quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Minhas feridas



Pisei firme naquele amanhecer porque achei que estava mais do que na hora de deixar aquele sitio que me fazia todo santo dia enxergar a mesma coisa, ouvir as mesmas palavras, talvez com certa variedade nos erros de português que assim, no susto, me entupiram os ouvidos e pela tampa gritei chega.
Além de estar sempre com maresia nas ventas eu também andava descalça e, de tanto assim trilhar me feriram os pés quase que sem sentir. As fissuras nem rendiam dor porque andar estava por ali como se respiro fosse. Assim era, conversa boba e roseta nos calcanhares.
Dei-me conta que na mudança eu não havia percebido que os novos caminhos, além de conter a delicia da areia fina de praia continham igualmente pedras pontiagudas, conchas partidas, cascalhos nem tão limados pelo tempo, e deste jeito - dramática como sou - me fui despudorada, olhando somente para frente e para o alto sem me atentar que existe o terreno e este, nem sempre faz deslizar manso.
Acabei com inacreditáveis feridas nos pés que pensei que se parecia com as gretas da alma por se apresentarem tão finas e com desenhos milimétricos e contraditórios em sua essência porque, ao mesmo tempo em que as feridas abertas ao sangrar têm o benfazejo curativo que estanca de certo modo a dor, as feridas da alma não conseguem este alcance, assim de imediato.
Mesmo assim segui andando com uma ou outra atadura, o que se faz normal quando se opta pelos caminhos de certo modo nem tão bem feitos para se enfrentar a vida que segue ali, toda direitinha, emperdigada e com os algoritmos alinhados.
Não foi o mesmo com o fundo do meu ser, que ao se perceber alinhado com o sofrimento de uma razão inteira não obteve curativos que pudesse cicatrizar tantos, e ao mesmo tempo, tão poucos dilemas. Minha inquietude surgiu dilacerada e à mercê de mim mesma que agora tinha por honra dar-lhe algum sinal de costura das chagas, lavar delicadamente os cancros , fechar-lhe as feridas com delicadeza porque em se falando de sentimentos o que se pede é singela cura.

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