sábado, 22 de março de 2025

Doar sangue, um conto em três tempos


José Mario ficou surpreso com a noticia que o seu pai - já bem idoso - estava internado e necessitando de sangue com premência o que já correu um frio na espinha porque sabia muito bem o temperamento do pai quando algo ou alguma coisa se instava urgente. Largou tudo o que fazia e o mais que tinha pela frente e correu sentindo-se um verdadeiro lutador porque a figura paterna era, sem sombra de dúvidas, tudo o que ele tinha de mais sagrado. Nem se inteirou muito da situação, já foi estendendo o braço fazendo fluir aquele  sopro de vida, resignando-se a enviar com estas gotas as suas parecenças. Ele tinha certeza que junto ao fluxo estava indo, sorrateiramente, bem grudadas, suas alegrias conjuntas no futebol, suas gargalhadas na cozinha, o mate amargo e em silêncio de todas as manhãs e os olhares cúmplices frente ao destino.

Maria das Dores chegou reticente ao hemocentro. Havia recebido uma mensagem para que comparecesse com urgência no Hospital porque sua mãe necessitava de uma transfusão de sangue. Fazia muitos e muitos anos que as duas não se cruzavam e de um lado a filha entendia que estava tudo bem e com certeza de outro a mãe escondia as aparências. Enfim, o certo é que agora nem uma nem outra sabia direito o que se passava e ali estavam unidas pelos laços de sangue. Antes de seguir o procedimento Maria das Dores pediu para ver a mãe e ao se defrontar com ela sentiu como se houvesse rompido algo dentro de si, como se tivesse virado do avesso e esta sensação chegou através da incrível semelhança dela com sua genitora. Acomodou-se na cadeira, estendeu o braço, chorou e pediu misericórdia a Deus.

Tina se encontrava bem atrás do portão com fraca tramela e que separava os daqui e os de lá. Os ditos parentes se aglomeravam no interior da pequena sala de recepção do Hemocentro causando uma balburdia surda e um empurra-empurra querendo, cada um, chamar a si a responsabilidade de ser o herói que vai tirar Tina daquele lugar incerto, mas que possui a luz da esperança. Nenhum deles queria que aquela mulher encarquilhada se fosse desta para melhor porque ela havia sido a mãe de todos, o logradouro universal daquelas almas abandonadas, a fortaleza de crianças que, justo ao nascer, ficaram sem destino. Não seria possível que esta mulher forte como um touro fosse se mixar por lhe faltar sangue. Por fim, formaram uma fila extensa iniciando a coleta com o pensamento focado no tanto de amor que estava se esvaindo por aquelas agulhas, tubos, garrotes e bolsas coletoras. Quem sabe um abrir de olhos efêmero.

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