quarta-feira, 7 de junho de 2017

Que vida!


A onipotência de viver com uma faca no pescoço com um fio afiado querendo dizer que temos que decidir tudo e rapidamente, sem muito pensar, sem muito indagar os porquês, porque o “coach” de vida está ai gritando a plenos pulmões que nossa história tem que ser escrita cheia de pontuação, precisa ser dominada, temos que ter as rédeas do destino, seguir a vereda com determinação e foco. Não é permitido mudar, fazer outra coisa, esbravejar.

Agora a praxe do infeliz profissional é completar todos os passos para chegar no topo, ser funcionário padrão, focar na excelência e subir para sempre, sem olhar para os lados e muito menos para trás. Não é possível deixar-se manipular pela vida sendo um pecado mortal deixar que as coisas andem com mais leveza.

Veio-me á lembrança os meus sete anos, quando comecei a ir para escola – naquele tempo frequentava-se a escola somente aos sete anos – até lá, se brincava de boneca e vadiava-se o resto da tarde. Era inverno rigoroso, minha mãe me acordava invariavelmente de manhã bem cedo entrando no quarto e abrindo as janelas com furor dizendo que o dia estava lindo e que tínhamos que aproveitar. Não importava se chovia ou fazia sol, o discurso era sempre o mesmo.

Eu sentava na cama muito amuada e completamente muda o que obrigava minha mãe a me erguer, levantar um braço e depois o outro me vestindo com vagar, me livrando do meu quentinho pijama de pelúcia um pouco roto já. Assim eu envergava o austero uniforme do colégio de freiras mas permanecia muito calada e, deliciada, me deixava comandar.

Depois de vestida a babá tomava conta de me ajudar na higiene, penteando meus cabelos rebeldes e amarrando em um lindo rabo de cavalo. Aquele ritual me encantava e assim eu saboreava cada minuto sem ter de tomar nenhuma decisão. Fico nostálgica ao pensar naquele tempo em que se era preparada de um jeito amoroso para viver o dia.

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