sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O banco


O desafio desta época é ver aquele banco de praça lotado destoando do ambiente normal do resto do ano, onde o que mais tem vida são as ondas do mar, a cachorrada de rua engalfinhada, a areia correndo solta com ventos do norte e as garças perdidas para o lado de cá provavelmente aliviadas da superpopulação que impera em tempos de calor.

Eu o tenho sempre na mira e ouço todas as suas histórias com olho no olho quando ele está vazio, uma vez que nossa fala é a única por estes lados. Ele não pranteia a falta de companhia, não se irrita com os passarinhos pousando em si nem nos galhos de árvores que lhe vem por cima. Não se sente inútil por ficar tanto tempo sem que ninguém se assente para o descanso, não se verga quando o vento bate forte e não se importa quando a chuva vem lhe açoitar. Passa seu tempo sempre como novo. Inabalável.

Temos muito em comum eu e ele, a começar o gosto pelo silencio, pelo desejo de solidão imponderável, pelo acolhimento de todas as falas mesmo as mais rudes, não conseguindo de nenhum modo revidar, e, também, pela situação contumaz de se fincar no mesmo lugar. Não gostamos de partir, porém há sempre àquela hora em que ele, quer apodrecer e desistir, ali, a mercê de tudo e de todos e eu, agonizo a todo o momento porque o trem da minha partida não me fornece a data, nem horário e local.

Porém, nem tudo é defeito. Ambos gostamos de ouvir conversas, as mais interessantes, as mais vulgares, as mais inteligentes e as mais burras. Mesmo não metendo o bedelho no assunto ouvido temos a certeza que esta pauta nos alimentará por alguns dias.

E é chegada a hora dele, do banco, ela sempre vem, quando a variedade de criaturas vem se assentar em seu dorso e destrambelhar seus assuntos. A fauna humana se estabelece quando o clima começa a esquentar e a sucessão de causos compartilhados em cima dele o deixa em lastimável estado de confusão.

É através dele que a conversa variada toma corpo, se assoma ao tempo recortes das vidas de uns e outros, a erva amarga rola entremeada por pingos etílicos, alfinetadas sem intenção e figurinhas são trocadas sem a menor serventia porque são tempos etéreos.

Então fico olhando de longe meu amigo banco sempre tão bem intencionado e assim como ele muitos de nós, só que na maior parte do tempo só nos resta ser o observatório da vida em movimento.

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