Livia Maria amanheceu gelada apesar do calor inclemente, com um gosto acre na boca, uma respiração pausada e com a impressão que havia acordado dentro de uma jarra de limonada sem açúcar, ou sentada no mais alto galho do limoeiro bergamota nos fundos da casa ou - como se não bastasse o ataque amargoso da natureza em seu frágil corpo - submersa em algum liquidificador pronto para trucidar uma penca de maracujá.
A impressão inusitada a colocou
em apuros porque largou a pensar o motivo de tal ataque, quando se deparou consigo
mesma no espelho e enxergou uma nuvem cáustica a envolvendo aparentemente em
perfeita sintonia com o inusitado despertar repleto de contradições.
Não se importou com mais nada
disso e foi cuidar da vida quando se deparou com um envelope, roto, largado com
descuido em cima da mesa, inclusive um pouco escondido, o que já alvorotou os
personagens do início da manhã acionando a infalível intuição de Livia Maria
para algo que não prenunciava boa coisa, viesse de onde viesse, de dentro de si
ou oriundo dos fios cabulosos, insensíveis e invisíveis do passado remoto,
recente, não importa, arriscava ela.
Se aproximou com firmeza
analisando de perto o envelope enorme já com uma sensação de missiva improvável,
de outro tempo, que estariam ali a serviço do seu escrutínio. Livia Maria lutava
para sair do modo ácido que a noite lhe colocou, porém, havia na sequência uma apreensão
amarga do que iria se apresentar. Talvez seja este o momento da revisão e
descarte, lhe assoprava cuidadosamente seu coração, velho coração.
Achou por bem abrir com
cuidado, vai que alguma inspiração com intenção subjacente surja dos
alfarrábios, algo nunca pensado, uma solução, um alivio, alguma revelação
preciosa surgirá. Ao abrir a aba do grande envelope pardo, o ambiente foi
invadido por uma nuvem de poeira semelhante àquela que pretensamente enxergou
em frente ao espelho, desta feita, causando uma tontura, um mal estar, um aroma
de extermínio e um raro esgar no rosto.
O conteúdo mantinha muito bem
organizado pequenos bilhetes escritos à mão e todos bastante amassados,
manchado de lágrimas, lido e relido, alguns com aparência de terem sido jogados
no lixo e resgatados, outros com borda queimada pelo fogo, em meia dúzia - não
mais que isso - algumas gotas de sangue sinistras encobriam parte das poucas
palavras grafadas dando o tom de um sofrimento quase perene em alguma época da
vida, agora exposto e denunciado pelas missivas esfarrapadas. A letra era bem
feita oriunda de caligrafia esmerada com jovial aparência, palavreado
caprichado e escrita correta. Foi
servida a taça com o coquetel da repulsa cáustica sem gelo.
Um comentário:
Lindo texto!!! Cáustico…..
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