Era um tempo em que acordar significava uma
dúvida sobre seguir em frente, amornar as ideias um pouco mais e deixar-se ir
aos devaneios, ao etéreo da vida, afastar-se de preocupações irrelevantes que
povoam a agenda que, diga-se de passagem, ficou tão exígua naquele minúsculo
caderno que se apresenta ali apenas como intenção.
Não se faz mais urgência em anotações pelo
simples motivo que o andar da carruagem não tem mais premência e o tempo que
rege as atividades tem outra contagem, outro perfil e uma garantia que as
histórias que serão contadas daqui para frente terão proveito real e não,
especificamente, serão escritas em folhas de papel marcadas.
De agora em diante ficam as lembranças do
caderno vasto, mapeado em cima da mesa com todos os dias da semana, rabiscados,
riscados, apagados e garatujados com tanta frequência que mais parecia um
diário de vida. Uma prova de vida ou de morte e se esta fizesse uma visita
certeira os familiares conheceriam com absoluta garantia os últimos passos do
defunto, e de quebra, poderiam medir seu prestigio, se havia segredos ocultos,
se gozava de boa saúde, se possuía muitos amores ou nenhum ou, se apenas andava
com uma rotina desumana e por esta causa foi parar do outro lado.
A marcação da biografia neste mundo que tenta
dominar papel e rotina é realizada a partir de dispositivos em que a mão do seu
autor não marca presença autoral, porque os esquisitos sensitivos vão
monitorando as atividades e assim assinalando em seu apócrifo digital o que
mais favorece ao sujeito. A partir daí, a agenda sub-autoral vai acrescentando
datas que desconhecemos, adiciona personalidades incógnitas ao rol de amizades,
marca festas que jamais frequentaríamos, apresenta empresas sem relevância e
conteúdo, sugere amizades irrelevantes ao nosso perfil, expõe o dia a dia de
gente de somenos interesse, apresenta artistas que em nada se adequa ao nosso
gosto musical e artístico e por ai vai a inundação supersônica desta agenda
digital, que em muitos casos, vem para substituir o caderninho. Ah, aquele
simplório artefato que pequeno ou grande faz de nossa vida um tabloide de
grande utilidade para nossos familiares e para nossa própria revisão. Vai que
ano que vem tudo muda.