sábado, 24 de junho de 2017

O velho


Não tem vez que eu não o encontre, seja resfolegando em sua corrida matinal, ou dando uma batida na beira da praia para pegar um sol, ou com uma sacola de compras da ferragem para fazer, ele mesmo, seus consertos em casa. Sempre sorridente, com um bigode já branco, das antigas, que lhe dá uma feição nem tão bonita, mas quando penso no seu perfil acabo achando que está superadequado, afinal, barbeado e com aquele “mustache” milimetricamente aparado fica irresistível, uma vez que ele carrega em si toda sua história, seus hábitos e, muito importante, a vida de agora, escolhida a dedo e em todos os dias de sua existência limando para que tudo ande nos trilhos.

Seu estilo é de fazer inveja, porque com seu corpo magro e atlético nos altos de sua vivência é para concluir que sua opção sempre é por caprichosos sapatos de couro preto, cintilantes de graxa “nugget” que brilha em todas as escalas das esquinas por onde passa, conjugando muito bem com o restante do figurino, meio cidade, meio praia, tipo assim. Ao observar a imagem escuto em alto e bom som o seu verdadeiro e sonoro não para roupagens que possam em algum momento, denunciar ao mundo uma desistência, uma preguiça de seguir em frente, um desabono frente ao dia a dia.

Vejo, de cara, a tendência de com este formato contratado por iniciativa própria, arder uma chama com cores tão diferentes e estas vão compactuando com ele em suas decisões mais básicas, se não, vejamos: ter um tempo inteiro para si, ter uma noite que se for má, lhe dá créditos para se recuperar sem horários a lhe restringir, uma vaga imensa nas conversas sem sentido, toda a permissão para se arrepender do que for, do agora ou do que já se foi, viver o perdão a toda hora como se pão quente fosse, rir pelo simples motivo de achar graça da vida.

Tem em si, esta figura, um resumo de uma em tantas vidas e todas elas se encadeiam e denunciam que aonde ele vá, todas as suas escolhas andam junto, ou no seu entorno. Assim é quando enverga roupas com certo rigor sem deixar aqui e ali um toque de descanso, de já chega, de estou pronto. Da mesma forma conserva nos olhos a altivez e a curiosidade de menino e aquele opaco, que às vezes transparece, é para demonstrar que pressente o arrevesado em relação a tudo que viu nesta vida, e no passo a passo, vai acenando para todas como se sempre estivesse se despedindo.

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