domingo, 22 de janeiro de 2017

Um sopro


Não parecia que tudo estava revirado a primeira vista porque com os olhos bem abertos tudo está no lugar certo, modificando talvez um pouco as cores do dia que nunca amanhece igual porque o olhar sempre procura o mesmo, para se certificar que ali está mais um tempo. Mas, não é somente mais um dia, pode ser apenas mais uma brisa, mais uma flor, mais uma pedra junto de outras tantas e num segundo desce uma neblina densa que esconde o que estamos acostumados a ver.

Cegos por não enxergar o de sempre vamos tateando na experiência que apenas vem soletrar certo bê-á-bá que poderá trazer tudo novo do tal desarranjo e com esta nova escuridão o medo se instala pelo desconhecimento de andar em lugares que dão outra visão do que já existe.

A vista baixa no cinza da vida se submetendo ao bater do coração em marcha lenta, que de certa feita não aprecia alcançar o improvável, olhando para trás com frequência, duvidando do que vem pela frente, espiando aos lados por sobre os seus ombros e os de outrem, a incerteza que se iniciou já cedo deste dia.

O incômodo se adequa a singeleza desta parada que parece obrigatória porque prende os pés no chão, desequilibra o corpo que não consegue se desvencilhar destas amarras invisíveis que faz o ambiente mais denso, como querendo se manifestar contrário ao inusitado, ao já determinado, ao previsto.

Os braços inertes não conseguem alcançar o próximo para o abraço, para nadar em mais uma onda, para apontar o caminho, para se apoiar no cansaço ou mesmo para se expandir em gestos de interpretação tão usuais e tão diferentes entre todos acompanhando as falas mais brandas e as mais corajosas. A cabeça meneia o desacordo sintomático e tenta entender em que se transformou esta data, ou o que este tempo simplório quer dizer.

E assim como veio se foi, liberando a simplicidade da vida de mais complicações, ensolarando as ideias, desamarrando os desejos e possibilitando tudo por mais um tempo. A vida é um sopro.

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