segunda-feira, 19 de junho de 2017

Não esqueça


Alinhei como sempre faço todos os meus cabeças de borracha imaginária, apontei-os com delicadeza, fiz com que todas as folhas destacadas pela gilete do apontador se tornassem um mosaico colorido, e que pudessem, assim, lado a lado, me dar um alô, um recado, denunciar a espera pelas letras desenhadas ou pelas mal traçadas linhas como se ainda fossem de alguma serventia, como se ainda alguém se lembrasse da existência deles, como se ainda importantes fossem. Foi-se o tempo acalmado em que a caligrafia silenciosa gravava no papel o pensamento na medida em que ele vinha surgindo, a borracha servindo para apagar o mal dito e assim a escrita possuía um ritmo romântico no desdobre da cadencia do pensamento versus a impressão dos mesmos.

Por isso mesmo ali estavam todos enfileirados, apontados algozes com intenção genuína de adentrar a minha cabeça e tirar tudo ou sei lá, quem sabe, o pouco que tem dentro dela, ou nada, de vez em quando. Eu os senti maquiavélicos ao me dirigirem seus grafites em setas buscando dentro de mim o assunto. E então, para minha surpresa, o meu dia vem me cochichar enredos que andavam um pouco adormecidos na cachola e que, por serem duvidosos, meus dedos custaram a se movimentar em favor deles ou contra.

Com este bordejo deitei para trás o olhar dando-me conta da falta de algumas categorias que há bem pouco tempo andavam em meu encalço fosse para o bem ou para o mal e, confesso, que até do mal senti falta porque andava bem treinada para suportar a tudo e, por isso, talvez eu esteja acometida de uma pontada de abstinência do incômodo.

Com esta gordura acoplada como se fosse um cinturão protetivo, eu andava pelo mundo, sem perceber que além do escuro que vez ou outra se apresentava, havia ainda rastros de determinadas situações que, de certo modo, não havia me dado conta do tanto que me atrapalhavam. Disfarçados de bom augúrio, ao se apresentarem, consegui perceber o tanto de invasivos todos estes assuntos se tornaram e me deixaram refém. 

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