Tropecei no artefato e quase me fui ao chão
rolando sobre ele, mas o que mais me chamou a atenção é que havia dentro da
garrafa um bilhete e que, em um primeiro momento, parecia desenhado o meu nome
em tão mal traçadas linhas. Depressa resolvi investigar porque nestas paragens
de exílio auto- concedido e abençoado, as surpresas vão acumulando como se
fossem bônus para quem agora olha a vida como um tempo que não precisa ser
contado, apenas sentido e, de certo modo, tenho autorização para retratá-lo às
minhas expensas.
Mesmo muito curiosa eu não tive coragem de
abrir a garrafa porque de fato o seu conteúdo poderia virar pó ao se contaminar
com estas aragens de beira de praia, tão diferentes de um além-mar cuja origem
me parece ser a do objeto. O oceano em suas profundezas seduz a todos que
desejam dispor de suas águas revoltas como se fosse um guardador de segredos ou
um túmulo que se fecha ao lhe ser confiado uma missiva.
Fiquei ali, com um sentido de que talvez eu
tenha sido descoberta, mesmo que eu não tenha fugido, vai que uns e outros se
permitam pensar que foi o que eu fiz e assim, ao não me encontrar no meio do
mundo do caos, acharam por bem me procurar por aí. Penso também que talvez o
mar tenha sido a primeira opção por me saberem com um sentido atávico em
relação ao litoral desde que recém-nascida e que passei a respirar a maresia
como se ela assim fosse o meu oxigênio de sobrevivência.
Voltei a me concentrar no bilhete que a
garrafa sem rotulo portava e que mostrava algumas frases antes de se arredondar
em um minúsculo canudo para que assim ali coubesse. Sentei-me, agora mais
tranquila, com a missão concedida pelo mar de recolher aquela carta que veio
até mim como um símbolo de recados idílicos, de amores remotos, de busca de
vidas arrastadas por ela mesma.
Acometeu-me de pronto certo cerimonial na
busca do conteúdo que poderia ser alcançado se exterminasse em mil pedacinhos a
existência vitrificada que ora se apresentava. Aprofundei meu olhar pela
enésima vez àquele bilhete aprisionado e que mais parecia ser um recado do
passado e, assim, ao dar-me conta desta possibilidade lembrei-me que quando fiz
o salto, toda minha bagagem estava comigo, tanto as de preferência quanto as de
nem tanto.
Deste modo, devolvi ao mar o que não me
pertencia e deste jeito, assim meio afoito e ao mesmo tempo crente, tenho a
convicção que talvez eu tenha sido contaminada, em alguns segundos, pela ilusão
da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário