sexta-feira, 18 de julho de 2025

Duas lágrimas

 


O dia chora mansinho se unindo a tantas e tantas outras vertentes cristalinas que brotam de olhos de todos os matizes sempre mantendo a audácia de tentar vazar o colorido da íris na simplória gota que rola pela face do moço, da moça, do velho, da velha, da mulher, do homem e da criança sem nenhuma distinção.

Talvez o dono do lacrimejar espontâneo a perceba translúcida e, em um primeiro momento, confunda seu significado e por este motivo singelo a deixa marejar com liberdade para que o aguado caminho seja recebido em um colo de mãe, um ombro amigo, um simples abraço, a escadaria da igreja, mãos avidas de consolo e quem sabe, a suave espuma do mar que, hoje, entristecido e calmo, a receba com carinho.

O pranto sentido jorra com a fluidez que uma tristeza costuma ter ao conseguir a alforria da alma para que, finalmente, possa percorrer todo o caminho de um rosto cheio de nuance, criada a ferro e fogo pelo tempo com tantos sulcos para desviar. Este olhar molhado se alongou por algum tempo sendo estancado no momento em que encontrou um lenço rendado entre dedos trêmulos, abafando o soluço que surgia como acompanhante.

Uma lamúria de pingos pode verter internamente por não possuir a capacidade de traçar o destino certo para um ou outro tema construindo uma trilha de pranto sem fim. São duas lágrimas que correm juntas entremeando o espirito e salteando, ora por uma aflição, ora por uma alegria surpreendente.

 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Dentro dos olhos

 


Nem bem havia despertado quando resolvi, de imediato, fechar os olhos, não sem antes trazer o mundo para dentro deles e seguir cega para o que existe hoje ao meu redor buscando a capacidade de, aos poucos, lembrar minhas tarefas diárias e decidir se as vou cumprir ou se vou perseguir outro caminho, bloqueando o antigo, mesmo em dúvida do que eu mesma irei apresentar.

Me parece, entretanto, que ao trazer o mundo para dentro dos meus olhos apenas a escuridão se apresentou dando a entender que a mim caberia usar os artifícios que minha percepção interna pudesse acessar e não permitir que esta cortina pesada da vida se estabelecesse por muito ou pouco tempo dentro de mim.

Ansiosa com a aventura de refazer um dia da minha vida busquei dentro do caderno do meu coração as flechas que se transformarão na probabilidade de utilizar este descuido do mundo que se apagou para mim, internamente, e montar um novo cenário. Será com meus olhos vendados que buscarei a companhia de todos que se evadiram de mim como bruma densa de inverno, vou recompor o caminho do desterro que em outra ocasião abracei sem perceber o que deixaria para trás.

Voam faíscas de todas as linhas e se reúne ao meu redor o brilho que vai iluminar  um carinho que se perdeu no emaranhado de frases, um convite declinado, um abraço que ficou no ar, um beijo retido na intenção, um encontro desmarcado, uma ausência sentida, um desejo no ar e uma esperança latente.

domingo, 13 de julho de 2025

O remédio e o veneno

 


Vou tomar um remédio para que acione em mim, por algum tempo, o modo esquecimento. Talvez eu jogue para o alto as lembranças que estão mais perto de mim, que mira meu coração, que empana minha alma, cega meu olhar e trava o caminhar em frente.

Eu imagino que somente desta forma terei um vazio perceptível e, apesar do jeito autoritário, não terei mais como algoz tantos alfarrábios amarelados que surge do porão inconsciente, bilhetes de amor escondido na página de um livro qualquer, caixas preciosas espalhadas por todo canto, laços de fita esquecidos no fundo da gaveta, quadros antigos, paramentos de vestir que já esqueci qual idade eu tinha quando os usei e fotografias antigas. Enfim, um acervo de respeito para quem tem lembranças e dia sim e outro também traz à tona uma releitura.

Vou a partir de agora usufruir de um modo letárgico, ar blasé, postura de enfado tendo meus olhos baixos e opacos, ao invés de sorrir vou estampar apenas um esgar cínico para o que se apresenta, seja do presente, do passado ou do futuro. Além disso, vou chamar um antiquário e passar a régua na quinquilharia – como dizem alguns – na feição da minha casa.

Minha mente se alojará no vazio, no minimalista, no pensamento etéreo, no jeito de não encontrar relevância em nada, de parar de vasculhar tudo o que acontece e a todo momento sair em desabalada carreira e aterrar na primeira página em branco que me aparece fazendo fluir a grafia na ponta dos dedos ou na ponta do lápis.

Por fim, vou trancar a usina de fantasia que povoa a minha mente em suspeito conluio com o inconsciente que se presta a criar e utilizar de personagens que povoam a face da terra, do mar, da floresta, do rio e da cidade lhe conferindo vida e história de todo naipe. Ao refletir sobre este remédio dei-me conta que ele também pode ser um veneno.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Terreno baldio

 


Dias difíceis por aqui e os sinais me vem sem que eu possa perceber claramente, mas, no andar do dia quieto e medroso que se apresenta minha figura delata em alta voz os sintomas que este dia, justamente este, pretende reportar. Fico prestando atenção, em primeiro lugar, no norte do meu amanhecer e encontro  o mar, como sempre, aguardando que o sol lhe venha fazer companhia, me olhando, porém, hoje ele parece que me espreita, me espia, me monitora e o percebo enviando mudos recados, alguns posso entender porque são sempre os mesmos, outros aqui estou tentando adivinhar.

Comecei minha investigação determinada a não olhar para trás apesar de minha cervical andar rodeando o meu corpo como se tivesse vida própria, e, de certo modo possui olhos de lince para giro selvagem e se agrada de postar-se diante de múltiplas possibilidades, aliás, um vício do meu corpo que volta e meia navega na procura de um terreno baldio para invadi-lo com meus pensamentos mais urgentes e desta vez não foi diferente.

Me rendi à muda interferência do início da manhã e fui investigar o espaço encontrando uma verdadeira trama de hera ardida que conjugava assuntos do passado embaralhando e enredando o infortúnio, a sorte, o amor, o desamor o encontro e a despedida em fortes laços do qual não conseguiam se desvencilhar.

Um pouco parva ao reencontrar os pedaços de vida misturados resolvi que a tarefa ao qual o dia me destinara seria de limpar aquele solo baldio que ousara receber os fantasmas de outro tempo, ressignificando a experiência desta aparição repentina e, aparentemente, com propósito oculto.

terça-feira, 8 de julho de 2025

Adeus

 


Faz um tempo em que, determinada, dei duas voltas na chave, virei as costas e desci a escadaria com meus pés flutuando no limbo do tempo com a minha atenção focada na estrada de uma escuridão aterradora, vazia de movimento, com apenas o ruído cadenciado da batida do meu coração que, em suspenso,  sequer ousava imaginar o que poderia vir pela frente. A estrada vazia e silenciosa parecia reverenciar a nova jornada, dando-me passagem.

Cheguei ao meu destino nas asas de Deus e na espera uma nova casa que caprichosamente aceitou o que minhas noites insones me assopraram como relevantes, me obrigando a descartar as inutilidades e em primeiro lugar, os meus piores pensamentos, as lágrimas vãs, os amores perdidos, a esperança sem fundamento. Secretamente se imiscuiu na minha bolsa de mão todos os sorrisos, a conversalhada solta, a juventude, a conversa da criança, a vizinhança, o cheiro do café, do churrasco e dos abraços em família.

Embarcada para o sempre percebi que se esvaíram pela ventarola do carro a fuligem, o trânsito, a irrelevância imperativa de tudo, o ar rarefeito, a prioridade de revés e, por fim, o abandono do ladrilho de janelas.

Abro os olhos todos os dias e me encontro com o grande Oceano a minha espera. Ali está ele, sempre pronto a me surpreender. Entrevejo os seus olhos matreiros querendo que eu adivinhe qual a valsa que ele dançará neste dia que promete ser iluminado. Em outro se diverte quando me assombro por vê-lo tão calmo enquanto meu coração sofre sobressalto, se anima em muitas ondas quando me percebe pensativa, se faz de bobo e amortece sua fúria quando a lua impera desde o horizonte e para me provocar se suja nas algas escuras. Esta vida frente ao mar é sempre diferente sendo igual.

 

 

 

 

domingo, 6 de julho de 2025

A perseguição

 


Olhei para trás e percebi que minhas costas, costas estas que em dias de hoje parecem pó de osso de tão transparente, retinha, inadvertidamente, assuntos que em sua essência não me pertencia, parecendo estar colado em mim deixando meu lombo indeciso ao perceber tanta letra mal escrita, verbo sem direção e pontuação intempestiva, sem mencionar na discordância entre substantivos, adjetivos mais a confusão do significado das palavras.

Fiquei pensando como estes personagens iletrados vieram encostar em mim podendo eu ouvir a sonoridade irrelevante da conjugação enganchada de qualquer modo. Voltei as costas tentando me livrar da perseguição anônima com óbvio propósito de confundir as asas da minha imaginação que alçava seu primeiro voo do dia.

É sempre a mesma coisa. Todos os personagens fabulosos a meu serviço vêm me visitar, cada um deles propondo o seu tema mais terno e relevante que acreditam possa ser bem trançado, subindo o tom no mais das vezes para encantar de emoção quem os vai encarar de frente. Aceito a sugestão, a embalo com carinho e guardo na minha caixa preferida de assuntos que, pelo visto, hoje se encontra em um lugar inesperado e oculto.

Assisto as letras perversas travestidas de texto voejando na minha volta em franco alvoroço imaginando que esta perseguição repentina poderá desmantelar meu propósito. Ledo engano, com astúcia enxotei o mal escrito um a um com capricho protegendo o meu alforje com as palavras e seu verdadeiro significado honrando a pena que as desenhou pela primeira vez. Voltei-me vitoriosa mais uma vez e as vi vagar sem rumo, não encontrando seu verbo, seu adjetivo, sua rima, sua frase e muito menos seu verdadeiro significado. Voilá

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Varal

 


A vida gosta de ficar suspensa no varal, muitas vezes do avesso, de cabeça para baixo, de lado, pelas pontas, pelo meio e assim as vestes do mundo se expõe dependuradas, todo dia, nas cordas de todos os lugares para tomar um ar, pedir ao sol que jogue seus reflexos que dançam conforme o vento criando um movimento dinâmico e colorido em que os trapos ganham independência e, de certo modo, estão livres de corpos suarentos, gordurosos, esqueléticos, mal cheirosos, perfumados perfeitos e imperfeitos. 

Tremulam ao vento camisas que, dependuradas, não tem razão de existir porque lhe falta o sujeito que a enverga e, por este mesmo motivo, a vestimenta liberta do seu dono balança ao sabor da estação, muitas vezes, demorando a secar, talvez para não voltar ao corpo que cobre e circular por entre muitos e pelos quais não nutre simpatia. Melhor andar dependurado ao frio e ao calor causticante do que seguir caminhos transversos parecendo ter um desejo secreto de se tornar roto mais rapidamente e sair daquela prisão corpórea e de destino indesejado. 

No mais, enfileirados com criteriosa organização, em muitos casos, seguem juntos molhados e com variante de cor e textura calças, casacos, fraldas, lençóis, toalhas e mais o que se tem em uso na residência podendo haver sujeira de uma vida no campo contendo terra, folhas, espinhos e flores secas  que se grudam ao tecido para se aventurar por ai, fora do solo, conferindo o que rola por outras terras.

 Pode haver também a sujeira da cidade e do asfalto, a fuligem das chaminés, a poeira das calçadas, o respingo das sarjetas na vestimenta dos executivos impecáveis e urbanos que transitam pelo caos das cidades, deixando suas roupas com mais manchas que alguém possa ter a capacidade de tirar. Deste modo interessante as cidades deixam as marcas nas roupas que nenhum varal poderá limpar.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Arroubo senil

 


Eu tinha certeza do que ia acontecer mesmo sendo avisada do perigo iminente que a cada dia mais se aproximava de mim, deixando farpas pelos cantos, sinais silenciosos quase inaudíveis que serpenteavam no entorno como fumaça magica penetrando lentamente na casa, chegando com força naquela prateleira de livros rota de tanta leitura que segue a postos para qualquer consulta. O dicionário Analógico amarelado do tempo de uso, segue firme, resguardando com carinho todas as palavras que capitaneiam o meu raciocínio e me fazem voar no tempo, no dia, na noite, na luz e na escuridão.

Em outro canto percebi que a pilha de papel em branco se acumulava, as canetas de anotação estavam sem tinta assim como os lápis careciam de ponta fina para arranhar com pressa as resmas de papel que perambulam por toda a casa. Todos estavam relegados a um recanto não havendo ao meu alcance nenhum instrumento dando a impressão de uma varrição de ideias da minha velha mesa de trabalho.

Me voltei mais animada para a minha escrivaninha, esta que recebe com toda a paciência do mundo, meu grito de revolta, meu suspiro de saudade, meu olhar molhado de lágrimas, minha gargalhada e meu choro convulsivo e percebi que havia sido surripiada minha inspiração, eivada de provérbios, advérbios, pronomes e pontuação - sem falar nas palavras inventadas - que me acompanham por cima do ombro como fieis algozes do assunto. Aceitei este mando Divino e considerei o fato como um arroubo senil causado pelo delicioso ar gelado da costa. Voilá!  

domingo, 29 de junho de 2025

Sem resposta

 


Localizei o velho telefone com fio em um cantinho do sótão, numa posição que parecia proposital, porque além de desconectado de sua antiga linha fixa o fone estava displicentemente fora do gancho, dando um recado de que por ali não passaria nenhuma voz longínqua, nenhuma risada, nenhum papo firme sobre coisa nenhuma, nenhuma notícia alegre ou triste, nenhuma voz embargada de saudades e muito menos soluços de tristeza e decepção. 

A conexão estava vazia de propósito havendo apenas a lembrança de tempos idos em que o aparelho aproximava todas as vozes, de todos os lugares, de todos os timbres, de todos os sotaques, de todos os idiomas da maneira mais lúdica e emocional que se pode imaginar. 

O telefone antigo fazia parte da mobília e em torno dele sempre havia um aparato de decoração que abrangia um móvel que lhe conferia pompa, circunstância e conforto para atender o aguardado tilintar estridente que ressoava pela casa desencadeando uma correria desabalada para atender em tempo hábil, quase sem fôlego, o tal chamado. 

O contato sempre tinha a importância devida de um enamorado que aguardava um alô, uma mãe saudosa do filho que se lançou no mundo, de notícia boa demais e outra triste de causar dó, mas, mesmo assim sendo necessária a importante transmissão, sempre em ocasiões especiais. 

A imagem do aparelho relegado a um cantinho do sótão em postura displicente sugeriu que ele estava mandando um recado de que, ora em diante, não existe mais um lugar com aparato especial na residência, a relevância se volatizou, a conversa emocionada se rendeu a banalidade, o conteúdo do diálogo longínquo foi relegado a palavra abreviada, a voz ficou sem ar e as perguntas sem resposta.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Na ponta dos pés

 


O tempo está tão calado que o céu se confunde com o mar e assim eles dois concluem que se misturar no horizonte talvez seja uma boa ideia, porque parece sempre que tudo está sendo levado com força para os cantos que certa dose de pasmaceira é uma opção não pensada no dia a dia, mas se for colocada em prática, se dará a perspectiva de um planeta diferente. De inquieto se torna estático deixando fluir apenas uma réstia de luz, um ou outro ponto de sombra, conchas e andarilhos da beirada estancam suas atividades e o nadinha de brisa não desfaz o retrato onde a placidez é a pegada da hora. 

A majestade do oceano cabe quase que totalmente onde se esfumam suas espumas alardeando que o dia veio com ares de amor, trançando tudo o que aparece na natureza, indo e vindo apenas no movimento das profundezas que também se recolhe, parecendo prever algo que possa acontecer neste lugar deserto, nesta praia aliviada, neste mar solitário e refém do que acontece no entorno. 

Mais adiante algumas pegadas ainda frescas vão sumindo à medida que o mar as alcança, apagando a energia que emanava de um ou mais pés que por ali vagueavam. Algumas palmilhas se foram apressadas concluir o percurso, outras mais erráticas faziam voltas de lá para cá como que procurando seu destino ou sua força, outras se afundaram na areia parecendo que um chumbo de tristeza as embocou e assim outras mais diversas e leves pareciam pegadas de criança de tão miúdas. E assim o mar com toda a tranquilidade foi retirando dos seus donos suas marcas. 

Pelo descrito até aqui não estava no “script” o encontro de encantadores e minúsculos pés femininos com o seu par na beirada deste mar, que obviamente se preparou para a cena. E assim, na ponta dos pés, alguém se ergueu para alcançar o olhar do seu amado, lhe enlaçou em seus braços, ergueu seu rosto e assim esta manhã inacreditável foi selada com um beijo de amor de praia.

 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Matéria do Blog do Frigorifico Renner no Jornal Ibiá de Montenegro

 Compartilho a matéria sobre a renovação do Blog Frigorifico Renner no Jornal Ibiá de Montenegro, desta autora.   http://frigorificorenner.blogspot.com




terça-feira, 24 de junho de 2025

Esqueceram de mim

 


Maria Cecilia andava sempre com a cabeça nas alturas e tanto é verdade que além dos familiares, amigos e professores abanavam a cabeça desolados porque o seu olhar perpassava através do que ela estivesse olhando, parecendo haver um motivo sempre translúcido mais interessante, mais colorido, mais bonito, logo, logo ali.

Quando a família saía e já se aprontava para embarcar no carro, ao procurar a menina lá estava ela, de pijama, na cozinha, tomando café preto com farinha de mandioca com a Babá. Seus pais desistiam da companhia e seguiam seu rumo com alegre adeusinho de Maria Cecilia que, impassível, passava a mão no seu livro de história se assentando pedantemente na poltrona da sala de visita acompanhada pelo riso irônico da empregada.

Por este motivo apelidaram a menina de “sobrinha”, a menina que fica, que não quer ir, que é esquecida por tantas faltas, que tem em sua cabeça a urgência de aproveitar os momentos do silêncio e do vazio da casa ora desocupada e  adonar-se de todos os ambientes, de morar um pouco em cada um deles, dormitar na cama grande, descansar na cadeira do papai, costurar em fio torto seus retalhos, ocupar toda a mesa de refeições e ao fim do dia espraiar-se pelo jardim afora porque, afinal, ali era seu mundo de fantasia e contemplação. Aparentemente não existia espaço suficiente para Maria Cecilia viver.

Para ela, até então, não se tratava de nenhuma ilusão ter seus olhos à frente uma vez que ia tragando de todos os cantos o que houvesse escondido, cada fresta possuía suas teias de aranha particular, armários jamais abertos guardavam o cheiro do pó e do antigo, as portas continham por detrás de si segredos inconfessáveis, e o eco do longo corredor gritava em altos brados a algazarra da casa assim como os cochichos dos adultos pairava no ar.

Em o tempo passando o todo dia foi se modificando, as idas e vindas mudaram, a cozinha mudou de lugar, o fogão a lenha foi fechado, os armários perderam seu conteúdo e na casa havia apenas um ressoar de sons antigos. Maria Cecilia ao rever este lugar sagrado depois de tantos e tantos anos não conseguiu espichar o olhar além do vazio do tempo. Baixou a cabeça e rumou ao jardim onde se perdeu no denso nevoeiro.

Duas lágrimas

  O dia chora mansinho se unindo a tantas e tantas outras vertentes cristalinas que brotam de olhos de todos os matizes sempre mantendo a au...