E assim foi naquele dia de vasculhar guardado,
revolver gavetas, abaixar caixas e caixas de tralhas de tudo o que é tipo,
fazer voar as traças, assoprar o pó do tempo em tudo o que jaz esquecido e
escondido, mas nada de encontrar aquele artefato. A caraça no dia a dia de muitos ordena a
camuflagem de usuários pertinazes que não se agitam para vesti-la em dia
especifico, mas a incorporam para todo o sempre. Mas aqui a conversa é outra.
Fãs de muitas tribos nesta data específica se
travestem utilizando uma máscara que simboliza uma folia sem precedentes
conferindo de praxe ao seu portador um ou mais personagens afastando-o do seu
próprio como se de fato fosse imprescindível vivenciar outras individualidades,
como se não houvesse alternativa para mudar a sua e que este evento fosse a
única maneira de sonhar com outra biografia, se retirando, por alguns dias, de
sua vida falsa.
De certo modo não demorou muito para surgir
em um cantinho, bem abafado, cheirando a naftalina, aquele disfarce que em
outras épocas serviu como simulacro para sair às ruas. E assim ela surge
colorida, com vidrilhos cintilantes e sinuoso feitio, com um perfeito bordado
que contorna os olhos deixando-os com outro matiz, e não somente isso. Uma alma
nova brota da fantasia que encabeça por dias adiante uma folia desvairada, um
langor atávico, uma pressa de ser feliz apesar de se ter ciência de toda a
ilusão circundante.
De certa forma a ocasião favorece a muitos a oportunidade
de retirar de seus próprios olhos aquela dissimulação carregada com tanto
empenho ao longo do ano, esta mesma que vai lhe corroendo as entranhas, lhe
azedando o estômago e o fazendo pensar e falar com o fígado.
Assim a festa pode vir a conferir àquele
rosto cínico uma aparência contrária a que esta face carregou e como se fosse
uma mágica do convescote um rosto transfere a si outra aparência, como se esta
alegoria insuflasse àquele rosto tantas desobrigações, causando de fato um
apelo à transformação.
E com uma maneira bem simplória lá se foi o
personagem envergando nova aparência que lhe audita outra identidade que de
certo modo trai a quem ele era, porque
assim escondido, não deixa à mostra sua feiura, acrescenta muito brilho ao seu
olhar opaco, lhe destranca a fala, lhe ferve as cordas vocais em cantorias, a
sede etílica é avassaladora e assim, por tanto tempo que lhe é expressa a
alforria, aproveita em ser o outro ou talvez o seu eu de fato.