Naquele dia eu senti alguma coisa diferente no
ar, um sopro que vinha meio fora de sintonia, uma lágrima que escorria do nada,
e depois outra seguida de um grande suspiro e um soluçar embargado. Parava para
pensar e lembrava que sempre fui assim, choro do e para nada. As lágrimas fazem
parte de mim como se fosse qualquer outro órgão que me fornece a capacidade de
existir, como se ela fosse alguém que de mim não conseguisse se apartar e
também deste jeito tão contumaz opera inconteste para que toda a engrenagem não
pare nunca.
A minha lágrima pertence somente a mim, ela não
se derrama na minha face e morre no travesseiro, ou na minha roupa de festa, ou
na minha pedalada diária porque eu quero, não, ela tem personalidade e vida
própria e resolve acontecer simplesmente, como se fosse sua rotina derrubar o
que encontra pela frente, variando um pouco sua força e intensidade. Ela também
se agranda como um caleidoscópio o vai e vem de tudo e na mesma proporção se
ousa diminuta, vez ou outra voluntariosa, nascida para ser.
Meus pensamentos não pertencem a ela, porém ela
descobre o que me vai por dentro na instância do sopro inefável da intuição.
Ela aposta firme e acerta no que acontece no entorno e, sagaz, já se apruma
para marejar assim que os ventos da vida dão solavancos, assim que o mundo se
sacode em palpos de aranha por não poder resolver o que ele mesmo criou, assim
como entre tantas coisas para acontecer de ruim, justamente naquele dia ensolarado,
com tudo para dar certo, tudo dá errado.
Minha lágrima tem poderes absolutos e se verte
abundantemente mesmo que eu esteja ainda tentando disfarçar, olhar para outro
lado, não me deixar contaminar. Ela vem me dizer que a minha tristeza, deve sim,
se deixar derramar pelo mundo porque o sal da vida
tentará curar na ardência os infortúnios de agora e, quem sabe, de tantas
outras feridas.
Então ando sempre assim, marejada e com a visão
turva. Com certo medo vou tateando nas paredes para não pisar
em falso, me segurando de certo modo e muito falsamente nos corrimões da vida,
me policiando para não dar credito a quem não merece e assim de lágrima em
lágrima penso que elas regarão a tristeza de muitos como um bálsamo.
2 comentários:
Texto diferenciado, pois retrata a sensação vivida em aspectos peculiares.
Por vezes tbm não consigo controlar a emoção e as lágrimas escorrem pelo resto a lavar a alma intensa que no momento sofre.
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