonho e pão caseiro.

Com sede de vingança as águas de março se transformam e refutam atitudes drásticas do clima e rindo á toa pintam o mar de verde Caribe, a brisa sopra o suficiente para deixar refrescado quem se instalou cedíssimo na beira do mar, o sol resolve ter companhia e o vai e vem de nuvens fofas como algodão passeia pelo céu azul, as bandeiras do guarda-vidas mudaram de cor e tremulam com preguiça no alto das Guaritas. A areia e o mar comemoram as “aguas de março fechando o verão”.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...