domingo, 27 de junho de 2021

Passos largos

 

Lancei-me a passos largos em direção nenhuma apenas com o propósito de me evadir de mim, deixar para trás minha carcaça moída de ossos cansados que ainda se conjugam, mas de certo modo se atrapalhando no contexto, mas, depois de ensejados a prosseguir não há o que os faça estancar. Pois os deixei para trás e sai por ai em desabalada carreira apenas com meu pensamento ativo e foi como se eu houvesse saído do corpo com tanta fluidez que se amornou a minha alma, meu presente e quiçá meu futuro. 

Tive que fazer isso pelo deleite de me soltar das amarras invisíveis que vão dopando a circulação e a liberdade de andar solta, imaginativa e curiosa dobrando em todas as esquinas em voos rasantes buscando sempre aqui e ali as respostas que andam demorando muito para aterrissar, primeiramente em mim e depois no papel. 

E foi num destes voos rasantes que fiz a escolha do dia e sem pensar muito levei para casa tudo o que consegui no arresto da rua e deste modo vieram comigo o sorriso do vizinho, a peraltice das crianças em brincadeiras de rua, o quitandeiro em curioso debate com seus clientes, o idoso que ao não poder andar na bicicleta enferrujadíssima a empurra dando a impressão que está apenas descansando do ruim calçamento em que poderia ou desejaria trilhar, 

Recolhi a conversa animada das vizinhas na beira da calçada, o cachorro de rua em animada carreira atrás do que não tem a menor importância, varri com o pensamento as folhas amareladas do inverno que plenamente soltas vão e vem entre ruas e calçadas e acabei me deparando com as flores do valão, a beira mar invernosa limpa e feliz e a chuva lavando e levando tudo por onde passa. 

Cheguei de volta deste passeio acelerado tensa em recuperar minha ossada que ficou inerte em um canto da casa a minha espera. Nem pensei que iria me alegrar com este encontro, mas depois de um pouco de tempo, tudo se reintegrou satisfatoriamente e corpo e alma resolveram andar juntos e bem mais devagar.

sábado, 26 de junho de 2021

Sopa de letrinhas

Decidi fazer a dieta da sopa de letrinhas onde as vou misturar no caldo que mais me aprouver ou que me aparecer, porém acredito firmemente que assim como as letras este molho terá temperos outros que não o verbo, a vírgula, o ponto ou o que mais a língua e o alfabeto possam me oferecer. Vou navegar na ilusão de que poderei me aproveitar de todas as letras disponíveis para desencapar o que anda por aqui, rastreando pelo chão e pelas entranhas dos cabos invisíveis do tudo e por tudo e para tudo. 

O sítio morador evolui para trás e não tenho mais conseguido guardar em mim todo o necessário para seguir em frente cantando a pena no papel ou desenhar a frase cursiva automática expondo o que melhor me aprouver seja de alegria tristeza ou dúvida porque o que surge extemporaneamente são as lembranças impertinentes que sobrevoam o telhado da minha imaginação e que me desacomodam na cadeira. 

Decidi de modo mais instantâneo que vou temperar o ragu letrado com os ingredientes que me surgirem de súbito e que de certo modo andam guardados na memória que teima em revela-los a todo o momento mesmo que eu os descarte com prontidão de intenção. Na verdade os componentes da receita sempre aparecem quando não há mais o que fazer, quando a esperança se escondeu nos cômoros praianos, a alegria do sol se aparelhou junto às nuvens e faz dela seu abrigo, a lua continua correndo para lá e cá igualmente disfarçada dando a entender que não quer mais iluminar nem os namorados, que tomaram chá de sumiço. Joguei tudo no tabuleiro da razão e deixei que se arrumassem sozinhas, sem ajuda, sem amor nem paixão e, obviamente, sem nenhuma surpresa as vi desacomodadas e confusas se misturando na demanda da incompreensão que anda ventando forte pelos quatro quadrantes.

domingo, 20 de junho de 2021

Balde de tinta

O primeiro olhar envergou a circunferência investigativa no ambiente e assim, de um lado a outro, deu para enxergar de fato o que passa despercebido nos dias que andam em desabalada carreira querendo fugir de tudo e não podendo de nada. A mira está sempre à frente sem folga para examinar com mais critério e pudor o que fisicamente nos cerca, prende e aprisiona, caindo fatalmente na ignorância do entorno com a vista enfastiada da mesmura. 

De supetão alguns baldes de tinta de variadas cores foram abertos e a surpresa  surgiu pela casa com a intenção imaginativa de reconstruir o que andava escondido pela mobília, comprovando, principalmente, a certeza que algo não andava bem, mas o medo de mudar, de bagunçar, de sujar para depois ter de limpar cegava a intenção que, desta feita, veio para ficar e assim não arredava pé do necessário  a ser refeito, remodelado e pasteurizado de acordo com o que aparecia de dentro para fora deste abrigo em relação à natureza, que espia em frente. Necessário tomar uma atitude de reconstruir com delicadeza os cantos, recantos, lisuras e desacomodações das divisórias que nesta ação coordenada pareciam estar aos prantos porque decerto perderam ao longo do tempo sua importância. 

Nesta passagem esperta pelo cenário a descoberta estava estampada nas paredes que de certo modo retratavam pensamentos, despertar, e sorriso minguado acompanhado por alguma mobília que mais parecia árvore enraizada no chão de cimento e que, com esforço concentrado em buscar solução pediam socorro e, deste jeito mais intempestivo do que planejado o espirito de renovação e descarte entrou em ação orquestrando a maquiagem salvadora do lugar.

Uma rua

  Estanquei o passo ao me defrontar com aquela esquina, uma vez que ela tinha matizes diversos e contrastava com o que havia na minha memóri...