sexta-feira, 30 de junho de 2017

Romance


Nasceu o dia, que se apresentou com um cinza pálido emoldurando a maré, hoje calma e receptiva, com todos os tons acompanhando o gris das nuvens que preferiram ficar unidas em um desenho maciço como se não quisesse atrapalhar o mistério que pairava no ar, parecendo ali, que tudo conspirava para que se enxergasse passado o sol a pino, o que não podia ainda ser visto.

Mas assim, fortuita e rápida como um beija-flor nos hibiscos, a lembrança daquele encontro memorável se agiganta parecendo assim a primeira vista que tinha que ser, porque as passadas de ambos tinham o mesmo destino naquele dia, mas jamais imaginariam que iniciava ali o romance que contava estórias inverossímeis, como é de seu feitio, em momentos inusitados e também não poderia ser de outra forma e compasso.

Desde o inicio ficou muito claro a ambos que o que aconteceu a seguir foi um idílio, um encontro de almas que deixou marcas simplórias na beira da praia e dali talvez não se evada para nenhum outro canto. Não era amor, porque este é muito complexo e se atrapalha entre tantas variáveis deixando histórias abaladas já em seu principio.

Cedinho se apresentaram frente ao mar que na memória recente andava mais calmo que água de poço, não havendo onda nem marola por perto para atrapalhar, e, assim, a conversa dos dois começou suave, quase inaudível para outros, mas alarmante para seus espíritos. Os desconhecidos se alinhavam e os pensamentos autorizavam a magia que rondava o momento simplesmente por estarem libertos de amarras e de preconceitos. A vida passada não existia naquela hora, abrindo assim a ventarola para a união entre vidas parecidas.

E assim se afundaram um par de olhos verdes inacreditáveis com outros dois de um azul da cor do céu em dias de sol de brigadeiro. Ajustaram o foco e dali não conseguiram mais se desprender e a intenção da fala se transferiu para a linguagem muda dos que recém se apresentaram, sentindo-se tão unidos como se feitiço ali houvesse. Deste jeito, afundado na visão de um e outro, foram andando, conversando bem pouco mas se reconhecendo no olhar.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Dentes


Quantos segredos em um sorriso com lábios de todas as estirpes emoldurando dentes, que, muitas vezes falam mais do que a boca, protagonizando em um único individuo o que aquela dentadura quer dizer, qual o estado de espirito da alinhada massa que se sabe de muitos humores. São dentes que riem, que mordem, que caem, que enegrecem ou que se vergam em plena consciência do que seu portador faz para que tenham esta vida tão agitada. Um paradoxo, para quem nasce para ficar quieto em seu lugar.

São todos companheiros alinhados, suportando uns e outros para que se mantenham na linha, por serem lindos por natureza seu foco é emoldurar rostos através de sorrisos que pode transmitir muitas conotações. Pode ser um sorriso desmaiado porque a ocasião não se prestava para demonstrações efusivas, um sorriso escancarado que precisa ter um motivo justo para não se colocar em lugares que irá constranger seu senhor. É bom lembrar que os dentes praticamente tem vida própria e às vezes é difícil segurar o riso, a mordida ou a fúria.

A posição consolidada de sua importância vem desde que nasce no bebê o primeiro e festejado “dentinho” que em seguida que cai vai parar no pescoço da mãe emoldurado por uma argola de ouro. A dentição definitiva vem a seguir, sendo monitorada para que não andem fora dos trilhos porque finos laços de arame estão por ai, prontos para enlaçá-los e os colocar em formação original.

O ranger de dentes é sempre oculto do seu dono, sendo aquela gruta secreta notívaga que quando o sono entoa seu ninar, os molares, os caninos e seus comparsas iniciam seu bate-bumbo rangendo entre uns e outros e assim a arcada sonora se esbalda na condição da farra, tornando a cavidade bucal um lugar cheio de segredos.

domingo, 25 de junho de 2017

Distância


Uma vez ou outra fico pensando na distância que de certa forma pode ser até metafórica porque não lhe consigo alcançar em toda sua extensão, fico constrangida de pensar em fatos reais e pender para um lado mais triste desta condição que pode ser um prego em qualquer sapato, mas, também a redenção em qualquer chinelo velho havaianas que segure as tiras. Sempre arremeto para o mais sofrido, para o que me falta de estar por perto, para uma trilha secular que me separa da vida, que por qualquer motivo oculta as métricas do que mais me faz sofrer.

E, com certa surpresa, vou me inteirando que ela pode ser multiplataforma e sim, atingir os tantos outros que bem perto estão, mas que alhures se encontram na verdade, demonstrando que estar encostado não significa estarem junto, existindo ali, grandes ou pequenos abismos que a vida oferece como aperitivo de escolha. Uma birita que emborracha os que se afastaram e também os que foram deixados para trás e, assim inebriados ambos, nenhum consegue enxergar os anos-luz que se interpõe por ali, para validar que a distância pode ser próxima ou derradeiramente separatista.

Em sendo uma coisa ou outra, penso sempre que as encurto ao imaginar que a trajetória de cada um tem suas opções, independente do PHD vencido por um entre tantos ou por tantos entre um só. Não se faz necessário muitas letras para sentir o que um coração passa a determinar para todo o seu ser, uma vez que ele se sinta em abandono, e, não haverá Cristo reencarnado que cicatrize tal ferida. Não existe aloha em nenhuma praia paradisíaca que irá pintar em tintas aquareladas, as feridas que vez ou outra se abrem a sangrar uma ida.

Então, a dita anos-luz, que se vai sem olhar para trás deixa sabores amargos em alguns e em outros nem tanto porque vale mesmo, dizem outros por aí, que certos bibelôs valem mais que uma vida e talvez eu acredite neste despautério, porque soa assim como uma música bacana, um bálsamo que arde mas não cura, uma mentira caridosa, um engano de parte a parte e assim todos os quilômetros se abstraem nas ausências que, podem estar rondando, quem sabe, ou se diluindo no ar como bênçãos de Deus que as envia para que as esqueçamos.

sábado, 24 de junho de 2017

O velho


Não tem vez que eu não o encontre, seja resfolegando em sua corrida matinal, ou dando uma batida na beira da praia para pegar um sol, ou com uma sacola de compras da ferragem para fazer, ele mesmo, seus consertos em casa. Sempre sorridente, com um bigode já branco, das antigas, que lhe dá uma feição nem tão bonita, mas quando penso no seu perfil acabo achando que está superadequado, afinal, barbeado e com aquele “mustache” milimetricamente aparado fica irresistível, uma vez que ele carrega em si toda sua história, seus hábitos e, muito importante, a vida de agora, escolhida a dedo e em todos os dias de sua existência limando para que tudo ande nos trilhos.

Seu estilo é de fazer inveja, porque com seu corpo magro e atlético nos altos de sua vivência é para concluir que sua opção sempre é por caprichosos sapatos de couro preto, cintilantes de graxa “nugget” que brilha em todas as escalas das esquinas por onde passa, conjugando muito bem com o restante do figurino, meio cidade, meio praia, tipo assim. Ao observar a imagem escuto em alto e bom som o seu verdadeiro e sonoro não para roupagens que possam em algum momento, denunciar ao mundo uma desistência, uma preguiça de seguir em frente, um desabono frente ao dia a dia.

Vejo, de cara, a tendência de com este formato contratado por iniciativa própria, arder uma chama com cores tão diferentes e estas vão compactuando com ele em suas decisões mais básicas, se não, vejamos: ter um tempo inteiro para si, ter uma noite que se for má, lhe dá créditos para se recuperar sem horários a lhe restringir, uma vaga imensa nas conversas sem sentido, toda a permissão para se arrepender do que for, do agora ou do que já se foi, viver o perdão a toda hora como se pão quente fosse, rir pelo simples motivo de achar graça da vida.

Tem em si, esta figura, um resumo de uma em tantas vidas e todas elas se encadeiam e denunciam que aonde ele vá, todas as suas escolhas andam junto, ou no seu entorno. Assim é quando enverga roupas com certo rigor sem deixar aqui e ali um toque de descanso, de já chega, de estou pronto. Da mesma forma conserva nos olhos a altivez e a curiosidade de menino e aquele opaco, que às vezes transparece, é para demonstrar que pressente o arrevesado em relação a tudo que viu nesta vida, e no passo a passo, vai acenando para todas como se sempre estivesse se despedindo.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Não esqueça


Alinhei como sempre faço todos os meus cabeças de borracha imaginária, apontei-os com delicadeza, fiz com que todas as folhas destacadas pela gilete do apontador se tornassem um mosaico colorido, e que pudessem, assim, lado a lado, me dar um alô, um recado, denunciar a espera pelas letras desenhadas ou pelas mal traçadas linhas como se ainda fossem de alguma serventia, como se ainda alguém se lembrasse da existência deles, como se ainda importantes fossem. Foi-se o tempo acalmado em que a caligrafia silenciosa gravava no papel o pensamento na medida em que ele vinha surgindo, a borracha servindo para apagar o mal dito e assim a escrita possuía um ritmo romântico no desdobre da cadencia do pensamento versus a impressão dos mesmos.

Por isso mesmo ali estavam todos enfileirados, apontados algozes com intenção genuína de adentrar a minha cabeça e tirar tudo ou sei lá, quem sabe, o pouco que tem dentro dela, ou nada, de vez em quando. Eu os senti maquiavélicos ao me dirigirem seus grafites em setas buscando dentro de mim o assunto. E então, para minha surpresa, o meu dia vem me cochichar enredos que andavam um pouco adormecidos na cachola e que, por serem duvidosos, meus dedos custaram a se movimentar em favor deles ou contra.

Com este bordejo deitei para trás o olhar dando-me conta da falta de algumas categorias que há bem pouco tempo andavam em meu encalço fosse para o bem ou para o mal e, confesso, que até do mal senti falta porque andava bem treinada para suportar a tudo e, por isso, talvez eu esteja acometida de uma pontada de abstinência do incômodo.

Com esta gordura acoplada como se fosse um cinturão protetivo, eu andava pelo mundo, sem perceber que além do escuro que vez ou outra se apresentava, havia ainda rastros de determinadas situações que, de certo modo, não havia me dado conta do tanto que me atrapalhavam. Disfarçados de bom augúrio, ao se apresentarem, consegui perceber o tanto de invasivos todos estes assuntos se tornaram e me deixaram refém. 

terça-feira, 13 de junho de 2017

Laços


Fazia já um tempinho que a maratona do desfaz tinha chegado ao término, porém, sempre parecia haver algum fio enleado, não se sabendo bem onde iniciava e muito menos onde terminava ou se havia alguma pretensão de se enroscar novamente. A espreita dos mesmos se faz com certa aura de mistério e sobriedade porque não é muito bom se arvorar de tanto riso quando não se tem certeza que as cangas foram desfeitas e remanejadas para outra conveniência.

Os atadouros desejáveis tiveram de ser descarnados do seu propósito de nascença para poder então receber outra roupagem, mais ajustada aos novos conformes, que atendesse aos anseios que não encontraram voz anteriormente e que, quase sempre, por não estarem de acordo, acabavam displicentes e apáticos no fundo de alguma gaveta. Eles poderiam estar por ali em forma de retratos, de pétalas secas, de folhas de livros amareladas pelo tempo e arrancadas da brochura desviando assim todo o assunto e deixando bem confuso o enredo. Tudo o que era desejável estava imerso em uma aura de descaso, num passadouro volante com seu clamor silenciado.

Neste intermédio foram se achegando alguns cordéis que apesar de não serem ambicionados se punham por ali querendo impor um ou mais fatos, mas logo perderam força por não terem em seu destino o motivo certo para se firmar. Na contrapartida do desnecessário, múltiplos jugos se misturavam aos anteriores deixando assim a rotina agitada por conta do súbito que adere a tudo o que anda solto, parecendo tudo reunir, mas não há muito que se ter a certeza, justo por pertencerem ao caí aqui por acaso.

O mistério continua a desafiar quem quer ver os enredos desfeitos, as histórias recontadas e a parafernália dos anseios saírem daquele lugar a que foram relegados sem nem ao menos terem sido envelopados com alguma insígnia honrosa. A realidade se descortina mostrando com clareza os laços que se deseja, os laços repentinos, os laços que não se concluem, os laços indesejados e os laços negados. 

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Dia dos namorados


Sou namoradeira e estou sempre enganchada no amor pendendo muito a humores do dia uma vez que são muitas as nuances do meu afeto que perpassam rapidamente do claro para o escuro, do riso ao choro sempre muito bem acompanhado pela inconstância da vida. Esta, que todo dia vem contaminar a mistura que não pedi e às vezes nem desejei.  Sentimentos são implacáveis e certeiros para derrubar o combinado, enganar a esperança e derreter a boa vontade. Nesta barafunda, tenho alguns pretendentes.

O Céu com seu azul gritante eleva o espírito e sempre me faz pensar que é com ele que eu quero ficar, uma vez que me abraça com uma amplitude universal, abriga todas as minhas ansiedades sobre si e me possibilita exercitar um olhar perspicaz aos acontecimentos e nas feituras do destino o que torna o meu envolvimento com ele e a vida muito intenso.

O Sol é outro pretendente e devo confessar: com muitas chances de me conquistar uma vez que adoro deitar-me ao seu calor, aprecio demais que alumie meus passeios, que deite sua luz dentro de minha casa criando desenhos de sombra luz e calor que além de esquentar meu corpo deixa minha alma ardente. É com ele que lanço um olhar abusado ao abrir um livro, é ele que me incita a escrever no Diário os meus desejos inconfessáveis e, no final, sempre me atende quando lhe peço que enfraqueça sua intensidade luminosa para me acobertar na escrita que pede meia luz para que minha mente se engrandeça.

Mas O Vento vem com tudo, como lhe é peculiar, e balança meu coração por ele ser o meu contrário, por gostar de bagunçar o que já está proposto fazendo barulho infernal para quem aprecia o silêncio como eu. Talvez por isso ele me atraia muito e me leva a ouvir as grandes tempestades, as ondas da maré rugindo no fundo do meu coração sempre apertado e fustiga a natureza com intenção de me chamar a atenção e, deste modo, desarruma tudo o que está organizado e com destino certo. Voluntarioso, me deixa sempre na incerta.

Mas de todos quem ganhou meu coração foi O Amor, porque ele reúne e compartilha todas as sensações de tumulto e de calmaria, é ele que me faz abrir os olhos toda manhã e mesmo que eu esteja cega durante o dia ele vai me ajudando a enxergar o que não está à minha frente. Sem nenhum pudor ou culpa é com ele que me deito e levanto todo dia tendo sempre o cuidado de não o ferir, não o relevar, não o tratar mal e muito menos o ignorar.


quarta-feira, 7 de junho de 2017

Que vida!


A onipotência de viver com uma faca no pescoço com um fio afiado querendo dizer que temos que decidir tudo e rapidamente, sem muito pensar, sem muito indagar os porquês, porque o “coach” de vida está ai gritando a plenos pulmões que nossa história tem que ser escrita cheia de pontuação, precisa ser dominada, temos que ter as rédeas do destino, seguir a vereda com determinação e foco. Não é permitido mudar, fazer outra coisa, esbravejar.

Agora a praxe do infeliz profissional é completar todos os passos para chegar no topo, ser funcionário padrão, focar na excelência e subir para sempre, sem olhar para os lados e muito menos para trás. Não é possível deixar-se manipular pela vida sendo um pecado mortal deixar que as coisas andem com mais leveza.

Veio-me á lembrança os meus sete anos, quando comecei a ir para escola – naquele tempo frequentava-se a escola somente aos sete anos – até lá, se brincava de boneca e vadiava-se o resto da tarde. Era inverno rigoroso, minha mãe me acordava invariavelmente de manhã bem cedo entrando no quarto e abrindo as janelas com furor dizendo que o dia estava lindo e que tínhamos que aproveitar. Não importava se chovia ou fazia sol, o discurso era sempre o mesmo.

Eu sentava na cama muito amuada e completamente muda o que obrigava minha mãe a me erguer, levantar um braço e depois o outro me vestindo com vagar, me livrando do meu quentinho pijama de pelúcia um pouco roto já. Assim eu envergava o austero uniforme do colégio de freiras mas permanecia muito calada e, deliciada, me deixava comandar.

Depois de vestida a babá tomava conta de me ajudar na higiene, penteando meus cabelos rebeldes e amarrando em um lindo rabo de cavalo. Aquele ritual me encantava e assim eu saboreava cada minuto sem ter de tomar nenhuma decisão. Fico nostálgica ao pensar naquele tempo em que se era preparada de um jeito amoroso para viver o dia.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Por um fio

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Medo


O sossego de vagar por ai como se não houvesse amanhã se evadiu de todos nós, não podendo hoje em dia haver possibilidade de andar para o trabalho, para o lazer ou, simplesmente, ir até ali na beira do mar fazer uma reza sem se preocupar que se esteja sendo seguido, que por detrás de cada touceira haja um observatório, que em cada esquina dois ou mais grandes pares de olhos  observam  modos, gestos, postura. De qualquer modo, o big brother do mundo está dentro e fora da nossa cabeça e muito por conta desta desarrumação da vida de todo mundo.

Difícil de acordar e estremunhar com lentidão para ver o que a natureza está aprontando, se vem com sol, se vem com chuva e neblina, se é inverno ou verão porque o sono foi profundo e este acordar deu certa amnésia sobre o que anda acontecendo. Tudo isso pode parecer de uma simplicidade absurda, mas não é. Antes de colocar seus chinelos no portal da casa melhor indagar nos alfarrábios da internet se o dia vai estar para peixe ou se vai ter de tirar os coturnos do armário, uma camiseta bem fresquinha ou talvez, aquele colete a prova de bala que, embora se relutasse na aquisição se fez necessário, uma vez que a vila ali adiante não anda com uma fama muito boa.

É desta forma inerente à realidade que a informação chega antes do pé na porta, que se antecede ao pensamento, que fura a fila antes de chegar à padaria, que reúne todos os instrumentos de proteção em um lugar só para frear o medo de se chegar descalço no alpendre, de, sem lavar a cara correr para o açougue, ir de pijama tomar o chimarrão na beira do mar. Nestes tempos airados e instantâneos somente sabendo um pouquito de nada sobre o que acontece, já é de grande conveniência.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...