sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O mar


Se existe alguém que me arrebata para outro plano, que me tira do sério no bom sentido, que destrói qualquer pensamento nefasto, que joga em cima de mim toda a adrenalina que me faz falta às vezes, que me faz sorrir mesmo chorando, que enfeita o dia mesmo sendo ele de certo modo negro, que me deslumbra, que me esfria e me aquece e que me tira do sofrimento frente às agruras da vida – verdadeiras e imaginárias – este cara, é o mar.
Os meus olhos, que estão sempre apontando para o ermo com esta sede de enxergar o oculto, o não dito e o mistério, nunca se cansa de, ao abaixar as pestanas o encontrar sempre disponível, com a sua imensidão de água salgada disposta a derivar seus humores, a refletir a vista na janela, a se solidarizar se por ventura naquele dia minha alma está abaixo da crítica.
Ele concorda com todos os meus estados humorais, se traveste de cinza se circunspecta estou, se alevanta nas tamancas de ondas se resolvo me enfurecer, enrubesce de cor achocolatada se não posso fazer-lhe as honras em minha caminhada descalça, se vinga em grandes vagas se me percebe indignada com o meu destino desde cedo e ouso dizer, que muitas vezes, ele me acompanha na alegria e na tristeza sendo que o vice versa acontece de pronto.
O que mais me encanta nele é o fetiche que ele mesmo se impõe de possuir uma vida própria, como se não fosse a lua e os ventos dos quadrantes a lhe guiar em suas marés, como se os seus movimentos mais viscerais não dependessem do clima, como se todas as suas danças não fossem orquestradas por outrem. Em sua vastidão ele gosta de enganar a si mesmo e vai assim, vivendo como a gente, que teima em pensar que os mapas do universo não guiam nossos passos.

2 comentários:

lucio disse...

mar sempre igual...sempre diferente...e o horizonte, o horizonte me esperando, esperando, mas o mar nos separa, sempre igual, sempre diferente...

Helena Maria Duarte disse...

Mais uma crônica belíssima, que nos remete a um lugar onde nos sentimos bem.

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