sábado, 20 de junho de 2020

A carta



Encontrei a carta no meio de um livro, destes que a gente tem uma vida inteira e volta e meia  folheia como se fosse a primeira vez. A carta foi escrita em computador já há um tempo e havia sido impressa. Não estava envelopada, porém, estava amassada e parecia ter sido socada nas mãos com certa fúria ou desespero, tal sua aparência, mas por fim foi alisada e dobrada com cuidado marcando uma página de um livro de contos e crônicas.

Abri com certo cuidado porque, juro, eu não lembrava de tê-la escrito. Não havia data, não rescendia a nenhum odor que a levasse a mim, apenas algumas traças tinham concluído seu trabalho e eliminado a pontuação, o que poderia alterar, e muito, o significado.

Antes de deitar os olhos ao conteúdo dei tratos à bola para trazer de dentro de mim a lembrança de tê-la redigido. Porém, logo desisti da ideia porque seria mais proveitoso e assertivo terminar com esta duvida, ler o conteúdo e jogar fora se não me dissesse coisa nenhuma ou cair de joelhos frente a algo que eu havia esquecido. Por bem ou por mal.

Encorajada e já um pouco impaciente com a duvida sobre o que ali estava escrito fui abrindo a dita cuja e comecei a ler. O texto grafado era sobre um fim, um estado mudo e uma partida para nunca mais voltar. O que mais me surpreendeu foram as metáforas utilizadas para a redação deste importante documento e creio que o designado poderia não entender patavina.

Ao concluir esta análise lembrei-me do fato e também do subterfúgio que utilizei para, de certo modo, não me fazer entender.  Lembrei também que eu não havia conseguido colocar no papel os meus sentimentos, logo eu, que não me importo de me afogar nas emoções. Iniciei uma nova missiva dizendo para mim mesma que a escreveria “com o fígado” e comecei assim:

“Tenho duvidas se vais entender, mas não tenho duvidas do que eu vou escrever...” comecei mal, desisto. A carta foi para o lixo.

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