quinta-feira, 18 de junho de 2020

O algoritmo




Ando de boca fechada por aí sem poder conversar com o mundo através de um sorriso simples, um trejeito amistoso com a cabeça, uma gargalhada bem dada e assim, maneteada pelo algoritmo que determina com detalhes minuciosos quem te lê e quem te vê na foto, resolvi, além de calar a minha voz, vendar o meu olhar e dei adeus às imagens do mundo exterior. Ficarei na companhia do vento, ora forte ora fraco, da maresia, dos aromas de comida e da natureza, do tato e, claro, das topadas nos móveis – poucos - como se não bastassem as da Vida.

Decidi que por um tempo indeterminado não me interessa quem irá passar pela minha frente. Animei-me, uma vez que aqui está a oportunidade de no escuro enxergar melhor o que anda desfilando diante de mim na luz. Com os olhos vendados não sofro a interferência do externo e as lembranças assomarão à superfície. Mas, passar a limpo está fora de questão porque ao se entreter olhando para dentro o espírito vai fazendo uma seleção natural do que nos faz, ou fez, bem.

Vale lembrar que o que eu preciso agora é de acontecimentos repaginados com o pincel da essência da minha alma que irá determinar os entretons originais que por ventura estiverem esmaecidos na memória. As lembranças acontecem de assalto e agora, vendada, o contexto vai se alternando sem que o fio da história se apresente. Não existe lógica – nem algoritmo - que consiga estabelecer os retratos que vão passando na claridade da escuridão. O conforto e a quentura de ensimesmar-me, juro, não tenho coragem de negar.

2 comentários:

JOAQUIM DORNELLES disse...

Parabéns Vera Lúcia. Fez pensar. Um abraço!

m.reginasouza68@gmail.com disse...

Ensimesmar-se às vezes é a única saída, é como colocar a si mesmo dentro de uma caixinha de joias da alma. Beijos , Vera, bonito texto.

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