Naquele dia acordei e percebi algo errado,
antes mesmo de abrir os olhos, pois não me entrava nos ouvidos os sons
peculiares de minha morada, o mar não me enviava seus bons dias começando
surdamente e se intensificando se eu demorasse a ir lhe cumprimentar ou, ainda
melhor fazendo, correr de pés descalços a lhe fotografar, o que o fazia ficar
orgulhoso que só vendo.
A nossa rotina de encontros da manhã era
sempre combinada com as variantes, então, para finalizar o conjunto da obra
retratada se pedia que o vento parasse um bocadinho, que as nuvens se
ajeitassem no horizonte para que o sol se filtrasse com maestria por entre
elas, se cochichava com os cardumes para saltarem bem na hora do meu flash,
se implorava ao mar que alisasse as areias para que o rei melhor se refletisse.
A rotina do despertar dos praianos quase não muda, apenas fica à mercê do
tempo, que adora se fazer de rogado e brincar vez ou outra de ficar mais sem
graça, mais feioso, revoltoso. E deste jeito paciencioso e lhe conhecendo os
humores, em todo o recomeço ouso eu também brincar de esconde letras,
esquecendo as melhores palavras ou fazendo de conta que naquele dia a folha em
branco se eternizou em minha frente e assim vamos nós, brincando a vida.
Nesta data, porém, nossas regras não escritas
tomaram um chá de sumiço e ao abrir os olhos o mundo havia mudado se
apresentando com outro figurino, travestido de grande coisa, como se nestes
tempos de parcos calores e de folgada agenda, tudo se permitisse.
O vento se calou e os sons da natureza foram
substituídos pelo estrondo do mundo, o rugir do mar se recolheu dando ouvidos a
maratona de carros, os pássaros fugiram dos seus ninhos e por ora estão em
paragens mais silentes, os areais da beira do mar recrudesceram, os mariscos se
contorceram em pontas se internando em desabalada carreira para os confins da
terra, assim como os tatuíras seguiram no mesmo destino. Para completar, a
revolta da natureza licenciada pelos moradores assistiram os caranguejos se
infiltrando nas dunas com a justa intenção de passar a temporada fora da linha
de tiro. A paisagem se desfigura como uma tormenta que chega com o proposito de
desacomodar tudo o que anda nos trilhos e, deste jeito o pacato lugar aguarda
que o avesso instalado dê o fora.
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