domingo, 24 de novembro de 2024

Gosto amargo

 

Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoje não distingo como sendo de minha escolha ou, se foi, sumiu sua capacidade benfazeja e, aparentemente, submergiu todo o sentido, empalideceu seu entorno, desmereceu a cor do dia enevoando a lembrança e obstruindo o caminho em curso.

Quase ao mesmo tempo deste momento incomum surgiram tantas possibilidades de escolha e descarte estonteando o momento e deixando meu coração apertado frente a batalha em ir ao cabo do mundo, tomar novos ares, dar apenas um giro ou andar de terra em terra até me assentar.

Na grande mesa de vidro da vida as alternativas se alinhavam multifacetadas e com tanta rapidez que pareceu impossível estancar o passo e analisar a melhor escolha me deixando sem ação na apresentação caótica me dando a impressão que nenhuma daquelas rotas me faria caminhar.

Resolvi seguir em frente com a mente vazia de sentido, tomar novos ares, confiando que deveria palmilhar rotas iluminadas, desconhecidas, silenciosas e que reverenciassem o espirito. Assim fiz.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Um bilhete

O dia chora desesperado, ora com altos soluços, ora mansamente como que pedindo perdão pelo excesso, pela falta de cuidado do vento que açoita dia e noite as entranhas do lugar, que por ser próximo ao mar se encharca com mais pressa deixando para trás um rio de dúvida.

Uma profunda emoção tomou conta de mim e deste jeito mais intempestivo do que o normal sai a coletar pequenos bilhetes de cores variadas para poder compor um passo a passo do que anda acontecendo nas cercanias da minha alma que está sempre sôfrega de relatar ou delatar o que o universo anda conjurando ao meu redor, sempre tão expressivo em suas falas silenciosas e metafóricas me levando com ímpeto a confabular com tudo o que se apresenta.

Abri de par em par uma corda com os supostos recados caprichosamente um ao lado do outro, todos em branco. Esperava eu que abandonados a sua própria sorte, sem nenhuma missiva gravada os deixasse dispersos e distraídos a respeito do que eu poderia historiar neste dia perverso e de mau humor do tempo.

E assim expostos à minha mira comecei a tratar cada bilhete como um recado em separado para diferentes cores, assuntos, temas, lugares, tudo o que melhor representasse este meu momento em especial e justamente neste dia aguado.

A primeira frase me veio da cor laranja porque a nuance sempre remete ao nascer e por do sol neste meu quadrante, trazendo a boa noticia que no dia seguinte ao abrir os olhos ele estará lá, de novo e todo dia da mesma cor. Ao nascer e ao se pôr.

A cor ensombrecida e desmaiada remete ao vacilo da mente que ora se aquieta e se recolhe, ora se lamenta em branco sem saber nem porque, ora levita em ascensão ao céu puro e límpido fazendo uma viagem de repouso por seu sofrimento e dor do mundo refletida nas pequenas cartas, as vezes grafada, outras sem recado, muitas sem sentido.


 

sábado, 16 de novembro de 2024

Raízes


 Aquela fenda estava ali há muito tempo, dividindo o mesmo solo ressecado e árido da calçada em uma rua escondida em algum beco esquecido. A fissura abriu-se como um pedido de socorro ao vento, a chuva, ao sol, aos insetos para que com a energia da natureza restabelecesse neste vão profundo um motivo, apenas um motivo para que suas raízes tomassem um rumo conciliador entre a aridez da rocha e a exuberância da terra.

Como em nossa alma por muitas vezes sacudida pela secura do dia a dia se faz a reza diária pedindo ao Universo um pouco de alimento divino, mesmo mergulhado na profundeza do pensamento que a todo momento palpita inconformado dentro do coração levantando os seixos aleatórios da mente que sempre se sobrepõe tornando possível a escalada rumo ao viço e ao encontro com o ar respirável da emoção.

Bastou apenas um espaço pequeno e instigante para alertar que a alma não sobrevive em terreno bravio havendo sempre a possibilidade de fugir de tudo na busca da quentura do sol, do refresco da brisa e da perfeição da natureza que se alia ao ser humano numa conjunção de vida e fé. Certeza de que a abertura será para dias melhores, mais vigorosos apesar da aparente delicadeza do murmúrio em prece permanente.

domingo, 10 de novembro de 2024

Sutileza dos tempos

Sinais inequívocos surgiram na sutileza do tempo, sorrateiros como a traição, ocultados da luz do dia inundando minha alma como a chuva fraca e intermitente devassa o solo sem permissão, apenas na demanda da natureza. Assim surgiu a sombra nestes lados onde a claridade não dá folga nascendo todo dia com muito aparato e circunstância e foi por estar por aqui, na beira da luz, que precisei buscar dentro de mim uma atitude de maior poder para dissipar o sombreamento que a mim se apresentava como uma surpresa.

Não foi difícil encontrar nos meus alfarrábios mentais aquele feixe brilhante que volta e meia preciso acessar, uma vez que tempos estes necessitam de atenção e clareza de espirito para uma luta onde a guerrilha é travada em ambiente trevoso sempre dissimulado.

Encorajei-me na busca da origem da ofensiva e percebi imediatamente que a minha alternativa estava ali naquela estante virtual onde guardo com muito cuidado o tesouro curativo para muitas ocasiões em que o entorno vibracional tem sua lucidez empanada.

O sol se pondo no horizonte por detrás de nossa muralha florestal eivada de energia da terra, do mar, do vento e da água me chamou a atenção e escolhi aquela ferramenta que possui todas as qualidades para iluminar a minha vida a partir desta noite até o dia seguinte bem cedinho. E assim chegaram as estrelas brilhantes que inundaram com sua energia divina o céu que nos protege.

sábado, 2 de novembro de 2024

Silêncio

 

Amanheci com a mente, a casa, a rua, o entorno, o céu, o mar e o vento todos calados em expressiva oração aos que fizeram parte da nossa trajetória, alguns muito próximos, outros nem tanto e outros ainda figuraram entre nós com desígnio especifico e se foram como uma brisa leve e passageira. Chegaram para dar um recado importante e partiram de um jeito manso ficando no ar a lição que agora rendemos homenagem.

Os olhos acordaram marejados, o corpo em posição de prece e as almas queridas sendo lembradas com saudade formam um dia especial.

Os ventos costeiros soprando forte estão assobiando a propósito de que não esqueçamos este dia, que nos guardemos em silêncio buscando o isolamento da comunhão de almas, que se acendam velas no ambiente previamente ensombrecido, que o incenso se espalhe no ar da casa perfumando o laço afetivo entre os seres que nos observa do mundo espiritual, recebendo com alegria nossa lembrança e nossa dedicação.

Este dia se esconde de todos os propósitos barulhentos se tornando um ensaio para o desígnio de ora em diante aprumar o ouvido para falas de melhor oratória pavimentando o caminho para elevar o espirito nesta jornada de mais um tempo até o encontro divino de todos espíritos em santa morada.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Uma prece

 

Naquele dia eu não resisti e me ajoelhei perante a vida imaginando que talvez ela considerasse prestar atenção em mim neste dia importante em que eu parecia desperta para algumas verdades, estas mesmas que me espreitavam por detrás da bruma dos anos e que se enfileiravam mansamente diante de mim dançando a valsa da paciência e eu, mesmo assim, não prestava atenção devida.

Ao me colocar em prece esvaziei minha alma e deste jeito simplório me coloquei ao dispor do mundo espiritual que gravita em torno de todos não expressando claramente suas intenções justamente por serem divinas.

Há neste momento de esvaziamento do real a oportunidade de reciclar nossos sentimentos bordejando pela simplicidade da atitude, da aceitação de todas as coisas, da separação do bem e do mal, avaliando o caminho a ser seguido, coragem para deixar questões, antes importantes, para trás e por fim renovando a fé na Vida que Deus nos brindou. Aleluia.

domingo, 20 de outubro de 2024

Amélia, a Aquariana

 


Não precisa de motivo para ela, que habita o Aquário da Vida onde todos os matizes do Universo se encontram e, como se isso não bastasse, ensina a todos a navegar suavemente por todos os assuntos baixando muito a voz ao se referir ao mal feito de um ou de outro parecendo que se inclina a perdoar antes mesmo de se inteirar.

Para esta Aquariana transparente e generosa a existência aqui na Terra é um brinde divino e deste modo saibamos agir com parcimônia, paciência e franqueza diante de todos a cada nascer do sol.

Além destas características intrínsecas e nobres que seu nome e seu signo lhe conferem sua feminilidade transborda se tornando a guerreira do dia a dia que permeia todas as faces do cotidiano atravessando com bravura e independência suas lutas e seus ideais.

 A presença da vizinha de porta Amélia nos verões vem quebrar a monotonia que habita este quadrante pequeno bem em frente ao mar. A presença suave decanta os ventos intempestivos do inverno, as chuvas intermitentes, a ressaca do mar indomável neste tempo de estações controversas.

Por aqui ando ansiosa na espera do calor, do sol e do Novo Ano que vai trazer a Amélia e sua família à Beira Mar. Que bom!

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Rede de vizinhança

 

Dei apenas uma volta e ao dobrar a esquina topei com um paredão de concreto armado, com aparência de um mosaico com variada forma construtiva, colocado lado a lado tornando o espaço uma assombrosa divisória de cimento e ferro.

Fico imaginando o propósito da inusitada muralha. Talvez uma competição de quem consegue se sobrepor ao outro, tornar sua identidade famosa, abrigar mais espaço interno do que seus comparsas ou até quem sabe tenham tido todos a sensação de segurança em tempos difíceis, ou se apoderar de uma facilidade para vigiar a vizinhança que somente um amontoado incrível de prédios de todos os tamanhos pode oferecer, afinal ali se encontra sacadas, janelões que devassam os ambientes, coberturas a céu aberto e jardins coletivos. Tudo pronto.

É de se imaginar em qual janela o sol baterá primeiro, qual veneziana se abrirá ao olhar do mundo que congrega aquele circuito diferente e em contrapartida, o que e quem estará à espreita do recém chegado aos primeiros acordes do dia. Uma batalha de aberturas se entrega à faina dos olhares avizinhados numa fúria avassaladora de espreitar tudo e todos.

Acredito que esta exaltação da visão de grupo virá acompanhada pela imediata busca das telas de todos os tamanhos e tipos com uma sofreguidão de eternizar a hora e empanturrar a mente com todas as letras minúsculas e maiúsculas que anda circulando nos cabos invisíveis do universo.

Nesta maçaroca de vida não há espaço para o sol e a lua serem percebidos mansamente, não há recinto físico para que a brisa da floresta, do mar, do rio, do lago permeie por ali, o perfume da chuva na terra jamais conseguira galgar os degraus do amontoado de prédios sem alma.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Preciosidade

 

Este dia amanhecido de trás para frente me trouxe algumas preciosidades que andei ocultando de mim mesma imaginando que elas se perderam em algum período não estando mais acomodadas no baú do esquecimento naquele canto de portas trancadas. Porém, o fato aparentemente esquecido toma vida própria e se arremete tal qual este dia que surgiu em modo esquisito.

Com cuidado e curiosidade tomei coragem e abri a porta emperrada daquele espaço diminuto e úmido que vertia guardados de antanho e logo surgiram objetos, livros, caixinhas de preciosidades, bonecas, diários aferrolhados, soldadinhos de chumbo, bolas de gude, dados e tantos outros objetos que ao receberem a luz do dia renovaram acintosamente sua existência tomando corpo mais uma etapa.

A poeira fugiu alarmada, as relíquias tomaram forma sob a benção do sol e se ordenaram como fantasmas na berlinda do tempo. Lancei um olhar sobre todos e curiosa fui lembrando de cada período em que eles participaram do meu dia a dia de criança, trazendo de volta o tempo lúdico da minha vida.

Os guardados me surpreenderam e fui costurando as histórias encadeadas de um para outro me regozijando com o resultado construído, agora, definitivamente no túnel do tempo.

O pequeno pedestal de uma concha que abriga uma pérola me chamou a atenção para encerrar esta fábula. Ela nasceu a partir de uma trajetória tramada em intrusas tristezas, mágoas, desavenças e sofrimento o que forjou um novo caminho cheio de alegria e esperança.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Nas asas do tempo

 

O tempo, esse contador de histórias, ainda não ordenou ao clima que se organizasse e colocasse ordem no barraco da praia e por este motivo jovens e velhos andam à toa na areia e na calçada úmida, ora procurando as ondas do mar que maldosamente renega os corajosos com suas ondas geladas e  revoltosas impossibilitando ali se banhar e deste modo bem covarde enveredam de pronto para aquela poltrona em frente à lareira cobrindo-se com um velho xale de crochê colorido esperando com paciência que os ponteiros do relógio andem mais ligeiro.

O relógio da vida, porém, é caprichoso e mal humorado e para alguns se move com preguiça aligeirando o ponteiro para o que não se deseja e nem se pretende enxergar e, na contra partida, atrasa seus segundos de propósito se divertindo ao perceber a expectativa em alta de humanos, natureza, fauna e flora para que a contagem das horas se acelere.

Os bichos querem nascer logo, as flores desejam despontar ao sol, os pássaros e insetos anseiam por asas renovadas e assim a natureza desperta fora de hora, os pássaros cantam apesar de ainda ser noite, as flores nascem dando de cara com o frio,

Todos correndo sem saber direito o destino importando apenas seguir com ligeireza para o depois que sempre parece mais longe tornando assim os caprichosos segundos da vida mero refém do desejo.

sábado, 5 de outubro de 2024

Na profundeza

 

A superfície perfeita da vida anda de vento em popa apresentando todos os dias o sol nascente, o mar com seus chiliques, o vento brincando com todo mundo, ora arrancando tudo do chão ora queimando a mufa do incauto caminhante de rua.

 É sempre a mesma coisa, tudo dentro do previsto com o imaginário correndo por fora professando benesses, escondendo o caos, lembrando que é melhor andar em frente sem olhar para lado nenhum, sem fazer conta de cabeça e muito menos raciocinar a respeito do próximo passo uma vez que o tempo urge.

Passo largo e olho arregalado vai recolhendo o que parece ser demandado de importante, absorvendo a urgência do assunto posto em frente, mudando de ideia tão rápido como trem bala, se voltando contra o que sempre acreditou com uma avassaladora facilidade, largando pelo caminho aquela mochila com tantas preciosidades por força de surgir um caminho que, mesmo improvável, se traveste de apaixonante.

Paralelo à distração pré-fabricada se encontra na profundeza cristalina do cotidiano todos os ardis da desordem elaborados na madrugada silenciosa.

domingo, 29 de setembro de 2024

Ímã invisível

 

A corrida nos espaços por aqui tem sido, em sua maior parte, dos insetos que voejam para lá e para cá ensandecidos com o sol bem humorado que anda se espraiando cada vez mais cedo e derramando sua quentura para todo canto acordando homens e bichos, terra e seus filhos e o mais que depender dele, percorrendo toda a trilha que brota do chão como se não houvesse amanhã.

Não existe prisão para a natureza que se transforma a cada minuto se divertindo com sua transformação relatando visualmente seu progresso, comunicando aos seus pares a caminhada até chegar na florada, se enredando com seus amigos rastejantes mais chegados e também alguns desconhecidos, se somando à rede que cobre os caminhos em alegre conluio festejando a vida que acontece ao ar livre.

Em contraponto ao milagre da vida se transformando, a natureza invisível eivada de brisa de todos os matizes, sem que se possa perceber, corre solta pelo ar selecionando conversa entre um e outro,  embaralhando o movimento que se joga para todos os lados sem um alvo definido, ousando enviar para um mesmo ponto quem participa cegamente, reunindo atrativamente para uma prisão até então desconhecida todos os que andam por ai assobiando, com a mão no bolso, olhar perdido, garganta seca e calada, passos em falso, braços inertes, pernas mambembe e cabeça abaixada.

O ponto de convergência desta corrida cega por debaixo dos panos se encontra em um canto estratégico movimentando-se como um grande imã do tempo que corre para lugar nenhum. 

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...