segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Em devaneio

 


Não tinha jeito de minha mente apagar a imagem daquela casa na beira do mar que simplesmente aconteceu na minha frente em um dia destes, ao me perder por vontade própria, andando por aí e entrando em tudo que é buraco de rua para ver se encontro o retrato que figura dentro da minha cabeça. A foto não mostra tudo o que a casa é, mas sim a força dela em mim e então, um mundo paralelo de possibilidades aterrissa em minha frente a começar pelo potencial do arrabalde.

Mais do que olhar para a habitação, aconteceu de me perder em devaneios quando percebi que a dita encostava seu jardim muito estreitamente junto a praia em frente, ao lado de um sinuoso caminho agreste, sombreado por cômoros e pinheiros nativos, conferindo ao beco um sentido absolutamente irreal e misterioso. Este caminho parecia ser a saída do lugar ou apenas uma trilha para alcançar a vizinhança e escancarou-me histórias dos viventes daquele lugar escondido, sem que eu pudesse conter minha imaginação.

Desviei a atenção novamente para olhar com mais vagar a construção e o que ela parecia me gritar a plenos pulmões com sua aparência um pouco abandonada, com certo descaso em todo o terreno construído e, claro, vazia de seus donos, pelo menos no momento em que eu me apoderei do imóvel como se dona fosse. 

E assim, a cada pedaço daquela paisagem por onde meu olhar vagava, acontecia dentro de mim o quadro perfeito como se eu tivesse o talento de transformar cada recanto sem vida em um lugar diferente. Talvez eu tenha pensado que pelo motivo simples de quem viver nesta casa, ao acordar todos os dias, se encontra com os pés na areia e em seguida nas ondas do quebra mar, podendo se arremessar com alguma ou nenhuma veste, com a mente vazia da noite que se foi, com os olhos fechados e cabelos enredados portando apenas o confronto com a natureza, inclusive se confundindo com ela.

De repente, caí de pronto destes pensamentos idílicos e passei a ter uma imaginação mais comedida, parecendo que eu havia escorregado do meu prumo, que havia me excedido um pouco no deslumbramento do desconhecido. Então lembrei que o tempo para o lado de cá não é exatamente um amor sem fim, porque a região não tem esta personalidade sonhadora uma vez que anda sempre em arrufos com o vento, com a chuva, com raios e trovões e, claro, com dias calmos e praianos. Dei meia volta, mas pensei: quem sabe um dia.

domingo, 26 de outubro de 2025

Existe o ir

 


Tantos caminhos se acumulam na vida e a maioria deles não percebemos porque já nascemos pré-agendados, talvez pela genética, pelo plano familiar, pela inércia ou pode acontecer de não querer ter ideia de qual rota escolher ficando pelas bordas, espiando de longe o futuro ou o que se passa no quadrado próximo sem muita emoção no avanço da rotina que vai dando a letra e, sem preocupação, se calça o chinelo pensando que só existe o ir.

Na sequência vamos enquadrando os desejos, a necessidade e o gosto por este ou aquele lugar, ouvindo uma fala e não a outra, vestindo cores ou nenhuma, tendo crianças em volta ou sem acompanhamento lúdico, se aliando a muito cuidado com todos ou correndo sem tempo de olhar para os lados ou para trás sem saber onde quer chegar, importando apenas partir costurando um tecido  com metragem desconhecida.

O impulso pode decidir solitariamente e ao sentir este conforto da coragem fazemos a mala, apagamos a luz, fechamos a porta e embarcamos na aventura requerida há um bom tempo e adiada por outro tanto. Desta vez será uma avaliação do caminho diferente, de saber o que existe por detrás daquele monte, na dobrada da esquina, no lado soturno do mundo. Abrir os olhos e simplesmente ir com data certa para voltar porque a passagem de volta se encontra bem guardada no alforge.

Pode ser que este desvio, no seu retorno, sirva para abrir os olhos em relação a algumas coisas que provavelmente não se tem conhecimento por estar distraído, por ter visto o que não aconteceu, vez ou outra houve excesso de fantasia e alguns momentos se evadiram como pó sem deixar rastro. Na verdade, a bolsa de mão está repleta de assuntos que foram garimpados no tempo em que a consciência vacilou, que as lagrimas correram, que o soluço sufocou e o sorriso derreteu. Pensando bem existe o ir, ir e não voltar e existe o voltar e não enxergar.

 

sábado, 25 de outubro de 2025

Varrido do mapa

 


Desta vez eu percebi que não tem escapatória para estancar os arroubos do velho vento do norte que deve estar querendo se livrar de alguma coisa, pode ser algum desafeto mais recente ou sua mente se emporcalhou tanto que as amarras que o continha em relativa paz romperam.

O certo é que o Sino dos Ventos está audível e preparado para a varredura necessária de todas as energias que ocupa a atmosfera não restando uma partícula flanando por aí, voejando entre os arbustos, obstruindo a distribuição do pólen da primavera que neste período tem a alforria para espalhar o renascimento de sua beleza.

De outra parte o amigo Ventania ajuda na formação de novas almofadas de areia que se acomoda junto as flores silvestres, hera de cômoro, raízes nervosas e firmes de uma vegetação nativa que faz a contenção da beira do mar, não havendo força que elimine o poder da natureza, sempre atenta ao que lhe é retirado. A encosta do oceano faz travessura formando novas ondulações no lugar que antigamente se configurava um acesso livre.

O arrasto que me aparece tem o dom de um guerreiro que arremete contra o exercito que habita o andar de baixo, rasteja entre a erva daninha, se imiscui entre as flores, mas, quem vem na frente é sempre quem comunica que a partir deste momento os ingratos que haverão de temer a força que o Rei do Clima possui desdobrando parte por parte de quem anda para lá e cá sem firmar o compromisso com a Vida.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Grisalhando

 


Eu tinha um ponto de luz bem no alto da cabeça, no meio dos fios e isso me deixava sempre em dúvida se eu estaria mais inteligente, mais alumiada ou se era apenas reflexo do dia claro, porém, prateava a noite querendo assoprar que veio para ficar. Comecei a refletir sobre a possibilidade surgir companheiros aclarados que subiriam no topo da cachola para me fazer entender que o tempo está passando, o que não me importa nem um pouco pois significa que alguma coisa está sempre acontecendo, ao revés, de lado e para trás.   

Continuei a ignorar os pontos porque não tinha paciência de ficar na frente do espelho me examinando e, também, porque não havia mais novidade neste semblante que me pudesse surpreender. Já conheço de cor o caminho que os sulcos irão propor, para que lado vão se esgarçar e até acredito que o meu sorriso vai ficar de um jeito diferente uma vez que ele vai compor um traçado cada vez mais testado, com muitas novas linhas o circundando, deixando a feição suave e esmaecida.  

O ponto a cada dia se expandia e como eu havia previsto, já contornava o meu rosto com parcimônia no início, é verdade, aguçando a percepção de que eu estava ficando de cabelos brancos e estes invadiam a cada dia minha cabeleira crespa com autoridade. 

Neste momento, por um tempo, lutei quimicamente contra eles, porém, ao perceber que a luta era inglória e que eu estava sempre em campo de batalha resolvi aceitar o que vinha e com esta simplicidade aprendi que algumas coisas que o avanço da idade nos oferece, não precisam e nem devem ser controladas.   

Vou deixar meu cabelo com o seu jeito sugerido e de agora em diante enxergá-lo como pontos de luz que iluminarão minhas noites insones, refletirão minha experiência no espelho e servirão de moldura no porta-retratos demonstrando a singeleza da minha idade.

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Farrapos com história

 


Ao entrar na casa me deparei com esta poltrona com aparência deteriorada colocada em um canto abaixo de uma luminária nas mesmas condições, parecendo que se formara ali uma parceria e o desejo seria ajuda-la com sua luz antiga, de iluminação amarelada, quente e com brilho opaco. Estavam ali as duas juntas parecendo esperar alguém ou alguma coisa exibindo a altivez de um móvel com design antigo, portando em seu tecido bem gasto algumas franjas esfarrapadas, palidez delicada no tecido original com um suporte de madeira sem sinal do tempo, dando a nítida impressão que as emoções ocorridas nesta mansão deixaram suas marcas e por este motivo ninguém as quis apagar.

A grande família que ali residia há tantas décadas foi se extinguindo a medida que os anos passaram. Os moradores tomaram novos rumos ficando por último apenas Sr. Eusébio, o dono da casa desde sua construção, que também partira com serenidade, não sem antes dormitar na sua poltrona favorita e talvez por este motivo ela ainda estava no mesmo lugar de toda uma vida.

Fiquei imaginando a história que poderia ser contada sobre esta habitação que exalava no entorno da rua uma fragrância que rescindia a entendimento, talvez porque sua linha de construção harmoniosa e o paisagismo se misturava ao clima da rua que nasceu para abriga-los.

Na entrada havia um portão de ferro trabalhado com impressionante dom artístico e que se mantinha ali, empedernido, emoldurando o imenso jardim que se descortinava a partir desta entrada suave, sólida e segura. O vento deixou a porta de madeira - que possuía design harmônico com o portão - entreaberta e assim, um tanto emocionada, decidi entrar sem permissão no recinto que na aparência se configura um santuário.

A passagem rangeu ao leve empurrão e quando a brisa se movimentou pulverizou o salão com uma fina camada de cintilante névoa direcionando um frouxo facho de luz na majestosa poltrona que permitia ser vista vestindo os andrajos da vida.

 

 

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Aquele Livro

 


Um dia Aquele Livro acordou com um certo mal-estar temperado por genuíno mau humor e imediatamente percebeu que havia em sua capa uma poeira fina que brilhava ao sol em cintilantes pontinhos, mas, sua vista piorou ao perceber que a lombada estava coberta por uma camada de maresia que foi rapidamente desgrudada e na sequência suas páginas arejadas. Resolveu descer algumas prateleiras passando por cima dos colegas que igualmente dormitavam na umidade. Pediu desculpas e desceu empertigado e cheio de razão rumando para os outros cantos da casa que normalmente frequentava nas mãos do seu dono.

Foi mais difícil se locomover, mas encontrou aqui e ali uma mesinha, uma cadeira, uma prateleira - tudo vazio – mas, no fim e ao cabo chegou a grande sala do casarão onde se encontra os aparelhos de audição e visualização tão requisitado de hoje em dia e que, pasmem, ocupam os melhores espaços.

Achou por bem disfarçar e iniciar a visita aos quartos, os pequenos escritórios dos filhos da casa, saletas para pessoas nobres e assim por diante. O que o levou a este tour inusitado foi descobrir o que estava acontecendo neste lar antes repleto de colegas, todos de várias estaturas, cores, alguns estrangeiros, outros portando temas especiais como prosa, poesia, crônicas, história, geografia, enfim, uma infinidade de assuntos que moravam nesta residência de alta cultura e aprendizado.

Resolveu visitar o quarto de estudos dos muitos filhos do casal entrando sorrateiro porque sabia que dentro de suas páginas o teor não era adequado, mas ele queria saber se seus colegas estavam ali fazendo companhia aos seus pupilos. A surpresa ocorreu porque encontrou cinco crianças curvadas e focadas em uma tela.  Não percebeu um livro, um dicionário, um caderno, um lápis de cera, de cor, de grafite, uma caneta, uma borracha. Saiu cabisbaixo e como última esperança se dirigiu ao quarto do casal.

Ao chegar no quarto do casal encontrou os donos da casa sentados na imensa cama, cada um portando um dispositivo na mão e na parede uma tela imensa, ligada. Aquele Livro achou por bem que deveria ficar um tempo ali para ver se um deles perceberia sua presença e o traria às suas mãos para quem sabe, rever o antigo hábito de leitura da noite. Aconteceu que foi resgatado e colocado rapidamente na gaveta do criado mudo.

domingo, 19 de outubro de 2025

As Cavernas

 


Praticamente todo santo dia, a noitinha, o pensamento se amorna e se esvazia deixando um espaço para que a oração chegue a Deus e ela se inicia quase sempre nos olhos marejados, terminando, muitas vezes, em um soluçar candente seguido por um agradecimento infinito pelo que houve neste dia, desde o comecinho do sol radiante - ou emburrado - até este minuto em que nos dá boa noite, seguindo a trilha inversa iluminando outras paragens. É exatamente nesta hora que surge a necessidade importante de passar uma peneira nos assuntos rotineiros que nos invade aos borbotões, levando-nos pela mão até o local de aterro.

Uma acomodação confortável se apresenta voluntariamente pela intuição que este ou outro dia qualquer merece, em alguns mais pueril com acontecimentos traquinas, em outra data festejos e assim segue o rumo normal de se viver, não importa onde nem como.

Do alto do pedestal preferido de cada um baixamos os olhos a tudo que tivemos que enfrentar durante o dia percebendo tudo e todos sem distinção. Chegada a hora de envergar a peneira que guardamos atrás da porta, desta feita já limpa da faina da noite anterior e assim, transparente, empunhamos a espada da separação do bem e do mal.

A primeira parte segue com um sorriso amarelo emoldurando o semblante uma vez que o que se apresenta não chega com as melhores credenciais humanas passando rapidamente a parte da teia maior caindo direto na Caverna do Perdão havendo outras que sequer foram analisadas. A segunda já demonstra uma personalidade difusa causando dúvida sobre o propósito da mensagem e, com cautela, enveredamos o assunto para a Caverna do Limbo que na peneira simboliza a trama estreita.

Assim chegamos à terceira parte sendo este o momento em que as mãos se unem em prece erguendo a peneira agora translúcida que saúda o sorriso honesto de todos que acompanham a exultante colheita da paz renovada e entregue à Caverna do Espirito.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A Urbana e a Selvagem

 


Mariana levantou apressada já com a pequena máquina de sequestro da atenção na mão o que causou pequenos problemas na passagem da casa, tropeçando aqui e ali, chutando outro tanto de empecilhos na sua frente que ela, naquele momento, não podia prestar atenção. A vida lhe chamava de dentro da caixa de ressonância que era o diapasão da sua rotina com o tempo, o caminho, a fala, a ideia, o contraponto inexistente. Tudo isso reunido no primeiro momento do dia que estava apenas começando. O sol por detrás do telhado não conseguiu mostrar a que veio e o aparato de clima no interior da casa sonega a informação do frio, do quente, do molhado ou seco.

E assim foi que a Moça alcançou a rua e ao se deparar com chuva intermitente e frio fez meia volta para mudar toda a sua indumentária e isto posto, aprumou o carro e saiu lembrando que não tinha tido tempo para maquiar-se e assim entre um sinal vermelho e outro foi operando o rosado da bochecha, coloriu a boca, tascou nos cílios uma máscara generosa de qualquer coisa que parecia piche. Assim aconteceu que Mariana já estava algumas horas para dentro do seu dia sem poder prestar atenção na Vida em Curso.

Em um outro lado não distante Clarice acordou cedo, como de costume, antes que o sol no horizonte marítimo desse o ar de sua graça e de pronto abriu a casa frente ao mar respirando aquela brisa carregada de maresia neste horário do dia. Sonolenta e marcando passo no chão que rangia ao seu avanço foi se adonando do que estava acontecendo lá fora, no mundo real e não composto ao qual havia sonhado e se adaptado tão rapidamente parecendo que ele já existia dentro dela.

O primeiro alerta do dia são as águas do oceano que faz seu chamado de qualquer maneira, podendo estar com suas ondas baixas e espumosas assim como alardeando o desafio do dia numa maré revolta. Para a resistente Clarice existe apenas uma atitude a ser tomada. Enveredar com firmeza mar adentro e somente estancar a passada quando ele, generoso, a trouxer para si com delicadeza e a envolver na mansidão da espuma marítima, porém, sempre lembrando que de uma hora para outra o folgado vento da madrugada pode querer brincar de esconde-esconde entre ondas.  Clarice aceita sempre a proposta da natureza rumando ao seu lado e aprendendo diariamente como se comportar no curso de uma Vida ao Ar Livre.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O imperceptível

 


Estou sempre com os olhos no horizonte onde o céu se encontra com o mar e por isso estou acostumada a pouco enxergar, vez ou outra um mastro de navio, uma vela, uma onda que se revoltou e ficou maior que o horizonte, mas, acaba baixando os “flaps” quando o vento costeiro a abandona e então, ronrona baixinho em suas espumas lavando a areia que a recebe com um sorriso debochado. Meu olhar vaga pelo quase inexistente movimento que está sempre na minha alça de mira e que me concedeu o privilégio de encontrar a invisibilidade com mais frequência.

No meu dia a dia de escrever a sensação é que o faço para o camuflado que tão caprichosamente me acompanha na rotina porque, afinal, ao iniciar minhas histórias o meu corpo inteiro inicia a dança solitária uma vez que todos os meus passos pisam no vazio, o meu sorriso abre e fecha em frente ao inventado, meus dedos voam na procura da letra correta, o livro que cai da prateleira sempre é aquele que tem em suas páginas o que eu procuro com ganância de encontrar, a respiração resfolega a cada percalço da narrativa, meus olhos brilham e lacrimejam conforme a tragedia que inventei e finalmente esboço um sorriso malicioso quando descubro que um enigma seria de bom tom para finalizar.

A situação figurativa se repete diariamente, porém, não existe uma surpresa maior do que a legião de atentos leitores que prestigia os textos apresentados, todos eles flutuando nos cabos invisíveis da internet, muitas vezes vindo de uma sugestão de outros cativos da escrita.

Neste mundo oculto o real não se vê a olho nu, inexiste o aperto de mãos, o tapinha nas costas, o abraço apertado, a troca de lágrimas, a emoção contida, o café como encontro marcado, o sorriso de orelha a orelha e a folha impressa. A sensação deste milagre da conexão com a palavra é o manto que me acolhe todas as noites. Só tenho a agradecer. Amém

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Só eu sei

 


Entrei naquela jogada sabendo que eu não tinha nenhuma chance de me sair bem, em nenhum sentido que alguém pudesse observar, não porque eu não tivesse força física, mas sim porque naquele momento não encontrei a minha verdade. Talvez eu necessite andar um pouco neste areal deserto que é meu caminho alternativo e pisar em um asfalto novo em folha, navegar por água doce e morna, deixando meus sentidos de fora.

Talvez haja a condição de tirar do fundo do baú aquele Avatar que retrata com exatidão minhas passadas até um determinado momento em que eu, caprichosamente, escolhi e me confortei. Ao encontrar o meu destino tão almejado guardei a transformação em algum lugar que nem sei direito qual é, podendo ser o quarto, a sala, o banheiro, a cozinha, afinal, tantos guardados somem da vista que nem lembramos que existem.

Só eu sei as tantas e quantas travessas idílicas, outras simplórias, e um sem número de passadas em que fui a protagonista no desbravamento. Em muitos deles tive que armar uma luta desigual para abrir o caminho que estava fechado de espinhos e ervas daninhas, fortes, destemperadas. Quantos arranhões rasgaram meu coração que, com a solidão da paciência eu refazia ponto por ponto.

O deserto que se apresentava sempre vinha pintado de cores diversas comprovando a enganação que estava em curso e, de certo modo, alertando a mim que olhasse a paisagem com atenção. Com sutileza pensada escolhi o cenário com a cor e a forma do meu ideal reiterado tantas e tantas vezes. Só eu sei que esta opção pertence somente a mim, desde ontem, hoje, sempre.

domingo, 12 de outubro de 2025

O xadrez

 


Tirei a venda que escondia um quadro que comecei a montar muito tempo atrás constando muitos trechos da minha escrita inacabados porque, em determinado ponto do texto me faltava a continuação não havendo forma de recuperar o motivo pelo qual iniciei a história e, de antemão, resolvi imprimir item por item, cravando com um alfinete no quadro de aviso sendo que ali se formou, dia a dia, a galeria dos renegados, demonstrando que talvez exista uma chance de retomar o xadrez de palavras que sangram sem destino.

Após retirar o papel que envolvia estes bilhetes apurei meu faro investigativo de mim mesma e iniciei o processo de reconhecimento de cada trecho sem finalização e me surpreendi que todos possuíam certa conexão com o outro se interligando através de certas palavras recorrentes todos indicando onde necessitavam chegar, mas foram impedidos e, de certo modo, deixados à deriva do pensamento.

Tirei o quadro da parede e iniciei a tarefa de tentar entender o jogo entre eles mesmo parecendo impossível chegar ao fim desta confusa teia em que pontos de interrogação permeiam cada frase, cada palavra, cada interpretação.

Este dia em especial me trouxe a vontade de entender e reescrever a história oculta entre um simplório início de texto e seu repentino rompimento e que, a cada intervalo, se repetia demonstrando um padrão do entusiasmo criador que por aqui e por ali recuava e desaparecia.

Depois de iniciada a leitura dos alfarrábios empoeirados e sem data, minha mente recebeu um sinal de luz sem que eu soubesse sua origem, fazendo brilhar um por um os pedaços de papel enterrados no coração do texto. Neste momento retirei um por um cada escrito e dispus o conteúdo que relatou, aos pedaços, um tempo entrecortado de soluços.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O cochicho

 


Existem muitas salas nesta vida e algumas são frequentadas com espartana vontade, outras servem apenas para um recreio da fala, outras ainda são locais de fala arredia e uma centena delas são depositário de segredo, alguns secretos, outros nem tanto. Navegar em um emaranhado de saletas que guarda com sigilo relativo a palavra comum, o tempero sofisticado, a verdade, a mentira e a ignorância, se tornou propósito de muitos. Nenhum destes recintos tem conhecimento daquele dicionário antigo onde tudo o que está escrito é o que significa.

Decidi fazer uma caminhada de reconhecimento neste intricado assunto que a mim, justo a mim, me diz respeito porque a expressão é meu parceiro de Vida, meu amigo e meu algoz e com ele vou e volto mil vezes no mais rotativo e perfeito entendimento. Apurei meu ouvido, retirei o tampão do tímpano bloqueado, atitude necessária que utilizo ao frequentar, salas, ambientes, corredores, espaço exíguo e algum mais largo.

A coragem para examinar cada assunto surgiu da curiosidade para desvendar o motivo de tais cochichos serem efetuados no mais baixo tom de voz acompanhado pelo rito de um olhar que vaga irrequieto no entorno parecendo procurar ou, ao contrário, eliminar testemunhas do que ali está sendo proposto.

Escolhi com atenção redobrada o confessionário particular em curso onde a dupla fala x ouvido atua com tanto disfarce em caras e bocas me deixando confusa se ali está havendo uma reza, uma confissão, um segredo cabuloso ou simplesmente um falatório sem valor.

O cochicho reverbera uma conversação inaudível que surgiu em algum lugar entre alguns sendo modificado ponto por ponto no corredor de orelhas. É exatamente nesta curva que a Vida procura a sala criada para um cochicho sobre o que a vida gosta de trazer e você não gosta de ouvir.

Em devaneio

  Não tinha jeito de minha mente apagar a imagem daquela casa na beira do mar que simplesmente aconteceu na minha frente em um dia destes, a...