Coração mole ao nascer do dia, calmo como
convém aos amantes praianos, hora de colocar aquela bermuda e camiseta macia e puída
primorosamente conservada durante anos, com esmero, no armário que não mofa
porque na casa o trânsito é sempre intenso. Do sol inclusive. As chinelas,
igualmente gastas, montam o conjunto que sempre dá um alerta de que as coisas
por aqui não mudam muito, pelo simples motivo de que não há necessidade nem relevância,
nem desejos fúteis e de agitado mesmo, apenas pensamentos bons. Então, dar um
olé na padaria da esquina, quase de pijama, é a melhor opção para iniciar mais
uma data.
Da mesma forma, o comerciante que pula cedo
da cama para oferecer o pão quentinho à vizinhança fiel, veste o jaleco, o boné
e o indefectível lápis ancorado na orelha se colocando à postos para as
primeiras conversas, que nem sempre são amenas, mas não é nem bom caracterizar
como funestas. Está quente, céu azul e para este raiar é o clima – será que
chove? - quem dá as ordens da prosa.
O cusco guardião da rua já está de pé no
capacho da padaria, abanando o rabo com a língua pendurada no aguardo de sua
água e ração. Alguns vira-latas se juntam a ele para filar a refeição que ele compartilha
generosamente, levemente enfadado da insônia vigilante.
O sol vai indo para bem alto e tanto as
compras como o recebimento de mercadoria toma um ritmo peculiar naquela rua de
tão pequeno varejo. Parece impossível que nesta calma que impera nestes dias em
que se sorve o trabalho prazeroso, possa
acontecer algo funesto.
E assim, do nada, um gajo mal encarado entra no
estabelecimento e aponta uma arma para os poucos clientes que ali se deixavam
ficar para não perder as primeiras do dia, mal imaginando que eles seriam os
protagonistas. E deste jeito irrompe a violência no pacato lugar, causando um
espanto que deixa todas as mentes geladas, esvaziadas de qualquer pensamento e
sem saber como agir. Dá para ouvir o coração de todos batendo forte, a garganta
com o pomo de adão se convulsionando em
um sobe e desce seco, as mãos hirtas com dedos gelados, olhos fora de órbita
gravando na retina o acontecimento.
É nesta paralisia momentânea que segue o
assalto do miserável ladrão que ao abrir a tosca gaveta do caixa, com o dono de
mãos para o alto, se dá de cara com alguns contos de réis. Não sabia ele que
por ali o fio de bigode é mais importante que as patacas e por isso a clientela
não paga na hora, pede para anotar a dívida no caderno da “venda”, um bloco
sujo, com muitos rabiscos, escritos à mão com o ensebado toco de lápis, que
sempre leva uma lambida para que o apontamento fique mais nítido e forte. O
larápio se desacomoda frente ao fracasso da pilhagem, pega um pão fresquinho e
sai correndo, sendo seguido pela matilha que ladra desabrida em seus
calcanhares.
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