Ela está sempre ali, impávida, totalmente à
minha disposição com uma paciência de Jó e generosidade nunca vista.
Disciplinada, desde cedo da manhã se mostra alerta, imaculada e pronta a me
instigar para os desafios da mente, arranjada para uma conversa mesmo que eu
tenha dias de especial mudez e escárnio pelas falas e meus olhos cegam não
havendo hipótese de me relacionar com ela naquele dia. Confesso que estas fugas
repentinas me trazem muito sofrimento, mas não há como ser diferente. Não sou
igual a ela que nasce idêntica todos os dias, porque eu sou múltipla e muitas
vezes eu estou sem cor nenhuma, minha cara está no chão e meus joelhos se
prostram a Deus apenas pedindo piedade.
Eu conheço seus ardis e sua espreita de que
tudo se arrume dentro de mim, mas obviamente que eu sou muito mais rebelde do
que se possa imaginar e nem com esta prontidão gratuita a se ofertar
despudoradamente, eu a levo a serio como o desejado. Muitas vezes quero lhe ver
pelas costas porque é por causa dela que sou impulsionada a gravar o que me
assalta na intimidade sem que eu possa sequer controlar a história que por
vezes se agacha como se pedisse uma trégua e eu, solidária não quero lhe
açoitar desnecessariamente.
Então fica assim estabelecido o jogo de gato
e rato onde a corrida para prender meus pensamentos perde força ao se deparar
com a rocha que consiste a minha abstinência total de demonstrar sentimentos,
minha incapacidade momentânea de chorar por nada, o vazio de parceiro para
trocar ideias estapafúrdias, as tardes de névoa mental e os notáveis entardeceres
de alma aos sobressaltos, sangrando vivamente os tantos modos de transcrever o
que me vai por dentro.
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