quarta-feira, 30 de abril de 2025

Facebook

 


Um lugar incrível, um verdadeiro paraíso onde está empilhado no espaço todo tipo de gente, uma realidade surpreendente mesmo para os dias que correm tão céleres, como um piscar de olhos.

E por falar em vida física acho que o Facebook deveria ser um órgão do corpo. Penso que faz todo o sentido transformar o aplicativo em um órgão que fará parte da nossa anatomia e pode ser até com o mesmo nome, ou pré nome. Eu apenas sugiro que a localização dentro do corpo humano é que mude em cada pessoa, uma vez que tudo acontece neste espaço, para o bem e para o mal.

Corações são partidos por conta do seu poder de estrago de espalhar desavenças, amizades de longa data são estremecidas por um esquecimento em curtir algum acontecimento importante, e para quem viu, nem tanto. O dia começa na corrida cibernética pelos “likes”, levantando inimigos de morte na competição. Não sei se será uma parte do corpo que irá trazer benefícios, uma vez que para se estar conectado é necessário estar em frente a uma tela que somente daqui a séculos saberemos se faz bem ou mal. Amores podem acontecer correndo o risco da inveja e do mau agouro vir multiplicado em zilhões de falsos “likes”. 

Ele é um traíra, porque ao mesmo tempo em que reúne ele afasta quem se está  junto uma vez que a demanda é voraz na derrubada do que hoje acontece e urge no quê, ou quem, vem depois. 

Então, acho que dever ter muita gente querendo que o seu Facebook esteja colado ao coração, porque é ali que ele volta ao passado e se encharca na lama da nostalgia, com aquela sede de ser de novo quem era, se sentir jovem, revigorado em rever tanta gente que se espalhou no mundo. A gente poderia chamar de Çãoface.  

Outros talvez preferissem que ele se situasse junto ao fígado, porque desta forma haveria uma parceria etílica uma vez que o dito cujo filtra tudo o que o gajo entornar e o Facebook monitora os conteúdos. Assim, ficam juntos na saúde e na doença. Poderia se chamar Fígface.  

A galera indignada revoltosa com tudo, com todos e consigo mesmo, gostaria que o órgão estivesse colado ao intestino uma vez que este despacha o que apodrece em nós. Desta forma fica lógica a parceria escatológica. Um bom nome seria Inface.  

O principal parceiro do Facebook é o cérebro porque ele está no comando das informações, mas, não vou agregá-lo nesta minha visão apocalíptica porque não quero ver suplantadas as minhas esperanças que um dia este inferno acabe.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Contrato

 


Então estamos combinados que neste papel escreveremos as cláusulas de nossas vidas, entrelaçadas em linhas e costuradas uma a uma nas letras do alfabeto.

Ele reza que por aqui terei a luz do sol a iluminar minhas ventas, a brisa do mar como alimento e por este motivo não posso desejar nada mais. Neste papel está confiado que vou estar de acordo com os meus sonhos e que os mesmos poderão pairar lúgubres ou não sob minha cabeça. Nos dedos, agilidade contumaz para descrever todas as nuances que minha imaginação possa captar.

Uma simples folha de papel me parecendo, neste momento, muito alegre, vem me afirmar que de agora em diante é este o lugar secreto que me toca no mundo e por estes espaços irei perambular minhas próximas noites insones.

Ele dita as ordens de agora para sempre, onde ficarei obediente ao trato e fiel ao meu desejo de liberdade e bem próxima dos milagres da natureza , assanhada em muitos brilhos, cinzenta em mau humor e violenta quando resolve dar um recado. Ventos fortes irão soprar por aqui e eu os verei bem de perto. Com a alma nas alturas.

domingo, 27 de abril de 2025

Rádio Escuta

 


Encontrei este rádio antigo no sótão, guardado entre velharias abandonadas, cheio de pó, e ao me deparar com o que procurava firmei a intenção de instalar um Rádio Escuta e, por este motivo, me joguei de corpo e alma no sótão e lhe dei vida, respeitando seu formato e composição antiga na emissão valvulada, com design e dial funcionando com muita personalidade, inundando na tardinha o ambiente com o chiado das notícias de toda parte do mundo, recheadas de mistério, causando um frisson na sala enfumaçada pelo palheiro da vizinhança.

Nasceu em mim a esperança de resgatar a acústica que se perdeu por aí, que subiu nas antenas de morros desconhecidos e com muita probabilidade tenha sido abafada pelo vento de todos os quadrantes se engalfinhando no ar e fazendo moucos meus ouvidos.

Quem sabe este cenário lúdico e carinhoso me estimule a monitorar todos os sons do entorno, de dentro e de fora da casa, passando com singeleza pelo meu ensimesmado bate-papo bate-pronto que vai ao ar todo santo dia tendo como interlocutor as paredes. Haverá certamente um labirinto de ruídos que confunde pelo simples motivo de vir, muitas vezes, entrecortado, dificultando a compreensão e a interpretação.

Este lugar escolhido por Deus e a mim entregue reúne em seu espírito todo o estrondo que perambula por aqui, entrando sorrateiramente por debaixo da porta, pelas frestas da veneziana, misturando tudo em uma parafernália sonora que se embola dia a dia. O Rádio Escuta recebeu a nobre missão de decodificar a mensagem para esta casa.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Passos largos

 


Lancei-me a passos largos em direção nenhuma apenas com o propósito de me evadir de mim, deixar para trás minha carcaça moída de ossos cansados que ainda se conjugam, mas de certo modo se atrapalhando no contexto, mas, depois de ensejados a prosseguir não há o que os faça estancar. Pois os deixei para trás e sai por ai em desabalada carreira apenas com meu pensamento ativo e foi como se eu houvesse saído do corpo com tanta fluidez que se amornou a minha alma, meu presente e quiçá meu futuro. 

Tive que fazer isso pelo deleite de me soltar das amarras invisíveis que vão dopando a circulação e a liberdade de andar solta, imaginativa e curiosa dobrando em todas as esquinas em voos rasantes buscando sempre aqui e ali as respostas que andam demorando muito para aterrissar, primeiramente em mim e depois no papel. 

E foi num destes voos rasantes que fiz a escolha do dia e sem pensar muito levei para casa tudo o que consegui no arresto da rua e deste modo vieram comigo o sorriso do vizinho, a peraltice das crianças em brincadeiras de rua, o quitandeiro em curioso debate com seus clientes, o idoso que ao não poder andar na bicicleta enferrujadíssima a empurra dando a impressão que está apenas descansando do ruim calçamento em que poderia ou desejaria trilhar. 

Recolhi a conversa animada das vizinhas na beira da calçada, o cachorro de rua em animada carreira atrás do que não tem a menor importância, varri com o pensamento as folhas amareladas do inverno que plenamente soltas vão e vem entre ruas e calçadas e acabei me deparando com as flores do valão, a beira mar invernosa limpa e feliz e a chuva lavando e levando tudo por onde passa. 

Cheguei de volta deste passeio acelerado tensa em recuperar minha ossada que ficou inerte em um canto da casa a minha espera. Nem pensei que iria me alegrar com este encontro, mas depois de um pouco de tempo, tudo se reintegrou satisfatoriamente e corpo e alma resolveram andar juntos e bem mais devagar.

domingo, 20 de abril de 2025

Como sempre

 


Como sempre abro os olhos e dou de cara com a vida, esta daí que por vezes se escamoteia parecendo me puxar para trás, em outra ocasião se esconde me fazendo sentir estonteada, sem rumo e com um sentimento de estar fora dela, em seguida quando bato na porta dizendo sem rodeios que hoje estou com muita coragem, que não tenho dor nenhuma, meu espirito está leve e ela pode dispor de mim para o que vier, ela manda dizer que não está, e, por último e não menos importante ao me confrontar repentinamente  em alguma esquina, ela finge não me conhecer.

Decidi que não me importarei se algo ou alguém está à minha espreita ao abrir meus olhos para o mundo. Nada de vislumbrar paisagens idílicas, passarinho no fio de luz, quero-quero grasnando sem rodeios, cachorro abandonado uivando de tristeza, nada de orvalho na grama, nada de maré alta ou baixa, ventos uivantes ou calmos. Não disso irá compor o dia que se inicia. Este me parece ser o recado dado.

Existe a simplicidade de um despertar que retira mansamente a veste da noite em que nos abrigamos e que protege corpo e espírito e com esta concordância nossos olhos se abrem ao mundo: sem as franjas do pensamento, das alegorias, da impertinência e da audácia de perseguir a dádiva da Vida.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A Paixão de Cristo

 


O momento final da Paixão de Cristo começa bem antes para os que tem fé e vivem com os olhos voltados à liturgia da religião e que possui nos lábios desde o seu acordar o pensamento de agradecimento e oração a quem criou o céu e a terra. Nestes dias a alma repercute a cada dia, a cada passo o sofrimento do Filho de Deus em sua caminhada para salvar a humanidade naquele tempo  remoto.

Na oração se acompanha o difícil caminho do Salvador que resplandecente arrebanha devotos que o seguem fielmente com os olhos sempre voltados para o que acontece no entorno, desde milagres, convertimento, sermões memoráveis e propagação da sua palavra entre os povos.

A trilha ressequida da terra de então recebeu durante a peregrinação camadas de lágrimas de arrependimento, de confissão de pecados, de solidariedade, de aprendizado, ensinamento para os seus fiéis seguidores que espalharam aos quatro ventos a Palavra de Deus Pai que em sua infinita bondade o enviou para nos salvar.

Jesus Cristo chega ao final do caminho duramente percorrido pontilhado de traição, com seu destino selado, pregado na cruz, com a carne dilacerada banhada em sangue deixando entrever seu olhar de amor e ternura infinita. E então, no terceiro dia após sua morte, vestido com brancas vestes e com todas as suas feridas cicatrizadas, ele rasga a atmosfera e sobe para se sentar a direita de Deus Pai. Aleluia.

 

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Falatório

 


Quase sempre é lá em cima, além dos olhos, da nuca, dos muros, das nuvens quando sobe em escalada vertiginosa todo o falatório real e imaginário, recente ou antigo, que atravessa os satélites como um risco, parecendo que aquelas palavras tem de atingir seu alvo de qualquer modo. O vento forte do passado anda cruzando o céu e com este vai não volta se enreda em mil consoantes, esquecendo, ou deixando para trás de propósito, as vogais com a clara intenção de desestabilizar o que ruge em todos os cantos.

Não é necessário adensar o propósito, que pelo volume se esfarela dentro de si e faz chover em mil pedaços frases de variado naipe, alinhavando como se fosse um truque antigo a realidade e o falso.

Assim se move o tempo de hoje, onde muitos morrem de saudades do tempo antigo, mas, sem ousar relatar que o par e passo era reverenciado por velhos e moços, que a cautela e o caldo de galinha era oferecido em todas as contendas e o deixa pra lá vinha com a oferta de um abraço bem apertado, tapinha nas costas, sorriso de orelha a orelha cobrindo uma face sempre sincera.

Tempo este em que os carros se misturavam com as carroças, cavaleiros tiravam o chapéu para as senhoras e senhoritas, as bicicletas circulavam em alegre arruaça, motocicletas no ziguezague da fumaça junto aos pedestres que andavam com cuidado e atenção para não perder a hora nem o passo. Agora  se diz e se faz tarde demais.

domingo, 13 de abril de 2025

Sem palavras

 


Quando fico sem palavras é porque algo de cima vem me assoprar com sofreguidão me fazendo voltar o pensamento para o que anda acontecendo de verdade, e não de mentira, aqui nos meus dias de letras. Primeiro vem a enxurrada de missivas à cabeça que me empurram com certa impertinência para o primeiro lápis e caderno que estiver dando sopa pela casa. São muitos, todos coloridos, com ponta impecável e em estado de alerta.

A seguir o fluxo e refluxo dos bilhetes no desencontro me assaltam com certa frequência fazendo estancar as ideias, talvez para que elas, por si próprias, se organizem, pois muitas nascem do caos e teimam em queimar a largada. São fujonas e etéreas em sua maioria me fazendo correr na anotação no final da página, antecipando o que vai ocorrer no entremeio de parágrafos.

A palavra dita pode tomar rumos, pegar um vento costeiro de norte a sul, bandear-se para outra interpretação, esconder-se atrás de novas palavras, embaralhar o alfabeto, confundir o interlocutor e no fim e ao cabo evaporar-se como folhas ao vento.

Tenho a convicção que por detrás do surto inspirador existe a premência de um agradecimento e no meu pensamento somente palavras grafadas possuem este poder por serem eternas e não apenas a conjugação de verbos.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Fio desencapado

 


Estava tudo igual com a pasmaceira dos dias passando, o sol nascia e descia com variação de tempo conforme a estação, o mar com sua mutação incansável sempre à mercê dos senhores do destino como a lua e o vento, estes, incansáveis no trabalho de agitar a maré, brincar com o clima, zombar de quem necessita da parceria. Neste cabedal de água salgada indomável o balé é coordenado pelo planeta.

A natureza estava dando o seu recado, sem dúvida o mais fiel possível. Porém aos meus olhos havia algo diferente, que não combinava com esta mesmice dos dias. De alguma forma aquele mar ali estava bem desigual em sua essência e neste momento suas ondas estouravam desencontradas num amontoado nunca visto e com um som ensurdecedor.

 A partir desta observação surgiram outras, demonstrando que algo havia mudado, as cores do dia estavam espetaculares, o verde das árvores reluzia, os pássaros se aglomeravam frente a janela com a conversa mais estridente que o tom monocórdio costumeiro. As flores brotavam de todos os canteiros fosse ela de cultivar ou selvagem, enviando um recado que a terra fértil do lugar se encontra na superfície de uma calçada, na beira do valão, no cômoro, entre as pedras do caminho, cumprindo a sina de brotar sem hesitar.

A impressão era de que todas as cores da vida haviam se renovado de um momento para outro. Alguém lembrou com sabedoria que, vez ou outra, nos sentimos como dentro de um fio sem abertura, sem luz, sem saída. Mas neste dia o modo de fio desencapado vigorou no assombro de refazer o destino.

sábado, 5 de abril de 2025

Letras em tempo

 


Hoje com esta pasmaceira peculiar dos dias amenos de outono onde nem o vento nem o sol querem andar juntos, minha mente, meus sentimentos e minha alma, inclusive, entraram no modo retrogrado e desde bem cedo ando esquecendo certas palavras, dificultando a minha entrada neste mundo de falatórios de toda laia ao qual sou empurrada toda hora, todo dia, mas não todo sempre, acreditem.

Acabei pensando que talvez o dia, matreiro, sem ter o que fazer de relevante, tenha resolvido me enviar desafios, me obrigando a duvidar de minha linha de pensamento, ou do destino das minhas ultimas letras no confuso caderno de rascunho que quase sempre anda perdido pela casa. Posso encontra-lo na mesa de trabalho, embaixo do sofá depois de um cochilo extemporâneo, atras da almofada, em cima do fogão, da geladeira, da máquina de lavar ou na bolsa que nunca uso. Como o propósito de manter este rascunho é para não haver nenhuma perda do alfabeto, que está sempre me assaltando, a trilha dele dentro da casa faz jus ao conteúdo.

Neste exato momento eu percebi que o dito cujo de rápidas anotações não se encontrava à vista propositalmente e entendi, rapidamente, que o dia ameno veio para lembrar que algumas letras inventadas perambulantes acintosamente por aí, não teriam mais o meu prestigio, portanto, as eliminei cegamente e segui meu rumo ao santuário da minha escrita imaginando haver me esquivado de quaisquer assuntos resgatando meu vocabulário. Voilá!

quinta-feira, 3 de abril de 2025

A primeira janela – O conto

 


Amaryllis governava aquela casa antiga com primor tendo ajuda de pessoas que exerciam as tarefas como se fosse um sacerdócio, uma veneração pela preservação, pela ordem, pela boniteza, pela natureza entrando pelos olhos e se afundando em cada canto da casa que rescindia a flores, folhagens e terra fresca. Colchas de crochê finamente elaboradas pelas avós enfeitavam as camas, as poltronas, as mesas de refeição. O assoalho de madeira maciça onde ecoavam as botinhas de couro das meninas, os tamancos do rapaz, o salto alto da dona da casa finalizando com as botinas do esposo eram cobertas por tapetes que abafavam o vai vem dos moradores e a faina diária do casarão.

As aberturas muito antigas - tanto portas quanto janelas – arranhavam estranhamente ao se abrir e fechar parecendo ávida para expor o ambiente externo e trazer para dentro da rotina da casa sua vida de início da manhã. Se entreabre para o mundo, em sussurros, assuntos de todos os tempos, passarada em alvoroço, ruídos da rua na manhã brumosa quando os personagens diários que frequentavam a madrugada vinham dar seu recado. Assim se ouvia o leiteiro, o padeiro, o capataz, o entregador de fruta e o carteiro, este se equilibrando no cesto de muitas missivas dirigida todos os dias àquela casa. Era chegada a hora de se debruçar nos janelões centenários onde figuravam floreiras impecáveis onde em cada palmo de terra exíguo se exibia uma espécie diferente formando um canteiro de flores aéreo ao redor da construção.

Neste momento encontramos Maria Flor que transitava neste ambiente com brejeira curiosidade levando para todo canto sua traquitana de estudo e de brincadeira sendo este ambiente quente, afetuoso e amplo que lhe deixava muito a vontade para expandir sua fantasia de menina. Menina essa mais quieta, de pouca fala, um pouco amuada, de muitos olhares e percepção aguda. Nem sempre lhe seria favorável esta condição, mas naquele tempo ela não tinha conhecimento disso.

Em um memorável dia Amaryllis tomou a mão da menina e a levou para um pequeno quarto no centro da casa, quase escondido, com uma porta monumental, provida de vitrais com desenho feito cetim opaco, o que a deixou paralisada. Uma lindeza só.  Na entrada da porta, à direita, uma mesa pequena detinha um dos raros telefones da época que, para fazer ligações dependia de uma telefonista, anunciando um tempo que, por enquanto, andava devagar.  Feito o registro em sua mente, sentiu um puxão novamente e, ao entrar no recinto sentiu uma clareza não bem identificada. A saleta havia sido arrumada com uma grande escrivaninha em frente a uma janela o qual se destacava lindamente no centro daquela mesa que continha seus alfarrábios de escola,  um armário pequeno e duas gavetas com lápis de escrita e de cor, algumas borrachas e apontador, uma pequena lixeira e um rádio de pilha de longo alcance.

A paisagem que se descortinava da abertura, após os gerânios abundantes do peitoril, era nada mais nada menos do que a entrada da casa de sua avó que todas as tardes vinha lhe chamar para o café da tarde. Neste momento seus cadernos eram empilhados cuidadosamente para assistir as histórias das duas irmãs com uma preciosa xicara de café e torradas com margarina.  Para Maria Flor foi o início da vida entre janelas em que o destino, mansamente, foi apontando, uma vez depois da outra, novas ventanas.

A partir de agora impera a sequência regular dos tantos cenários desfrutados por Maria Flor que, por gosto, precisava ter para si o quadro do mundo exterior sempre a disposição, fosse qual fosse a paisagem, a situação ou a vizinhança. Em um canto da vida aguardava solene e calada a velha mochila de couro guardiã da imperativa e voluntariosa necessidade de se evadir.

A caminhada entre vidraças passou por ruas antigas com o quadro principal topando com um telhado velho, mas não menos interessante. Após, um cenário lúdico com escola de criança em alegre interação, e, mais tarde, bem perto do céu, com o olhar da lua e das estrelas espiando por entre as frestas da veneziana.

Muito depois, a abertura de todas as manhãs veio como um presente da vida e assim surgiu frente a uma nova janela aquele imenso oceano que todos os dias assobia seu segredo, obedece ao vento, se curva à lua, ao sol, a preamar e aos arroubos do alfabeto de Maria Flor.

Dia do amigo

  Encontros acontecem a todo instante cruzando nosso caminho, pulverizando a atmosfera que nos envolve com um delicado lampejo divino e entr...