Num
arremesso mal dado, justo neste dia cinzento, meu corpo se desmantelou e fugiu
de mim deixando apenas a mente a funcionar. Vi o molambo se afastar irado,
composto apenas de braços e pernas desconjuntadas no andar, me deixando com o
sentimento de haver me tornado uma alma penada.
Aproveitei a separação para exercitar o desapego de
tudo o que me faz ficar desanimada e saí à cata do que vale a pena buscar me
dando conta que só olhando o entorno com a alma posso encontrar uma verdade
mais ou menos.
Flanando
sem rumo acompanhei indivíduos nus de propósitos dignos mas se esmerando no
cumprimento da agenda que os faz correr ao camarim teatral diversas vezes ao
dia, mudando as máscaras e as fantasias, se travestindo de dramáticos com
códigos muito particulares, acreditando serem reais personagens de si.
A esta altura meu anfiteatro estava abarrotado de
notáveis que se entreolhavam e alguns deles foram percebendo que se
assemelhavam aos outros na malandragem ao tratar o próximo. Com coragem evadi
do recinto as vilanias e aportei generosidade e coerência em boas doses para
que no futuro eu não corra mais o risco de maltratar minha carne em excessivas
concessões.
Desci
dali aflita para reencontrar meu corpo físico fugido quando o avistei, muito
bem humorado, sem a minha cabeça sempre culpada a lhe perseguir, a lhe ameaçar
com fantasmas noturnos e lhe açoitar os músculos com ferro desde que nasce o
dia. Sorri benevolente e me aproximei delicadamente, percebendo a seguir que a
fuga desbragada tinha surtido efeito e ele parecia feliz por ver sua alma
refeita se incorporar a si.
Conceder
não mais.
2 comentários:
Carmen escreveu: "Sempre é um prazer ler teus textos!"
Regina Helena escreveu: "Vá em frente. Abraços"
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